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Pronta Para Casar Copyright © LK Wiatrow, 2015 Safe Creative Copyright Registry: 1603307025692
Edição do Autor Dezembro 2016
REVISÃO Mariana Rocha
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CAPA Intuição Design
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Dedicatória Para quem acredita na força do amor.
“... e que a minha loucura seja perdoada. Porque metade de mim é amor, e a outra metade... também.” Metade - Osvaldo Montenegro
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Biografia LK Wiatrow nasceu no interior do Rio Grande do Sul, é formada em Administração e optou por criar um pseudônimo quando iniciou a publicação de sua primeira comédia romântica no Wattpad — Amizade, Amor e Confusão — pois não queria misturar os dois mundos tão diferentes. Depois do seu quarto romance sendo publicado no Amazon, e escrevendo um romance dark, ela sabe que tomou a decisão certa. LK, escritora, ariana, louca, extrovertida, simpática e pronta para uma comédia romântica ou uma paixão por um perseguidor, não lembra em nada a Sra. L, firme, centrada, séria e profissional, do horário comercial. Com o apoio do marido, das leitoras e das amigas que fez nesse período de escrita, LK está com duas novas histórias em mente e reservando um tempinho para concluir a Série Amores Confusos. Saiba mais sobre a autora nas redes sociais:
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Prólogo Escuto o som do meu All Star batendo no asfalto e os trovões ao longe. Não tenho certeza o que eu esperava, o que eu gostaria de ouvir. Repassei esse momento várias vezes em minha cabeça. Não era para ter sido assim. Será que vou precisar recomeçar mais uma vez? Com certeza. Terei forças para isso? Não faço ideia. As lágrimas correm livremente pelo meu rosto, não tento segurar. Aprendi que elas não são sinal de fraqueza, são sinal que tenho sentimentos e que me importo. Diminuo o ritmo frenético dos meus passos, estou ficando sem fôlego e o vento forte parece lutar contra mim. A noite está fria e as gotas geladas de chuva não ajudam em nada. — Isabel! Meu corpo congela e meu coração bate descompassado. Ele veio atrás de mim.
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Sinopse A princesinha do papai e o orgulho da mamãe. Isabel foi criada para ser uma dama. Sua mãe a ensinou tudo o que era necessário para ser uma ótima namorada, uma noiva excelente e uma esposa incomparável. Sua vida poderia ser considerada perfeita, ela tem tudo para ser feliz, mas não é. Ela é tudo o que sua mãe sempre sonhou, uma menina elegante, meiga, com uma ótima educação e com o casamento marcado com o príncipe encantado. O único problema é que esse é o sonho da sua mãe, não o dela. Faltando poucos dias para seu casamento uma pergunta não sai da sua cabeça: Pronta para casar? Com suas mãos tremendo e seu coração acelerado, sentada no aeroporto, fugindo de tudo e de todos, Isabel sabe que não está pronta. Ela ama seu noivo, sim, o ama muito, mas não ama a pessoa que ela se tornou. Isabel sabe que precisa ser forte, deixar seu noivo praticamente no altar, não foi uma decisão tomada pelo impulso, seus vinte e três anos deixaram claro que não poderia continuar sendo quem era, ou melhor, não queria continuar sendo. Ela quer escrever suas próprias linhas, sua história. Pode ser que não seja uma história tão bonita e perfeita, mas esta é a sua história. Apenas uma única coisa ela pede aos céus, que seu ex-noivo, um dia, possa voltar a fazer parte dessa história.
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Capítulo 1 Olho mais uma vez para o espelho. Meu pai tem razão, pareço uma princesa. — Você está linda, princesa — minha mãe concorda. Por que não me sinto como uma princesa? Meu vestido é perfeito. A parte de cima traz todo o glamour da renda francesa com alguns apliques de pedrarias e cristais preciosos, a larga faixa que divide a saia de cetim duchese enorme e o véu com metros e metros de tecido, dão um ar de realeza e grandeza. Meu cabelo loiro cai em ondas pelas minhas costas e uma linda tiara de cristais completa o visual princesa. Mas não me sinto uma princesa. Acredito que uma princesa se sinta completa, perfeita e realizada. Não me sinto completa e realizada, muito menos perfeita. O som do meu celular me desperta dos meus pensamentos. — É seu noivo, querida — mamãe fala, alcançando o aparelho para mim. — Oi, amor — atendo. — Olá, princesa — ele responde, parecendo feliz. — Como está indo sua prova de vestido? — Não poderia estar melhor! — Realmente não poderia, o trabalho da equipe foi impecável. — Ficou perfeito! — Você é perfeita, Isabel. Odeio quando ele fala isso. Já pedi mil vezes para o Ricardo não falar isso, não sou perfeita. NACIONAIS-ACHERON
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— Já conversamos sobre isso, Ricardo. — Tem razão, desculpa. — Sua voz é um sussurro. Sinto-me péssima. Ele sempre é muito carinhoso, delicado e gentil comigo, não gosto de ser grossa com ele. — Não liguei para discutirmos — ele continua. — Liguei para convidá-la, mais uma vez, para ir ao evento beneficente dessa noite. Sei que você falou que tem muita coisa para fazer até sábado, mas preciso muito de você comigo. — Isso não foi uma discussão, Ricardo — explico. — Desculpa se me alterei. Não acho que me alterei, minha voz continuou no mesmo tom, quem sabe um pouco chateada, mas nada que possa ser considerado como uma discussão. Mesmo assim, recebo um olhar de reprovação da minha mãe, vou levar uma bronca mais tarde. — Sobre hoje — continuo. — Dou um jeito. Se você precisa de mim, vou com certeza. Com essa afirmação, ao invés da bronca, vou levar uma estrelinha. No manual imaginário da minha mãe, a primeira regra para ser uma boa esposa é estar sempre disponível para o marido. Ricardo ainda não é meu marido, mas após um ano de noivado, e com a data do casamento marcada para menos de uma semana, as regras são aplicadas a ele também. Conheço as regras e técnicas para ser uma boa esposa desde que nasci. Fui criada para ser uma ótima namorada, uma noiva excelente e uma esposa incomparável. Ouço sobre como ser linda, dedicada e a melhor esposa do mundo minha vida toda. — Passo te buscar às oito — meu noivo completa. — Amo você. — Também te amo. NACIONAIS-ACHERON
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Desligo o telefone e alcanço para minha mãe. Preciso tirar o vestido e começar os preparativos para estar impecável para hoje à noite. — Você precisa cuidar seu tom de voz e esse temperamento explosivo, Isabel. — Achei que havia escapado da bronca. — Ricardo é muito paciente com você, mas não precisa abusar. Sua voz deve ser delicada, calma e aveludada, deve ser como um cântico dos anjos. Me dirijo para tirar o vestido. Aproveito e deixo um beijo na bochecha do meu pai. Com certeza ele irá para o escritório e não ficará para o sermão da minha mãe. — Homem não gosta de ser contrariado... — ela continua. Criei um mundo imaginário para esses momentos com minha mãe. Aprendi muito cedo que não posso discutir com ela, então apenas fico calada e a deixo falar. Não estou aqui, estou em uma praia paradisíaca, correndo pela areia branquinha e sentindo o vento no meu rosto, enquanto a voz da minha mãe não passa de um ruído para os meus ouvidos. Ou quem sabe posso estar em algum pub irlandês. Sempre quis entrar em um bar desses, nunca tive oportunidade, além do mais, minha mãe não aprovaria.
Estou terminando de me arrumar quando escuto uma leve batidinha na porta e Ricardo entra no meu quarto. — Pronta? — fala, beijando minha bochecha e verificando meu vestido. — Você está linda! — Quase. — Pego o rímel para aplicar a última camada. — Que cor está seu olho hoje? — Azul. — Você sempre fala azul! — falo, sorrindo. NACIONAIS-ACHERON
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Levanto e puxo ele para mais perto da luz. — Preciso analisar, quero colocar um brinco que combine com você. — Você combina comigo. Além de lindo, Ricardo é um gentleman! Seus cabelos são castanhos e sempre bem arrumados. Com 1,86m, ele não precisa de músculos para chamar atenção, mesmo assim, conserva um corpo bem definido. Seus olhos mudam de cor conforme a claridade do dia, a roupa que ele está usando, ou por algum outro motivo que não sei explicar. Normalmente eles são azuis intensos, mas há dias que estão mais verdes. — Azuis — constato. Pego o brinco que havia separado com safiras azuis, sento novamente em frente ao espelho e pergunto tentando manter o tom casual. — O jantar é para arrecadar fundos para qual instituição? — Não tenho certeza. — Ele dá de ombros. — Alguma coisa sobre a erradicação da poliomielite no mundo. — Não é possível enviar apenas um cheque e ir para outro lugar? — Outro lugar? — Ricardo pergunta surpreso. — É, outro lugar. Poderíamos ir para um lugar mais descontraído, divertido e jovial. Sou completamente a favor da arrecadação de fundos para ajudar causas nobres, não sou a favor de grandes eventos para isso. Muitas vezes perguntei o motivo de gastar tanto com jantares extravagantes, poderíamos apenas enviar cheques e juntar muito mais ao montante. — Você está bem? — Meu noivo pergunta. Posso ver pelo reflexo do espelho que está com uma ruga na testa. — Estou. — Tento expor minha ideia da melhor forma. — Queria me divertir NACIONAIS-ACHERON
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essa noite. Logo seremos o Sr. e Sra. Ricardo Torres Garcia, essa noite queria ser um casal jovem apaixonado se divertindo. — Sempre achei que você se divertia nesses eventos. — Ele vem até mim e segura minha mão. — Uma ótima companhia, uma comida deliciosa e uma bebida que combina muito bem com a ocasião. — Ele beija minha testa e sorri carinhosamente. — E também, Isabel, preciso manter os contatos. Alguns empresários argentinos e uruguaios estarão presentes, será uma ótima oportunidade de apresentar nossos serviços. — Você está certo — concordo. Não quero parecer uma patricinha mimada. Nunca quis ser considerada uma patricinha, também nunca quis ser mimada, ser uma patricinha mimada está fora de cogitação. Qualquer mulher iria amar ir à um evento desses. Não tem como discordar disso. Vestido Samuel Cirnansck, sapato Jimmy Choo, noivo apaixonado e lindo dirigindo um Dodge Challenger 1973 original, jantar regado a Moet & Chandon e música clássica. O que mais uma princesa poderia querer? — Prometo não ficar mais do que o necessário. — Ele segura minhas duas mãos para me ajudar a levantar. — Sua mãe falou que você anda estressada com os últimos detalhes do casamento, ela até pediu desculpas pelo ocorrido hoje pela manhã e por qualquer outro inconveniente que possa ocorrer. Minha mãe é uma mulher muito da intrometida, isso sim. Já pedi desculpa pela forma que falei com meu noivo mais cedo, ela não precisava agir como se eu fosse uma garotinha de doze anos. — Não quis ser rude — falo enquanto descemos a escada em direção à porta principal da minha casa. — Somente não gosto quando você fala que sou perfeita. Tenho muitos defeitos, logo você vai descobrir todos eles quando estivermos morando juntos. Ele abre a porta e sorri divertido. NACIONAIS-ACHERON
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— Eu te amo, Isabel, você é perfeita para mim. Penso em discordar, apenas não tenho forças para falar nada quando ele segura minha cintura e me beija com carinho. Posso não me considerar perfeita, mas nossas bocas juntas são a denominação da perfeição. — Também te amo, muito. Quando digo que o amo, quero dizer exatamente isso. Amo o Ricardo por completo. Amo seu cheiro amadeirado, sua forma de tentar sempre ajudar todo mundo. Amo como seus lábios se movem quando ele fala, como seus olhos piscam quando está nervoso. Amo o seu toque na minha pele e as sensações e reações que ele desperta em mim. Conheço o Ricardo desde sempre. Ele mora na casa ao lado da nossa e compartilhamos boa parte das nossas vidas. Nossos pais foram colegas de faculdade e são sócios da empresa que, futuramente, estará sob o comando do Ricardo e do meu irmão, Pedro. Entro no carro e deixo as lembranças me levarem para quando éramos pequenos. Todas as minhas primeiras vezes foram com o Ricardo. O primeiro dia de aula no jardim de infância. O primeiro passeio de bicicleta. O primeiro tombo que levei da bicicleta. A primeira vez que dancei com um homem, que não fosse meu pai ou meu irmão. Sorrio com a lembrança do nosso primeiro beijo. Eu usava aparelho odontológico e acabei machucando os lábios dele. Também teve a primeira, e única vez, que abri a janela do meu quarto para um menino. A primeira viagem de férias sem meus pais. Lembro que ele segurou meu cabelo para eu vomitar no primeiro dia que experimentei uma bebida alcoólica. Lembro-me da alegria que dividimos quando recebi o primeiro resultado de aprovação para a universidade. Recordo dele me tranquilizando quando fiz o primeiro teste para ter minha tão sonhada carteira de motorista, o olhar de encorajamento que recebi, foi o que me manteve NACIONAIS-ACHERON
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calma para superar meu medo de dirigir. Todos os momentos marcantes e especiais na minha vida, ele estava ao meu lado. — O que é engraçado? — Estava lembrando tudo o que passamos juntos — confesso. — Você lembra do dia que você pulou a janela do meu quarto? Ele sorri e acaricia minha mão. — Como poderia esquecer? Achei que seria nossa primeira noite juntos. — Já tínhamos dormido juntos antes. — Dormir no sofá da sala da minha casa, nas noites de natal, com nossos pais na sala de jantar, não pode ser considerada nossa primeira noite juntos. — Você tem razão — concordo. — Até porque se levarmos em consideração que tínhamos dois anos, parece meio errado. — Completamente errado! A conversa com o Ricardo sempre foi agradável e fácil, é como se eu estivesse conversando com um amigo. Na verdade, ele é meu amigo acima de tudo. Não poderia ser diferente, antes do primeiro beijo, o que ocorreu quando eu tinha onze anos, nossa amizade era o que nos mantinha unidos. — E gosto da lembrança da nossa primeira noite juntos de verdade — ele continua. — Você estava fabulosa, como uma princesa. — Algum dia você vai parar de me chamar de princesa? — Com certeza — afirma, estacionando o carro. — Sábado, após casarmos. Ele sai do carro e uma pontada de dúvida me atinge. A intenção dele é parar de me tratar bem, com respeito, com amor e como uma princesa? NACIONAIS-ACHERON
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Isso não faz sentindo, não parece o Ricardo. A porta ao meu lado abre e ele estende a mão para me ajudar a descer. — O que foi? — pergunta quando percebe minha expressão de confusão. — Após o casamento não serei mais sua princesa? Sei que não gosto de parecer tão frágil e dependente, mas ele nunca falou comigo dessa forma. — Não, você não será. — Seu sorriso ilumina seu rosto e ele deixa um beijo leve nos meus lábios. — Você passará a ser a minha rainha.
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Capítulo 2 Olho, mais uma vez, para o rosto de cada uma das minhas convidadas. A metade não conheço, eu nem sequer já as vi em algum lugar. Elas são esposas de alguém, nomes da sociedade ou filhas de figuras importantes. Estou me sentindo perdida em meu próprio chá de despedida. Não era nada disso que eu havia imaginado. Queria ir para um bar qualquer, beber algumas doses de tequila e dançar até perder a ponta dos meus dedos. Levaria comigo uma ou duas amigas que considero amigas de verdade. A sensação de querer fugir e correr para longe de tudo isso, está me sufocando. Tento aniquilá-la com todas as minhas forças, não posso perder o juízo faltando dois dias para o meu casamento. Essa vontade vai passar, ela tem que passar. Provavelmente, seja apenas nervosismo comum de précasamento, ou TPM. O que mais me apavora é que essa vontade sempre esteve aqui dentro de mim. Essa sensação de buscar liberdade me acompanha desde a minha adolescência. Sempre quis ser outra pessoa, uma mulher livre, decidida, que trabalha, que grita, que não tem medo de falar e ser considerada inadequada. Nunca quis ser essa mulher que me tornei, ou melhor, que me tornaram. Odeio ter nascido com todo meu futuro traçado, ter sido tratada como princesa e precisar me portar como princesa. Parece ridículo, mas será que eu seria menos mulher se soubesse assobiar? Se falasse alto às vezes? Ou se por ventura não estivesse vestida como uma NACIONAIS-ACHERON
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boneca todos os dias da semana e todas as horas do dia? Mulher deixa de ser mulher se solta palavrões quando está chocada, indignada, ou apenas por que parece o momento para isso? Lembro-me do dia que cheguei em casa com minha primeira, e única, calça jeans. Minha mãe nem surtou, apenas abriu seu sorriso frio e colocou no cesto para doações. Suas palavras foram as que ouvi minha vida toda: Isso não é feminino, Isabel. Não estou permitida a fazer nada, ou usar nada, que ela não considere feminino. E, oh Deus, a lista dela de feminino é recheada de pérola, renda, saia lápis, sapato de salto, maquiagem, voz aveludada e cabelo fabuloso, como ela mesma diz. — Pronta para casar, Isabel? Olho em direção à voz ao meu lado, sorrio para uma senhora que cruzei uma ou duas vezes no clube. Não faço ideia de quem seja. — Estamos com tudo organizado — falo, simpática. — Minha mãe ajudou muito. — Catarina sempre foi ótima em organizar eventos, sua mãe tem um bom gosto incrível! Seu sorriso brilhante muda para uma expressão falsa quando ela volta a falar. — Imaginei que você estava bem ocupada, percebi que não foi ao último encontro da Liga das Mulheres. — Seu tom parece de advertência. Liga das Mulheres? Aquilo está mais para Liga das Velhas Gagas. Quando digo “Velhas Gagas”, não estou me referindo à idade, mas aos pensamentos antiquados e ultrapassados. Com certeza minha bisavó, que faleceu faz mais de dez anos, iria concordar se tivesse ido comigo. Fui em uma única reunião por indicação da mãe do Ricardo, não tenho a menor intenção de continuar indo. — Organizar um casamento dá muito trabalho. NACIONAIS-ACHERON
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— Agora que você vai se tornar uma mulher casada, deve cumprir com seus deveres. — Outra voz fala atrás de mim. — Toda boa esposa deve se envolver em projetos sociais. Não fica bem, aos olhos da sociedade, você ficar em casa e não ajudar ao próximo. Quero muito acreditar que não estou ouvido essas duas, elas parecem clones da minha mãe. — Pretendo continuar os meus estudos — explico. — Estudos? Uma delas pergunta parecendo chocada. — Deve ser aquele curso de pintura em telas que a Liga está organizando, Suzana — a outra responde por mim. Minha mãe nunca me perdoaria se eu fosse rude, então opto por sorrir e me afastar. Tenho quase vinte e quatro anos, me formei em pedagogia no mês passado, imaginei continuar meus estudos e fazer minha tão almejada faculdade de engenharia química. Pedagogia nunca teria sido minha primeira opção, nem a minha décima, mas minha família insistiu que eu fizesse, eles consideram um curso mais feminino. Não gosto nem de lembrar todas as formas que usei para tentar persuadi-los que a escolha do meu futuro deveria ser minha. Como sempre, não consegui. Não foram poucas as batalhas que travei com a minha família tentando ser quem eu realmente gostaria de ser. Nunca consegui ganhar uma. Acredito que a pior foi quando consegui um trabalho como recepcionista em uma clínica médica. Estava tão empolgada com a expectativa de ganhar meu próprio dinheiro, que não previ que meu pai iria conseguir que eu fosse demitida no primeiro dia. NACIONAIS-ACHERON
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Odeio ser filha do todo poderoso Antônio Arantes. A influência que ele tem na cidade onde moramos, limita, e muito, a realização dos meus sonhos e desejos sem a aprovação dele. Caminho entre as mulheres elegantes e alienadas do mundo de verdade. Não quero ser como elas. Não quero passar meus dias no clube, ou em encontros da Liga, ou em eventos beneficentes, ou fazendo de tudo para agradar o marido. Quero ser muito mais do que isso. — Isabel. — Viro para encontrar minha mãe com seu sorriso delicado e falso. Sei que ela quer chamar minha atenção para algo que estou fazendo errado. Me aproximo o suficiente para ela falar baixo para apenas eu ouvir. — Você precisa conversar com todas as convidadas, não fica bem não agradecer os presentes que ganhou. Agradecer todos os presentes caríssimos e inúteis que ganhei? Ainda não entendo a diferença em tomar líquidos, no modo geral, em taças de cristal ou vidro. Qual é a lógica de uma pessoa gastar mais de cinco mil reais em um jogo de seis taças de vinho? Nasci em uma família com um poder aquisitivo alto, mas nem por isso fecho os olhos para o mundo que me cerca. Tenho consciência que famílias inteiras vivem com bem menos do que isso em um mês. Conversei com o Ricardo muitas vezes sobre esse problema, ele concorda que a distribuição de renda no Brasil, e no mundo, não é justa. Ele diz que podemos ajudar de alguma forma, mas sempre afirma que é para eu estar ciente que não podemos mudar o mundo. Estou sendo contraditória mais uma vez. Ao mesmo tempo que quero ajudar os necessitados, acabar com a fome e poder fazer algumas melhorias na saúde pública, estou cansada de eventos NACIONAIS-ACHERON
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beneficentes, não quero passar a tarde na Liga das Mulheres fazendo serviços sociais, quero fazer engenharia química apenas para a minha realização pessoal e quero poder falar palavrões. Conclusão, não sei quem eu sou. Não faço ideia de quem é essa mulher que me tornei. Tento fazer o que minha mãe pediu, agradecer aos presentes. Porém, as futilidades e conselhos sem noção que escuto, me fazem parar na quarta convidada e me refugiar no meu esconderijo. Trancada no armário embaixo da escada, no escuro e torcendo para que ninguém tenha me visto entrar, pego o meu celular e disco para a única pessoa que tem a capacidade de acalmar esse desejo louco que muitas vezes tenho de sair correndo. — Oi, princesa. — Olá. O que está fazendo? — Estou no clube, na minha despedida de solteiro. Seu pai está contando histórias sobre como ele e meu pai eram unidos na faculdade. — Parece divertido. Pode parecer egoísmo, mas me sinto melhor por minha despedida não ser a única entediante. — O que você me diria se eu falasse que quero aprender a assobiar? Ele ri. — Assobiar? Por que isso agora? — E sobre jogar futebol? — Futebol? De onde está vindo isso, princesa? — Posso nunca mais usar saia lápis e usar apenas calça jeans? NACIONAIS-ACHERON
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— Amo suas pernas! Elas ficam lindas nas saias que usa. — Ricardo, quero fazer engenharia. — Ok — ele diz. Um pouco de esperança cresce no meu peito. — Isabel, sua mãe falou que seria normal você parecer um pouco estressada e fora do mundo com a aproximação do casamento, mas estou começando a ficar preocupado. Não precisa fazer engenharia, você acabou de se formar em pedagogia. Vou cuidar de você, não precisa se preocupar com nada. Sei que está acostumada com os teus pais suprindo todos as tuas necessidades, vou continuar fazendo isso. Vai dar tudo certo. Percebo que o ok não foi para a minha afirmativa de fazer engenharia. — Não quero que você cuide de mim. Quero poder fazer as coisas que tenho vontade e ser feliz. — Não te faço feliz? Deus! Quero morrer. A angústia e o medo são perceptivos na voz do meu noivo. Eu o amo, não gosto de fazer ele duvidar disso. Apenas não parece suficiente em minha vida. Sou feliz quando estamos juntos, quando vejo seu sorriso iluminado, o brilho nos seus olhos e seu cheiro amadeirado, mas e quando ele não está comigo? Como ser feliz nos momentos do dia que sou apenas eu e meus pensamentos perturbados? Quando o meu desejo de estar em um laboratório desenvolvendo novos processos de transformação físico-químicas falar alto o suficiente para não me deixar em paz? Como me sentir animada dançando ballet quando tudo o que eu queria era colocar uma chuteira e correr atrás de uma bola? — Eu te amo, Ricardo. Amo cada momento que passamos juntos, cada sorriso que consigo fazer você dar. O problema sou eu. Não tenho certeza se gosto da pessoa que sou. Na verdade, nem sei quem eu sou. Não gosto das NACIONAIS-ACHERON
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roupas que visto. Odeio pérolas! Não gosto das coisas que faço para passar o tempo e, com certeza absoluta, odeio pedagogia. Ele ri. — Isabel, não tem nada errado com você. Você é perfeita! Amo tudo na mulher que você é. O surto pré-casamento está bem mais forte do que sua mãe imaginou. Faça um favor para nós, marque uma massagem relaxante. Faltam poucos dias para tudo isso acabar, logo será somente nós dois em Paris, na nossa lua de mel. Tenho que ir, meu pai está me chamando, não posso ficar ausente tanto tempo na minha própria despedida. Te amo. Desligo o telefone com mais dúvidas. Ele falou que ama a pessoa que sou? Será que o Ricardo amaria a pessoa que quero ser? Ele amaria a Isabel que quer ser engenheira e não pedagoga? A mulher que quer falar palavrões quando está frustrada, com raiva ou apenas por dizer? A garota que sonha em ir a um pub irlandês e tomar cerveja em canecas de um litro? A Isabel que gostaria de saber como é uma festa de verdade, jogar futebol, surfar ou apenas ir a um show lotado? Não pode ser apenas um surto pré-casamento, nunca me senti feliz e realizada sendo a pessoa que minha mãe quer que eu seja. O problema é que também não sei exatamente como quero ser. Parece injusto arrastar o Ricardo para esse dilema comigo, preciso descobrir como quero ser e o que me faz feliz sozinha. Preciso comandar minha própria vida e tomar minhas próprias decisões pelo menos uma vez na minha vida. Nunca vou conseguir saber o que poderia ter sido, o que poderia ser da minha vida se continuar deixando todos interferirem em minhas decisões. O problema é que não consigo fazer isso cercada com tanta proteção. Minha família não permite que eu escolha as roupas que quero vestir, que curso quero fazer, que esportes quero praticar. Nem as palavras que quero NACIONAIS-ACHERON
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que saiam da minha boca posso escolher, como vou poder tomar atitudes mais radicais? Meu celular apita e uma mensagem da minha mãe aparece na tela: As convidadas estão começando a falar da sua ausência, é melhor estar aqui em cinco segundos. Ela não pergunta o motivo da minha ausência, se estou com algum problema, alguma dor, apenas se preocupa com o que as convidadas vão pensar. Tão típico. O importante é manter uma imagem imaculada para a sociedade, não importa quanto isso custe. Ligo para a minha melhor amiga, minha madrinha de casamento e uma das poucas pessoas que entende uma fração do que é ter seus desejos e sonhos aniquilados pelos pais. — Onde você está, Isabel? — Lara, preciso de ajuda. — Sua mãe vai te matar! — Não posso voltar para a festa, não estou me sentindo bem. — Você me ouviu dizendo que sua mãe vai te matar? Ela já me perguntou umas dez vezes se sei onde você está. — Ela acabou de me enviar uma mensagem. Teria como você a distrair até eu subir as escadas e ir para o meu quarto? — Posso tentar. — Se tudo der certo, você pode me encontrar na garagem em dez minutos? — Você sabe o que está fazendo? NACIONAIS-ACHERON
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Penso antes de responder. Não faço ideia do que estou fazendo, mas sei que é necessário. — Dez minutos na garagem, por favor. — O.K.
Posso estar fazendo a pior escolha da minha vida, mas pela segunda vez, é uma escolha minha. Tento digitar, minhas mãos estão tremendo tanto que parece um exercício muito complicado e complexo acertar as letras. Imagino o rosto do Ricardo lendo minha mensagem e tento aliviar o máximo que consigo a dor que tenho certeza que irá sentir. Desculpa. Ainda te amo! A companhia aérea anuncia o início do embarque do voo. Desligo o celular, tiro o chip e enfio no fundo da mochila de academia que peguei no quarto do meu irmão para colocar as poucas coisas que estou levando. O aparelho coloco na primeira lixeira que encontro. Não faço ideia de como funciona o sistema de GPS dessas coisas, não posso arriscar. Entro no avião sem olhar para trás, sei que não teria nada ali para olhar, mas sinto como se não estivesse traindo minha decisão. Preciso ser forte, uma nova Isabel está nascendo nesse exato momento.
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Capítulo 3 Quem disse que não chove no Nordeste? Não é apenas uma chuva, está parecendo um dilúvio! O avião não fez exatamente um pouso, foi mais uma queda livre. Fazia tempo que não ficava com tanto medo de morrer. Olho para a tabela de preços dos táxis no guichê da cooperativa dos taxistas. Não faço ideia de que destino escolher. Não pensei em tudo quando coloquei umas roupas em uma mochila e comprei a passagem para o primeiro voo que havia disponível. Beira-mar, Praia do Futuro, Centro, Beach Park, Canoa Quebrada, Cumbuco... — Esse é meu destino. Olho para a voz que está bem atrás do meu ombro direito. Não tinha percebido que estava lendo em voz alta. — Sou Beto — ele fala e estende a mão. — Normalmente, os valores são mais elevados quando contratados aqui, dentro do aeroporto, mas se dividirmos o valor fica tranquilo. — Por que eu dividiria um táxi com um estranho? — pergunto, desconfiada. — Porque ouvi dizer que está um caos lá fora. Parece que a Alberto Craveiro está parada, os carros não estão conseguindo chegar até aqui. — Alberto Craveiro? — A avenida que dá acesso ao aeroporto. Você nunca esteve em Fortaleza? Sorrio com a lembrança. Minha última vez aqui, foi com o Ricardo, ficamos NACIONAIS-ACHERON
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poucos dias e eu estava tão animada e feliz que não prestei muita atenção ao meu redor. — E aí, vai para Cumbuco ou não? Essa é uma ótima pergunta: vou para Cumbuco ou não? — O que tem lá? — Um mar bom pra caralho, a calmaria de um lugar pequeno e o mais importante... — ele diz e faz uma pausa para criar um suspense. — ...Eu! Ele é divertido, isso não posso negar. — Não sei se você lá é suficiente para me fazer decidir. — Não me diga que você é uma daquelas loucas que viajam sem rumo, sem ter lugar para ficar e apenas focam na diversão e bebedeiras — ele para de falar quando percebe minha expressão. — Merda! Eu nunca iria imaginar. — Não sou essas loucas — tento negar. — Ou melhor, não era. — Você tem pelo menos onde ficar? — Na verdade não, mas... — Tem dinheiro para o táxi? Tenho algum dinheiro que juntei pela casa, apenas não sou ingênua o bastante para confessar que tenho dinheiro para um estranho que acabo de conhecer. — Depende quanto isso vai custar — explico. — Ficar em Fortaleza seria uma boa opção, se você pensa em trabalhar e fazer festa. Cumbuco é pequeno, tem muitos restaurantes e hotéis, mas nada comparado com Fortaleza. Porém em Cumbuco tenho um lugar me esperando, posso te abrigar por alguns dias, até você se organizar. NACIONAIS-ACHERON
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Penso na oferta. Ele não parece um psicopata ou tarado, mas o conheço faz menos de quinze minutos, não posso ter certeza. — Você pode ficar no sofá da sala, mas vai ter que limpar o lugar como pagamento — ele continua. — Despesas com comida, bebida e produtos de higiene pessoal são por sua conta. Estou oferecendo apenas um lugar para você dormir. Considere uma casa, não um lar. Se alguma coisa sumir de casa vou jogar você para fora, sem aviso prévio. A ideia de ele me colocar para limpar o lugar acalma um pouco o meu nervosismo. Não sou idiota, sei que ele me cobraria alguma coisa, fico feliz que ele pensou em limpeza e não sexo como forma de pagamento. — Fechado! Ele contrata o transporte e caminhamos lado a lado até o táxi. Beto não pode ser considerado um cavalheiro, ele não se oferece para me ajudar com minha mochila, não abre a porta do carro para mim e não se preocupa em ficar, a viagem inteira até Cumbuco, teclando no celular. Tão diferente com o que estou acostumada. — Chegamos — ele diz. Olho pela janela e estamos em frente a um restaurante pequeno e aconchegante. — Você mora em um restaurante? — Larga mão de ser besta. Moro em um apartamento que tem nos fundos do restaurante. Você vai gostar. Quando ele abre a porta e vejo o interior, não posso concordar com ele. Gostar não seria a palavra que eu usaria para o que vejo. Não sou muito boa em noções de espaço, mas não acredito que o lugar tenha mais área do que meu antigo quarto. A sala e cozinha são uma só, há uma porta em um canto que imagino ser o quarto do Beto, ou o banheiro. O prometido sofá é velho, pequeno e com uma manta suja que tenta esconder o NACIONAIS-ACHERON
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estado deplorável dele. — Vou tomar um banho e dormir, amanhã começo cedo no trabalho e estou acabadão. Ele abre a porta que eu havia notado e consigo ver uma cama lá dentro. Solto minha mochila em uma cadeira de plástico que tem ao lado do sofá, na verdade, a única cadeira que encontro no apartamento. Sento na minha nova cama e confirmo o que eu já suspeitava, é deplorável. — Ei, gata — Beto me chama da porta do seu quarto. — Me esqueci de avisar, o banheiro fica no meu quarto, vou deixar a porta destrancada, você pode usá-lo sempre que precisar, mas tente não fazer barulho. Não tenho tempo para responder, ele gira e volta para dentro. Tiro meus sapatos e procuro algo que posso fazer de travesseiro, não encontro nada. Opto por dormir de roupa e abraçada na minha mochila. Tinha planejado encontrar uma pousada barata ou um apartamento pequeno para ficar, mas não tenho muito dinheiro, o sofá pode ser minha melhor opção. Tento dormir, mas a imagem do Ricardo não sai da minha cabeça. Não quero que ele sofra, que ele fique triste, ou se preocupe comigo, o problema é que sei que isso será inevitável. Meu coração se aperta. A última coisa que eu queria era trazer tristeza para alguém que sempre me trouxe alegrias. Meus olhos ardem com as lágrimas que teimam em querer sair. Por força do hábito, engulo o choro. Minha mãe nunca iria admitir um sinal de fraqueza tão grande. Homens odeiam mulheres chorosas, Isabel, isso não os agrada. Mantenha o sorriso mais meigo que você possa dar. Mesmo tão distante, as palavras dela continuam retumbando em minha mente. Preciso fazer meu cérebro entender que não sou mais um fantoche nas mãos da minha mãe. Levo um sobressalto com um barulho ensurdecedor. Dou um pulo e estou de NACIONAIS-ACHERON
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pé no meio da sala. — Foi mal aí, gata — Beto fala, parecendo pouco sentindo. — Tô indo surfar. — Que horas são? — Seis. Parece que apenas fechei os olhos. — Posso ir junto? — Você surfa? — Não, mas queria aprender. Ele me olha com cara de tédio. — Não dou aulas. Leve seu tempo para trocar de roupa. A gente se encontra lá, é só ir reto até o mar e caminhar para a esquerda, você vai ver a galera. Espero ele sair e procuro uma roupa apropriada para vestir. Trouxe um biquíni, mas não tenho nada para colocar com ele. Nada de saídas de banho, shorts ou vestidos leves. Entro no quarto do Beto e procuro por uma camiseta. Ele falou que se algo sumisse ele iria me expulsar, mas pretendo devolver a camiseta que encontro no seu armário. Tomo um banho rápido, escovo os dentes e faço um rabo de cavalo desleixado. Olho para o espelho e fico imaginando o que minha mãe diria se me visse agora, sem maquiagem, sem cabelo escovado e usando uma camiseta enorme. Não é difícil encontrar a galera que o Beto falou. O grupo é enorme, deve ter mais de vinte surfistas contando os que já estão na água. — Olá — digo quando me aproximo. — Beto me convidou. — E aí, gata? — Um cara de uns quarenta anos fala levantando da areia. — NACIONAIS-ACHERON
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Vou para o mar, pode ficar à vontade. Olho para os outros e ganho apenas um gesto de cabeça como cumprimento. Eles são estranhos. A maioria está sentado em um silêncio absoluto olhando para o mar, alguns estão deitados na areia com os olhos fechados e parecem dormir. — Puta merda! — um deles grita. — Preciso entrar, não posso perder essas ondas. — Não entraria se fosse você — outro discorda. — O caralho que não vou entrar. Eles falam palavrões como se estivessem falando adjetivos. Sento e começo a observar os que já estão na água. O som do mar me acalma e os raios do sol parecem recarregar minhas energias, esse lugar é deslumbrante. Agora entendo o silêncio dos outros, não sinto vontade de falar, apenas sentir a energia. Observo eles irem e virem do mar, suas braçadas, suas manobras e seus tombos. É muito divertido, um espetáculo. — Confortável na minha camiseta? — Beto pergunta quando sai do mar. — Desculpa por isso, não tenho muitas roupas. — Sem problemas, mas você vai lavar e passar antes de devolver. — Ela não estava passada quando peguei. Ele dá de ombros e começa a tirar a camiseta que estava usando para surfar. Não tinha observando como Beto é bonito. Ele tem cabelos pretos ondulados que chegam até quase seus ombros, olhos negros, barba por fazer e um corpo digno de capa de revista. NACIONAIS-ACHERON
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— Vou dar um mergulho e depois nós vamos. Observo todos os caras fazerem a mesma coisa. Eles saem da água, tiram a camiseta grossa usada para surfe e voltam para um mergulho. Para minha surpresa todos caminham em direção ao restaurante juntos, a conversa deles gira em torno das ondas que conseguiram pegar e do futebol do final da tarde. Sinto-me em outro mundo, eles surfam, jogam futebol, falam palavrões e falam alto o bastante para que sejam ouvidos por vários metros. Tudo o que minha mãe reprovaria. Beto passa em casa para tomar um banho antes de ir ao trabalho e aproveita para me dar instruções de toda a limpeza que devo fazer no lugar. Estou achando que ele está abusando. — Preciso fazer tudo isso hoje? — Claro que não, tá doida? Isso é uma casa, não um centro cirúrgico esterilizado. Ele abre um sorriso enorme, estava ficando preocupada que seu senso de humor tivesse desaparecido. — Tudo bem, vou fazer o possível. — A gente se vê, gata. Ele sai com uma bermuda, uma camiseta e chinelos havaianas. Não sei onde ele trabalha e quanto ganha, mas seria um sonho poder ir vestida assim para o “escritório". Começo a organização e limpeza, não é tão ruim como imaginei. A geladeira tem umas coisas meio estragadas e o banheiro parece meio encardido, o resto é apenas areia e bagunça. Nunca limpei uma casa em minha vida, faço as tarefas mais por instinto — no erro e acerto — e tentando não machucar tanto minha mão. Não imaginei que um cabo de vassoura e um pano poderiam agredir tanto minha pele. NACIONAIS-ACHERON
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Quando percebo, é fim da tarde. Não quero perder o jogo de futebol. Tomo um banho e coloco o mesmo modelito da manhã, meu biquíni e outra camiseta do Beto. Encontro todos no mesmo lugar, com a diferença que nesse horário eles são mais barulhentos. Dois cocos de cada lado, de um campo imaginário, marcam o gol, uma bola, que já viu dias melhores, é chutada de um lado para o outro sem muita habilidade, mas as gargalhadas e gritos são contagiantes. — Posso jogar? — Pergunto para um rapaz magro que imagino ser o goleiro. — Claro, é só escolher um time. Sem camisa ou com camisa. — Com camisa — digo, antes de entrar no campo. Não faço ideia do que devo fazer. Corro para um lado e para outro, até que passam a bola para mim, tento chutar e erro o pé da bola. Fico muito constrangida e vermelha, ninguém parece se importar. O importante para eles é a diversão. Pouco depois recebo a bola novamente e dessa vez Beto vem para tirá-la de mim, caio de bunda no chão, isso dói. — Está tudo bem, gata? — pergunta e estende a mão para me ajudar a levantar. — Sim, meu bumbum está doendo um pouco. — Você vai acostumar. O jogo se estende noite adentro, uns saem do jogo, outros entram, os que saíram voltam depois de um tempo. Não sei quantos jogadores tem de cada lado e qual é o placar, isso não parece importante. Estou sentada na beira do campo tomando uma água, nunca joguei futebol, estou com tudo doendo, inclusive meu bumbum. — Desistiu? — Beto pergunta quando senta ao meu lado. — Estou cansada. — Ofereço a água para ele. — Nunca havia jogado, é NACIONAIS-ACHERON
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divertido. — Achei que não. — Ele sorri, mostrando que não enganei ninguém com minhas péssimas jogadas. — Hoje é sexta, vai sair para a balada. Se hoje é sexta-feira, amanhã é sábado. Dia do meu casamento. Meus olhos ardem e minha garganta dói com a força que faço para segurar o choro. Nunca imaginei não casar com o Ricardo, esse não era o plano. Sempre desejei ser outra pessoa, uma pessoa livre, contudo a liberdade que sempre desejei foi da vida insossa que levava, nunca planejei me ver livre do Ricardo. — Estou cansada, vou dormir. — Trabalho amanhã, também não vou sair. Podemos comer alguma coisa no restaurante lá de casa, a comida é bem caseira e a proprietária faz um preço especial pra mim. Concordo com ele, não comi praticamente nada durante o dia, estou com muita fome. Nunca imaginei que faxinar e jogar futebol dariam tanta fome. Levantamos e caminhamos em silêncio até o restaurante, Beto pede comida para levar. Ele fala para a proprietária que agora tem alguém para lavar a louça, então não precisa se preocupar com jantar em casa. — Se você continuar escravizando a menina desse jeito, ela vai te largar rapidinho. Esposa não foi feita apenas para limpar sua sujeira, Beto! O comentário simples da cozinheira Aparecida, ou Cida, como ela prefere, me afeta de um jeito estranho. Dou um sorriso forçado e praticamente corro para casa. Se o Beto percebeu alguma coisa, optou por não falar nada. Sentamos no sofá com os pratos na mão para comer, só temos uma cadeira e nenhuma mesa. O silêncio é estranho e absoluto. NACIONAIS-ACHERON
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Quando termino minha comida, peço para tomar um banho antes de ele dormir e me escondo no chuveiro. O sorriso do Ricardo invade meus pensamentos, sua gargalhada contida, seu toque na minha pele, seu cheiro tão característico... Escuto uma leve batida na porta. — Gata, quer dar uma volta? — Uma volta? — pergunto assustada. — É. Podemos tomar uma cerveja, sei lá. A noite está bonita pra caralho lá fora. Posso te emprestar outra camiseta. Sorrio com a dinâmica do convite. Ele acabou de me convidar para sair sem antecedência? Através de uma porta? Falando que posso usar uma camiseta? Sem tempo para fazer mão, pé e maquiagem? Sem condições de tentar combinar alguma sandália, de alguma marca famosa, com a camiseta dele? E ainda falou em tomar uma cerveja? Não posso negar um convite desses, quem sabe ele até me ensine a assobiar no final da noite. — Saio em um minuto.
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Capítulo 4 Cumbuco é pequeno, parece uma vila de pescadores desenvolvida. Na verdade, acho que é isso mesmo que ela é. Têm muitos restaurantes, bares e lojinhas com produtos regionais abertas até mais tarde para os turistas. Caminhamos entre uma rua e outra sem falar nada, apenas caminhamos. Vejo uma loja com chinelos Havaianas, corro como uma criança. Sempre quis ter um. — Preciso de um desses! — De um chinelo? — SIM! Sempre quis ter um! — Você não tem um chinelo de dedo? Beto deve estar achando que sou algum E.T.. Não sei como justificar que tenho chinelos de dedo, mas eles não são Havaianas. Como explicar que minha mãe não considera eles femininos o suficiente? Todo mundo, no mundo inteiro, tem ou quer ter um chinelo Havaianas, minha mãe acha muito popular para uma princesa como eu. — É difícil explicar — falo, escolhendo o mais chamativo. Cansei de roupas em tom pastel e nude. — Meu Deus! Olha esse que lindo! É xadrez! E esse de bolinhas, não é lindo? Não espero ele responder, separo os dois. Nunca fiquei tão feliz na minha vida escolhendo sapatos Jimmy Choo, Miu Miu, Roger Vivier, Gianvito Rossi ou qualquer outro considerado apropriado para mim. — Você foi rápida. Normalmente as mulheres são tão indecisas. — Beto comenta quando sentamos em uma mesa de plástico em um bar qualquer. — Vai querer cerveja? NACIONAIS-ACHERON
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— Eles têm aquelas canecas de cerveja de um litro? — Que porra é essa? Claro que não. Eles vendem em garrafa e servem em copo americano. Não sei o que quer dizer copo americano, mas isso vai ter que servir. O bar não tem garçom, temos que ir até o balcão buscar o pedido. Quando vejo o copo começo a rir, isso não pode ser americano, com certeza americanos não bebem nesse tipo de copo. Estava em dúvida se o convite do Beto para dar uma volta era tipo um encontro. Em menos de meia hora, decido que isso não pode ser um encontro. Saímos a pé, ele não puxa a cadeira para eu sentar, não paga a conta sozinho e arrota, sem cerimônias, após tomar a segunda cerveja. — Tá se sentindo melhor? — Ele pergunta. Fico assustada, não imaginei que ele havia percebido que não estava bem. — Um pouco — confesso. — Devo alertá-lo que amanhã não será um bom dia. — Posso ajudar com isso, se quiser. A limpeza lá de casa ficou boa pra caralho, não quero perder minha faxineira. Você trocou meus lençóis! Sorrio com a parte da troca de lençóis. — Os que estavam na cama estavam criando vida própria. — Estavam mesmo. Vale o esforço em tentar ajudar. — Desculpa, não quero desapontá-lo, mas acredito que você não conseguirá me ajudar. — Posso tentar. Com o que estou lidando? Penso em dizer para ele deixar para lá. Nada vai diminuir a triste e a dor que vou sentir no horário que seria para eu estar entrando na igreja para aceitar o Ricardo como meu marido. Por outro lado, se decidi que quero ser uma NACIONAIS-ACHERON
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pessoa diferente, preciso fazer coisas diferentes. — Quero aprender a assobiar, ir à um pub estilo irlandês, com música folk e cervejas em canecas de um litro. Quero dançar até perder a ponta dos meus dedos, quero comer um hambúrguer cheio de gordura. Quero fazer tudo isso, usando uma calça jeans e um All Star. — Não era isso que eu imaginava ouvir. Sei que ele esperava que eu contasse o motivo de amanhã não ser um bom dia, mas não quero falar sobre isso com ele, nem com ninguém. Ele analisa meu rosto e seu sorriso acaba aparecendo no final. — Fechado! Chego do trabalho às duas da tarde. Ficamos no bar por mais algum tempo e voltamos para casa pela areia da praia. Beto tinha razão, a noite está linda! Mesmo tendo tomado algumas cervejas, ter dormido pouco na noite anterior e ter me movimentado muito durante o dia, meu sono não vem. Levanto duas vezes para ir ao banheiro e o desconforto do sofá me irrita. A única coisa em que consigo pensar é no Ricardo. Será que ele está triste? Preocupado? Será que um dia ele vai conseguir me perdoar? Sinto saudades dele, dos seus olhos brilhantes, do seu jeito calmo de falar. Sinto falta dele. Vejo os primeiros raios de sol, entrando pela pequena janela da cozinha antes de finalmente cair no sono. Acordo com a porta sendo triturada contra a parede. Beto chega do trabalho e entra em casa como um hipopótamo de patins entraria em uma loja de cristais. — Foi mal — ele diz quando vê que eu ainda estava dormindo. — Achei que estaria pronta para a gente sair. — Vamos sair agora? — Vou tomar um banho antes. NACIONAIS-ACHERON
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Ele vai para o quarto e começo a pensar que roupa vou vestir. Não tenho calça jeans e muito menos um All Star, nunca usei tênis. As roupas que eu trouxe comigo não servem para nada. Onde vou usar saias lápis, camisas de seda, vestidos de linho e blusa de cashmere? Ontem para sair com Beto, coloquei uma saia com uma camiseta dele, até que não ficou tão ruim, mas não posso ficar usando as camisetas que pego emprestada para sempre. Confiro o dinheiro que tenho, a soma é um pouco menos que dois mil reais, mas tenho que pensar que preciso comer e ter uma reserva, caso o Beto canse de mim na casa dele, e roupas são caras. — Ainda está sentada aí? Me assusto com a voz do Beto. Tento esconder o dinheiro e ele revira os olhos. — Não vou roubar sua grana, se é isso que está pensando — diz, indo até a geladeira. — Se eu quisesse já teria pego. Faz sentindo. — Preciso comprar roupas para sair hoje. — Quanto quer gastar? — O mínimo possível. — Dou um jeito nisso. Agora toma um banho e coloca outra camiseta minha. Ele é estranho, fechado e não sorri sempre. Às vezes parece que ele não gosta da minha presença na casa, nem de emprestar suas roupas, mas aí ele vai lá e oferece. — Pega uma que não esteja passada, assim vou ter mais camisetas limpas e passadas. Ele não é estranho, ele é muito estranho. NACIONAIS-ACHERON
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— Não sei se vou conseguir comer tudo isso — falo quando meu pedido chega. — É o maior hambúrguer que já vi, ainda tem as batatas fritas e os anéis de cebola. Ele não responde. Estamos sentados em um bar perto do Dragão do Mar, na Praia de Iracema em Fortaleza. Dragão do Mar é um centro cultural e de arte. Conheci o lugar com o Ricardo, por isso pedi para não sentarmos nos bares que tem no local. Definitivamente, não é um bom dia para lembrar as horas que passei aqui com a pessoa com quem eu deveria estar casando hoje. Beto me trouxe para fazer compras em uma loja de uma amiga dele. São roupas de segunda mão com um valor inacreditável. Comprei uma calça jeans, um All Star, várias camisetas, dois shorts e dois vestidos leves por menos de trezentos reais. O meu antigo chinelo de dedo, sozinho, custou mais do que tudo isso. — O gosto disso é ótimo, muito melhor do que eu imaginava. — Você nunca comeu um hambúrguer? Dessa vez, quem não responde sou eu. Como explicar que minha mãe não aceitaria eu comer uma bomba gordurosa como essa? Eu sei, soa estranho, tenho idade suficiente para escolher minha comida, mas sempre tive que escolher quais seriam minhas batalhas, comparado com o meu futuro, um hambúrguer não parecia algo importante. Beto faz um movimento para a garçonete e uma caneca gigantesca de cerveja surge na minha frente. — Oh Deus! Era disso que eu estava falando! Preciso segurar com as duas mãos a caneca, bebo com tanta vontade que me engasgo um pouco. NACIONAIS-ACHERON
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— Desculpa — falo, quando consigo parar de tossir. — Você não vai beber? Ele está sentado na minha frente apenas me observando. Não comeu nada, não bebeu nada, não falou muito e frequentemente mexe no celular. — Estou dirigindo. — Ele olha para os dois lados, coça a cabeça e faz um coque frouxo nos cabelos. — Ainda quer dançar até perder a ponto dos dedos? — Com certeza! — Só dançar? Apenas diversão? — Sim, apenas diversão. — Vou te levar ao melhor lugar para isso. Tente manter a mente aberta, gata. Termino de beber toda a cerveja e sinto um leve formigamento no corpo, não estou acostumada a beber tanto. Vamos caminhando até o lugar que o Beto quer me levar. A boate parece animada e um pouco chique demais. Estou usando uma calça jeans, camiseta e os tênis que comprei mais cedo, nunca fui vestida assim para uma boate. Já estive em boates, mas sempre impecavelmente vestida, maquiada e com um camarote reservado. Beto não parece o tipo de cara que reserva uma área privativa. — Não estou muito malvestida? — Antes você queria vestir isso, agora está preocupada — resmunga. — Ninguém vai se preocupar com o que está vestindo. O lugar é fabuloso. Lustres com cristais gigantescos pendem do teto, há muito brilho, luzes e animação. Todos estão dançando e ninguém parece preocupado com o que estou vestindo. Beto tinha razão, aqui o importante não são as roupas. — Vou comprar uma cerveja para você, te encontro na pista — Beto diz. NACIONAIS-ACHERON
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A pista está lotada, corpos se movimentam, se encostam e se misturam. É fascinante. A música que está tocando pulsa junto com meu coração e os corpos me empurram para um lado e outro, a sensação é extasiante. Nunca estive numa pista, junto com todos. Quando fui a boates, ficava apenas na área vip com os amigos do Ricardo. Eles sempre falavam como era horrível sentir as pessoas suadas encostando umas nas outras. Não estou achando horrível. É contagiante! Vibrante! Feliz! Não sei como dançar. Observo um pouco as pessoas ao meu redor, depois esqueço isso. Fecho os olhos e deixo fluir. Deixo o som penetrar em minha pele, em meu corpo, em minha alma. Não sei quanto tempo passa até o Beto me entregar uma cerveja e eu tomar a metade. Estou suada, com sede e realizada. Parece uma coisa tão simples a ser feita, mas para mim é libertador. Tudo o que estou fazendo é como se estivesse marcando uma nova fase da minha vida, um recomeço. — Vou estar no bar — grita no meu ouvido. — Fique à vontade. Quando estiver sem as pontas dos dedos, vamos para casa. Bebo o restante da cerveja, entrego a garrafa para ele e volto a dançar. Não sei quanto tempo passa, até o Beto me trazer outra cerveja, isso se repete até as luzes se apagarem e gritos ensurdecedores começarem. — Está tudo bem, o show vai começar. — Beto fala e me puxa para um lado. Luzes iluminam o palco e homens lindos, musculosos e vestidos com muito couro, surgem. Eles dançam, rebolam e atiçam o público. Homens e mulheres enlouquecem na plateia. Quando eles começam a tirar peça por peça, entendo onde estou. — VOCÊ ME TROUXE PARA UMA CASA DE STRIP-TEASE? — Não seja besta. Eu te trouxe na melhor casa LGBT de strip-tease. — LGBT? NACIONAIS-ACHERON
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Ele tampa minha boca com sua mão. — Olha o que você vai falar, podemos ser expulsos. — Você é gay? Ele revira os olhos e solta uma gargalhada. — Claro que não. — E por que me trouxe aqui? — Você queria apenas dançar, achei que seria melhor uma boate como essa. Nenhum homem iria ficar te assediando. — Preciso de outra cerveja! De outra cerveja, ou algo mais forte, penso. Nunca tive preconceito com homossexuais, mas também nunca estive tão perto de um. Minha mãe iria enlouquecer se soubesse onde estou. Beto sai em busca de outra cerveja e começo a prestar atenção no show. Tento manter a mente aberta como ele havia pedido. Os movimentos são sensuais, sincronizados e bem estudados. Nada parece vulgar, ou de mau gosto. Nunca imaginei que iria pensar dessa forma, mas é um belo espetáculo. Um belo espetáculo gay! Não tenho certeza de quantas cervejas tomo e de quanto tempo ficamos no lugar. Estou amando cada minuto do show, me sinto Priscila, a Rainha do Deserto. Quando, finalmente, Beto consegue me convencer de ir embora, o sol está começando o seu espetáculo. — O que está faltando fazer da sua lista? — Aprender a assobiar. — Está muito bêbada para isso, vai se babar toda. NACIONAIS-ACHERON
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— Amanhã aprendo. Obrigada por essa noite, foi interessante. Na verdade, foi sensacional! Nunca vi um show tão espetacular como o de hoje. As luzes, os movimentos, a pulsação da música, a plateia... — Sabe dançar? — Ballet. Ele ri. — Eu deveria ter imaginado. — O que quer dizer com isso? — Nada, apenas entre no carro. Está muito bêbada para ter uma conversa normal. Ele fica falando o tempo todo que estou muito bêbada para isso, muito bêbada para aquilo. Beto pode ter razão, me sinto extasiada, em outro mundo, porém não é apenas pela bebida. Entro no carro e uma tristeza me atinge. A noite foi uma das coisas mais divertidas que já fiz, queria que fosse o Ricardo ao meu lado, não um cara que mal conheço. As lágrimas começam a acumular nos meus olhos, respiro fundo e forço para que elas voltem para o lugar de onde nunca deveriam querer sair. Esse não é o momento de ser fraca, preciso mostrar toda minha força, estar pronta para as consequências da minha decisão. Mas não posso negar, daria qualquer coisa para poder ouvir a voz do Ricardo agora, sentir o calor do seu abraço, sentir seus dedos carinhosos deslizando entre meus cabelos, sua respiração contra minha pele. — Poderia me emprestar o teu celular? — pergunto. — Não. — Prometo não demorar muito. NACIONAIS-ACHERON
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— Não. — É rapidinho. Beto nem se dá ao trabalho de responder. Quem sabe seja melhor assim, não sei as bobagens que iria falar, ou fazer, se ouvisse a voz do Ricardo. Quando desisto da ligação e estou quase dormindo no nosso caminho de retorno para casa, a voz fria e calma do Beto me desperta. — Podemos fazer uma troca. Meus olhos abrem tanto que tenho medo de nunca mais conseguir fechar. — Que tipo de troca? — Você quer o celular, quero algo em troca. Fico preocupada com o que ele vai pedir, mas a vontade de ouvir a voz do Ricardo, fala mais alto. — O que você quer? — Uma longa e boa noite de cama.
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Capítulo 5 Acordo e sinto cheiro de café. Rolo para o lado e forço meus olhos a abrirem. Esse não é o quarto da casa dos meus pais. Esse não é o sofá da casa do Beto. Sento na cama. Com certeza esse é o quarto do Beto. Oh, Deus! Lembranças dançam na minha cabeça. Como vou fingir que a noite passada não existiu? Arrasto meu corpo até o banheiro, tiro a camiseta que estou usando e fico parada embaixo da água do chuveiro. Como vou explicar a noite passada para o Beto? Com certeza ele vai querer uma explicação. Penso com calma, não consigo achar uma boa saída. Nada do que eu fale, ou faça, vai fazer com que a nossa quase amizade volte para a etapa antes dessa noite. Penso em mil desculpas, em mil histórias loucas, em fingir que nada aconteceu, mas não sou assim, nunca fui e não vou conseguir ser agora. Ser honesta parece minha melhor saída. Espero que seja suficiente, pois se quero ser dona do meu nariz e comandar a minha vida, tenho que aprender a conviver com minhas decisões e atitudes. Sou uma mulher adulta, forte e independente, ou pelo menos estou tentando ser. Coloco a mesma camiseta e vou para a sala. NACIONAIS-ACHERON
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— Quem é você? Esperava encontrar o Beto na nossa cozinha, encontro um cara completamente diferente. Ele está colocando o café que passou em uma térmica. — Bom dia, gata! Dormiu bem? Fiz café. Ele continua se movimentando como se a casa fosse dele. — Quem é você? — repito. — Agulha — diz, como se explicasse tudo. Ele percebe que não faço ideia do que é agulha e bufa. — O goleiro. — Goleiro? — Você perguntou se poderia jogar, falei que era para escolher o time. Sem camisa ou com camisa. Sabia que ele parecia conhecido, mas não explica o que ele está fazendo aqui. — Beto não é muito bom para essas situações — continua e serve duas canecas de café. — O covarde chamou reforço. Passar por essa manhã sozinha seria constrangedor o suficiente, para piorar, tenho que passar pela situação tendo plateia para assistir. Agulha estende a caneca de café para mim e faz gesto para sentarmos no sofá. Vejo um celular em cima da cadeira ao meu lado, posso ler as poucas palavras que tem no bilhete. “Se ainda estiver interessada, pode usar”. — Vai usar? — Como? — pergunto. — O celular. Vai usar? NACIONAIS-ACHERON
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Viro para olhar para o Agulha, ele parece ansioso com minha resposta, volto a olhar para o celular. — Ainda não sei. — Adquiriu o direito de uso. Beto me contou. — Não respondo nada, fico observando o aparelho tão perto do meu alcance. — É sempre tão lerda assim quando acorda? — Deve ser o álcool — justifico. — Pode ser. Fiquei sabendo que sabe dançar ballet. O que mais Beto contou para ele? — Danço desde os meus três anos. — É ano pra caralho! — Sorrio com sua constatação. — Gosta de dançar? — Não gostava até ontem. — Gostou do show de ontem? — Deus! Beto está saindo um belo de um linguarudo. — Vi você na plateia ontem, parecia estar se divertindo. — Estava no show ontem? Não lembro de o ter visto por lá. — Eu sou o show! É claro que ele é! Agora reconheço o sorriso. Ele fez uma entrada triunfal na metade do espetáculo. Alguns homens seminus, fortes e musculosos passaram entre o público carregando uma enorme e dourada poltrona, nela havia um homem vestido apenas com um pequeno tapa sexo e muita tinta na pele. O corpo magro e desenhado com certeza era do Agulha. — Você dança muito bem. Não o reconheci de roupa. — Muito engraçada. NACIONAIS-ACHERON
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Ficamos em silêncio por vários minutos bebericando o café. Beto não tinha o direito de expor minha privacidade assim. Ele é meu único amigo nessa nova fase e é ruim saber que não posso confiar nele. — E agora, já decidiu se vai usar o celular ou não? — Que diferença isso faz? O que vai mudar na sua vida? — Tenho uma proposta para você. Tenho até medo de ouvir o que ele vai falar, mas o máximo que vai acontecer é eu ouvir a pior proposta da minha vida e dizer não. — Sou toda ouvidos! — Escuto minha boca falando.
Encontro o pessoal para o futebol no fim de tarde. Dessa vez não pergunto se posso jogar, tiro meus chinelos e começo a correr atrás da bola. Preciso descarregar toda a adrenalina que sinto no meu corpo por ter aceito a proposta do Agulha. Espero ter tomado a decisão certa. — Oi, gata — Beto diz, quando tento tirar a bola dele. — Tudo bem? Ele parece tão constrangido quanto eu. Alguns jogadores pegam a bola e chutam para o outro lado, ninguém parece se importar com a nossa conversa. — Tudo. Aceitei a proposta. — Tô sabendo. Vai ser bom pra caralho. — É, vai ser bom pra caralho. Minha voz vai sumindo na medida que minha mente percebe que vou dizer um palavrão. Achei que seria mais libertador falar palavrões, na verdade, é como uma palavra qualquer. NACIONAIS-ACHERON
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— Pode dormir na cama hoje — Beto fala. — Não vou pra casa depois do jogo. Fico sem saber o que dizer. Balanço a cabeça, olho para os lados e volto para o jogo. Acabo parando de jogar mais cedo do que gostaria. Quero estar descansada para o horário que combinei com Agulha, e também ficou um clima meio estranho entre mim e o Beto. Tomo um banho e deito no sofá, por mais tentadora que seja a cama, não quero repetir o mesmo erro. Pouco consigo dormir, estou muito ansiosa. Chego a abrir a porta antes do Agulha bater no fim da manhã de segunda-feira. — Bom dia, gata! Tá pronta? — Vamos logo antes que eu desista. Fizemos o caminho em silêncio. Os pensamentos dentro da minha cabeça me enlouquecem. O que minha mãe iria achar disso tudo? E o Ricardo? Com certeza o Ricardo iria achar que estou surtada. Minha mãe iria me deserdar e meu irmão daria muita risada da minha cara. — Vai ser divertido, você vai ver. — Tomara. Chegamos ao clube e parece outro lugar. O espaço todo iluminado pelo sol do meio-dia, com cadeiras erguidas, caras entrando e saindo com caixas nos ombros e mulheres lavando o chão, não lembra em nada a boate glamorosa do sábado à noite. — Vamos ensaiar no palco. Não se preocupe com o olhar de todos, eles olham apenas para matar tempo no trabalho. Quando chegamos ao palco, duas mulheres estão saindo. Elas não nos cumprimentam e fazem cara de desprezo para mim. NACIONAIS-ACHERON
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Ontem, quando Agulha fez a proposta de eu participar do espetáculo na boate, deixou claro que as outras dançarinas iriam me odiar. As mulheres e os homens têm um tipo de competição entre eles. Os dias dos shows são distintos e nunca conseguiram juntar os espetáculos por causa da rivalidade. Esse foi o motivo dele fazer o convite para mim, uma pessoa completamente desconhecida e sem vínculo nenhum. Ele sempre sonhou em ter uma mulher no número que apresenta, nunca teve a chance. Eu sou sua chance. — Vamos aproveitar alguns passos de ballet para fazer um número novo. Quero usar a delicadeza dos teus movimentos em contraste com a dança de rua e a batida forte da música que escolhi. A mistura vai ficar boa pra caralho. Passamos a tarde criando e aperfeiçoando movimentos. Estamos quase no final da criação da coreografia da segunda música quando temos que encerrar os trabalhos. O horário de ensaio na boate é limitado em quatro horas, por grupo de dança, por dia. Meu corpo está dolorido com a volta aos movimentos extremos do ballet e os jogos de futebol que estou participando, o que não impede de eu continuar a criar quando chego a casa. Estou ansiosa e fascinada com a oportunidade que estou tendo. Odiava as aulas de ballet, mas o que estamos criando no espetáculo, é completamente diferente. Se eu soubesse que poderia aproveitar as aulas em algo tão dinâmico, explosivo e sensual como o espetáculo em uma boate LGBT, teria visto as aulas com outros olhos. Passo a semana indo ensaiar na boate com Agulha. Ele quer fazer a primeira apresentação no início do próximo mês, o que não nos dá muito tempo para ensaios. Minha vida tomou um rumo completamente diferente do que imaginei, porém estou achando muito divertido. Consigo não ficar pensando no Ricardo o dia todo. Penso apenas nas horas antes de eu desmaiar de sono. Sua imagem invade minha cabeça e a saudade é quase insuportável. Meu coração aperta e meu peito dói. Não tenho falado muito com Beto nos últimos dias. Nos vemos no jogo de NACIONAIS-ACHERON
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futebol do final da tarde, que faço questão de continuar indo quando posso, o que está ficando cada vez mais raro, e às vezes nos desejamos boa noite antes de dormir. Estou começado a achar que devo procurar um novo lugar para ficar, o problema é que só vou começar a receber pelos shows quando começar a fazer os shows. Até lá, não posso desperdiçar uma casa de graça. Em um dia qualquer, acordo no meio da noite com uma sensação estranha. Com a sensação de que estou sendo observada, viro com o maior cuidado para o lugar que imagino que tem alguém e sou surpreendida com um Beto, bêbado, sentado na cadeira me olhando. — Por que você fez isso? — pergunta. — Fiz o quê? — Só queria entender. Ele levanta e vai para o quarto. Fico sem entender nada. Na manhã seguinte, resolvo perguntar para o Agulha. — Ontem o Beto perguntou por que eu fiz isso, sabe de que isso ele estava falando? — Sei. Espero ele completar, mas a resposta é apenas “sei”. Me afundo cada vez mais nos ensaios. Estou amando todo o clima sexy e erótico que cerca o show. Fui assistir várias vezes os shows do Agulha, está sendo uma experiência incrível. Aproveito ao máximo meus momentos na boate. Danço, tento conhecer o maior número de pessoas possíveis e me divirto, me divirto muito. Criei um vínculo muito bom com Agulha, por falar nele, odeio esse apelido! Um homem tão sensual, bonito e cheio de charme não deveria ser chamado de Agulha. Perguntei o nome dele algumas vezes, o máximo que consegui foi NACIONAIS-ACHERON
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um revirar de olhos. Fora a parte do nome, temos uma sincronia muito boa. A maior parte do show que criamos, nossos corpos estão envoltos a uma atmosfera de tensão sexual, luxúria e entrega. Nossos movimentos nos fazem parecer uma só pessoa, como se o Agulha se fundisse a mim. Ao total somos em doze dançarinos, somente eu de mulher, porém, por incrível que pareça, não me sinto deslocada. Eles tratam o meu corpo com reverência, como se eu ter nascido mulher era tudo o que eles mais queriam. Pensando bem, acho que é exatamente isso. Nunca perguntei a preferência sexual deles, mas já flagrei alguns flertando com homens nas noites que estou na boate. Chego a casa no último dia de ensaio e escuto Beto se movimentando no quarto. Preciso conversar com ele, quero que ele vá assistir ao nosso show amanhã, é a estreia e ele e a Cida são meus únicos amigos de verdade. — Beto? — Tô indo! Sento no sofá e espero por um longo tempo até ele aparecer. — É para você. — Tomo um susto com o presente que está sendo empurrado no meu rosto. — Queria ser o primeiro a desejar boa sorte. — Você sabe da estreia? — Claro. — Pego o embrulho e ele senta ao meu lado. — Não tinha certeza do que te dar. — Não importa o que você comprou, significa muito estar me apoiando. — Apoiar não seria uma boa definição, mas não quero conversar agora. Abra! Desenrolo o embrulho com cuidado. Encontro um travesseiro enorme, fofo e novinho! Melhor presente de todos! — Melhor presente de todos! — falo e me atiro nos braços do Beto. — NACIONAIS-ACHERON
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Obrigada! — O outro embrulho, gostaria que guardasse e abrisse apenas quando eu falar que é para abrir. Olho desconfiada para o pacote que tinha dentro do meu presente, parece um livro. — O que é? — Se fosse para você saber, diria para abrir, gata! — Tudo bem. — Guardo dentro da minha mochila. — Você vai amanhã? — Não perderia sua estreia em um espetáculo gay por nada desse mundo, caralho! Sorrio com a animação dele. Não tive muito tempo para pensar no que participar de um show desses significa na minha vida, fui envolvida com a animação e empolgação do Agulha. Estou amando os ensaios, me divertindo muito e aprendendo como viver uma vida descontraída nos momentos de descanso. Aproveito cada ensaio, cada noite que passo na boate, cada amanhecer com meu corpo dolorido por causa dos ensaios, cada caneca de cerveja e cada dia que passo sem maquiagem e um cabelo fabuloso. Sou uma mulher comum, fazendo coisas comuns e tendo sonhos comuns. — Vamos comer alguma coisa no restaurante e dormir cedo. Precisa estar descansada para a grande estreia! Não precisa nem limpar a casa amanhã. — É claro que não preciso. Não seja besta — digo. — Não moramos em um centro cirúrgico esterilizado. Gosto que o clima amigável entre mim e o Beto tenha voltado. Ele parece ter esquecido, ou pelo menos deixado para lá, os acontecimentos da pior noite da minha vida.
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Estou uma pilha de nervos. Nervosa como nunca estive na minha vida antes. Olho para o espelho e não consigo me reconhecer. Minha maquiagem é carregada, tem muito brilho, delineador e cores vibrantes. Não parece eu. Ou melhor, não parece a princesinha do papai e o orgulho da mamãe que eu costumava ser. Estou mais como uma drag queen! Os minúsculos pedaços de tecidos, que cobrem minhas partes íntimas, não ajudam em nada. Estou me sentindo exposta e vulnerável. Meu estômago está embrulhado, tenho a sensação que posso vomitar a qualquer momento. — Cinco minutos para a gente entrar! Alguém grita no nosso camarim improvisado. — Não vou conseguir, não vou conseguir, não vou conseguir... Sinto uma mão repousar no meu ombro. Ergo meu olhar e encontro uma das últimas pessoas que imaginei ver hoje aqui me assistindo. — Estamos com você, indiferente de qual seja a tua decisão — Cida fala, sorrindo. Meu mundo se ilumina, um sorriso sincero domina meu rosto. Nunca tive apoio nas decisões que tomei por conta própria, é mágico ter aprovação das pessoas que gosto e admiro. — Entramos em um minuto! Todos em suas marcas! Agora a decisão é minha: Participo ou não desse espetáculo erótico em uma boate LGBT?
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Capítulo 6 Meu corpo ainda está em estado de choque. Ele pulsa, treme, vibra e palpita. Ainda não consigo acreditar que acabei de apresentar um maravilhoso show de dança para um enorme público. — Estava espetacular, menina! — Cida fala, empolgada, entrando no camarim. — Você nasceu para brilhar! Ter o apoio dela, antes, durante e após o show é muito importante para mim. Acabamos criando um vínculo muito forte durante esse tempo que estou morando nos fundos do restaurante. Todos os dias, após chegar dos ensaios, ela me esperava com um prato de comida quentinho e saboroso. Quando ela veio me ver antes da entrada no palco e disse que me apoiaria na decisão que eu tomasse, senti algo estranho, um sentimento que nunca tive, nem pela minha mãe. Não sei se é conforto, carinho ou amor. — Obrigada, Cida! É muito importante para mim. Abraço a melhor cozinheira que conheço com afeição. Sua comida é temperada com muito amor e carinho. — Coloque alguma roupa e nos encontre no bar, queremos comemorar o sucesso com você. — Queremos? — pergunto, desconfiada. Não passa despercebido que ela está falando no plural. — Confie em mim. Tiro mais da metade da maquiagem, mal conseguia sorrir de tanta coisa que tinha no meu rosto, coloco minha calça jeans surrada, uma camiseta e meu companheiro de todas as horas, meu All Star furado. NACIONAIS-ACHERON
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Caminho receosa até o bar, não sei o que, ou quem, vai estar me esperando. Não posso negar que um pedacinho de mim lá no fundo, bem lá no fundo, gostaria que fosse o Ricardo. Com certeza esse não seria o melhor momento, o melhor lugar e muito menos a melhor aparência para encontrar com o Ricardo, mas a saudade e o amor que sinto por ele, não me deixam pensar com clareza. — AÍ ESTÁ ELA! Escuto entre a música. Começo a rir assim que vejo quem são as pessoas que estão me esperando. Encontro no bar, junto com a Cida e o Beto, toda a galera que joga futebol na praia no fim de tarde. Muitos, eu nunca troquei uma palavra, ou sei o nome, nem por isso, deixo de ficar feliz de ter todos aqui. Cida puxa uma salva de palmas com assobios e gritos ensurdecedores, sinto meu rosto corar. Não estou acostumada com uma demonstração de afeto tão espalhafatosa e barulhenta. Minha mãe com certeza teria se limitado a um sorriso encantadoramente falso, assim como ela fez em todas as minhas apresentações de ballet e da escola. — Tava gostosa pra caralho, gata! — Beto diz e me puxa para um abraço. — Obrigada. Faço questão de abraçar todos que vieram me prestigiar. Alguns trouxeram as esposas, namoradas ou ficantes. Acredito que foi a forma que encontraram para se sentirem mais confortáveis em uma boate LGBT. Enquanto abraço e sorrio para cada um deles, a imagem do dia do meu chá de despedida volta a minha cabeça. Naquele dia não consegui agradecer a presença de todas, hoje foi gratificante e fácil retribuir o carinho. Me sinto bem aqui, me sinto confortável, me sinto eu mesma. — Vamos dançar, gata? — Beto pergunta. — Claro! NACIONAIS-ACHERON
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Entrego a garrafa de cerveja que estava tomando para a primeira pessoa que vejo e vou para a pista. Diferente da primeira noite que estive aqui com ele, hoje dançamos e nos divertimos juntos.
Acordo com um barulho aterrorizante vindo da cozinha. Beto, com certeza, é o Beto! Não preciso abrir os olhos para saber que é ele. — Indo surfar? — Foi mal, a caneca voou da minha mão. — Isso parece acontecer muito com você. — Quer ir junto? — Não. Vou dormir até meu corpo não aguentar mais ficar nesse sofá horrível. — Você quem sabe. Tenho a impressão da voz dele estar meio ranzinza, abro o olho rápido, mas é tarde demais, ele já saiu. Deve ser apenas impressão. Ontem foi muito, muito bom. Dançamos, bebemos e nos divertimos para valer. Acho até que perdi a ponta dos meus dedos. Hoje é meu dia de folga, amanhã terá mais ensaio e à noite outra apresentação, quero descansar o dia todo, nenhum mau humor vai estragar meu dia. Claro que não contava com Beto e sua forma sutil de entrar em casa. Deus, esse homem tem algum problema sério. Não pode ser normal alguém fazer tanto barulho para abrir uma porta e caminhar alguns passos. NACIONAIS-ACHERON
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— Não vai para o jogo de futebol? Sento no sofá. Estou meio tonta, acredito que seja por ter dormido por várias horas e não ter comido nada. — Vou tomar um banho e ver se a Cida tem alguma comida para mim. — Deixei macarrão na geladeira, pode comer se quiser. — Obrigada. — Tem certeza que não vai para o jogo? Posso esperar você tomar banho. — Estou muito cansada. Vou ficar em casa mesmo. Ele dá de ombros e sai novamente. Nossos diálogos são sempre curtos, fico sempre com a sensação que ele tem algo a mais para dizer, mas acaba desistindo. Não estou em posição para exigir nada. Moro de favor na casa dele, durmo no meio da sua sala e, às vezes, acabo comendo a comida que está na geladeira. Acredito que o único direito que isso me dá, é o de limpar e trocar seus lençóis sempre que necessário.
Crio uma nova rotina na minha vida. Acordo tarde, espero o Agulha me buscar para o ensaio, volto para casa no final do dia quando não tenho apresentação ou no amanhecer do dia seguinte quando é dia de show. No dia da minha folga, dou uma arrumada na casa, limpo o máximo que consigo e desmaio de cansaço. Não consegui mais ir ver a galera surfar de manhã cedo e minhas participações nos jogos de futebol são cada vez mais espaçadas. Não entendo como Agulha consegue conciliar tudo. Uma vez perguntei, ele disse que eram anos de experiência. Fiquei curiosa de quanto tempo ele faz isso, perguntei, mas não obtive resposta. Chego a casa cedo em uma noite qualquer, não tenho show essa noite, e sou NACIONAIS-ACHERON
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surpreendida com um convite durante o banho. Beto bate na porta e grita: — Vamos dar uma volta, gata? A noite tá do caralho lá fora. Quase recuso, mas quando penso que faz muito tempo que não saímos para dar uma volta, acabo aceitando. — Saio em um minuto. Mais uma vez caminhamos lado a lado em silêncio pelas ruas de Cumbuco, sentamos em um bar qualquer e pedimos uma cerveja. A conversa é leve e não gira em torno de nada em especial. Beto conta que conseguiu fazer uma manobra muito difícil pela manhã com a prancha de surfe e que agora ele é o fodão da turma. — Mudamos algumas coisas no show — conto. — Mudamos ou Agulha mudou? — Ele deu a ideia e todos concordaram que ficou melhor. — O que você achou? — Gostei. — “Gostei”? Puta que pariu! Gostei se diz para vovó quando ela dá meias de presente de natal. Para a tia que serve um bolo abatumado e sem sabor. Para o guarda de trânsito quando ele explica os benefícios do uso do cinto de segurança. Para a professora que altera toda a redação que você levou dias para escrever, mas tem medo de falar alguma coisa e baixar a nota. Não para um espetáculo como o de vocês. O show estava foda pra caralho! Também gostava do show antes, porém não entendo tanto como o restante do pessoal. O que eu poderia dizer? Sou apenas uma iniciante no mundo da dança e shows. Não entendo nada de público LGBT. Não sou a estrela principal do espetáculo. Não sou a pessoa que tem o contrato com a boate e que paga todos os dançarinos. — Agora que sou assalariada, pensei em comprar um sofá novo — mudo de assunto. — Aquele que temos em casa é bem desconfortável. NACIONAIS-ACHERON
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— Não. — Eu iria pagar sozinha, estou economizando para isso. Você não vai gastar nada. — Não quero mudar. Gosto dele. Beto é estranho. Em alguns momentos ele parece se preocupar comigo. Ele deixa comida na geladeira com recadinhos como “Bom Apetite” ou “Está bom pra caralho. Aproveite”, mas em outros, parece não se importar comigo e com o meu conforto. Sinto como se eu fosse uma intrusa na casa. — Hoje faz oitenta dias que nos encontramos no aeroporto — diz. — Oitenta dias? Não fazia ideia de que eram quase três meses desde que larguei tudo e fugi da minha antiga vida. Agora entendo porque sinto tanta saudade do Ricardo. Sonho muitas vezes com ele. Nos meus sonhos estamos em uma praia com areia branquinha, mar calmo e um sorriso gigantesco no rosto. — Foi essa a vida que imaginou ter quando comprou a passagem para Fortaleza? Com certeza essa não foi a vida que imaginei. Nem em sonho pensaria em ser uma dançarina em uma boate LGBT, em dormir no sofá de um desconhecido e praticamente trocar meus dias pela noite. — Não imaginei nada disso — respondo. — Tá feliz, gata? A pergunta me pega de surpresa e desprevenida. Estou feliz? Sorrio a maior parte do tempo. Não preciso dar satisfação para ninguém do que faço, do que como, do que visto ou do que falo. Adoro o clima hipnotizante das luzes e do pulsar da música da boate. Sinto-me querida quando recebo diariamente o abraço da Cida. Amo meu novo visual sem NACIONAIS-ACHERON
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maquiagem e cabelos revoltos que adotei. Mas... estou feliz? — Vamos pra casa, já está tarde — Beto diz, levanta e não parece se importar de não ter obtido uma resposta para a sua pergunta. Optamos por voltar pela beira do mar. O céu está muito estrelado e a lua cheia ilumina o caminho. O vento morno bagunça meu cabelo e a sensação é boa. Estranho, estou morando tão perto da praia e fazia mais de uma semana que não vinha até o mar. Fico pensando na pergunta que Beto me fez, não consigo deixar de me perguntar se estou feliz. — Por que não estaria feliz? — Penso alto. — Deixa isso pra lá, gata — ele responde. Estamos chegando a casa e a Cida está saindo do restaurante. — Boa noite, casal — diz, sorridente e deixa um beijo na minha bochecha. — Estão bem? — Você acha que não sou feliz? — pergunto. O sorriso no rosto da Cida murcha devagarinho e seus olhos já não estão mais no meu. Ela olha direto para o Beto e tenho impressão que ele está com problemas. — Por que você fez isso? Falei pra dar mais tempo pra ela! — Fez o quê? Por que preciso de tempo? — Estou confusa e olho de um para o outro. — Do que ela está falando, Beto? — Menina — Cida me chama e segura minhas mãos entre as dela. — Não se preocupe. Tudo vai dar certo no final. — Não minta pra ela, Cida! — Beto dispara. — Alguém pode me explicar sobre o que estão falando? Um dos dois pode NACIONAIS-ACHERON
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parar de fingir que não estou aqui e falar de uma forma que eu entenda? — Você explica! — Cida ordena para Beto. — Chego cedinho amanhã, se precisar de mim é só aparecer — diz, agora olhando para mim. Cida deixa um beijo carinhoso em minha bochecha e um peteleco no ombro do Beto antes de sair, ele apenas dá de ombros. — Pode me explicar o motivo de estarem falando de mim pelas minhas costas? — Larga mão de ser besta — responde e segura meus ombros para mostrar a direção da porta da nossa casa. — Não somos os únicos que estão falando de você pelas suas costas. Caminho sendo empurrada por ele e demoro um tempo para processar a resposta dele. — Quem mais fala de mim? — Todo mundo. — Todo mundo? — Não termino de sentar no sofá e já estou levantando. — Todo mundo está falando mal de mim? — Não, gata. Ninguém está falando mal de você. — Mas você disse... — Disse que estavam falando de você, não que estavam falando mal de você. — O que está acontecendo, Beto? Ele segura meus ombros e olha fixo nos meus olhos. — Quer realmente saber? — Sim, quero. NACIONAIS-ACHERON
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— Vamos sentar. Precisamos ter uma longa e séria conversa sobre tua vida e teu futuro. Minhas pernas amolecem e sinto meu mundo desabar. Ele não quer que eu more mais aqui com ele. Não vejo outro motivo para uma conversa sobre meu futuro.
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Capítulo 7 Estamos sentados lado a lado no sofá sem falar nada faz um bom tempo. — Sabe, para ser uma conversa, precisamos conversar — digo. — Para iniciar meu discurso, precisava que tivesse respondido minha pergunta. — Você não quer mais que eu more aqui, não é? Ele passa o braço pelo meu ombro e puxa meu corpo de encontro ao dele. — Não, não é nada disso. Começo a me preocupar com o teor da conversa. — A noite que voltamos da boate não sai da minha cabeça. Não consigo esquecer o que aconteceu — ele continua. — As tuas palavras retumbam noite e dia na minha mente, gata. — Desculpa, não queria ter feito aquela cena. Era uma noite difícil para mim. Não costumo ser fraca daquele jeito. — Fraca? Por que acha que foi fraca naquela noite? — Deus, Beto! Não me faça descrever todo o choro, o desespero, as palavras descontroladas que saíam da minha boca e todo meu sofrimento. — Achei você uma das mulheres mais fortes do mundo naquela noite, gata. Chorar, desabafar e pedir ajuda, não são sinais de fraqueza, são sinais que tem sentimentos, que se importa. — Até parece. Fiz uma cena dramática digna de Oscar! NACIONAIS-ACHERON
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— Gata, entendi, em partes, tudo o que estava buscando quando me contou sobre tua família, sobre teu noivo, casamento e sobre teus sonhos sufocados pela tua mãe. Entendi e concordei até com a parte de quão ruim é ter uma vida perfeita! Dou um tapa brincalhão no seu abdômen. — Você pode morar com minha mãe se quiser e ter uma vida perfeita. Perfeita para ela, é claro. Ele ri. — O que não estou entendendo é o que está fazendo da tua vida agora. — Vivendo — respondo, assustada. — Vivendo a vida que você escolheu ou a que o Agulha está escolhendo para você? — Agora entendi aonde ele quer chegar. — Sei que fui eu que dei a ideia de você participar do show, mas não era para se afundar naquele clube todos os dias e todas as noites da tua vida. Não vejo mais a gata que queria aprender a surfar, a assobiar, a jogar futebol, a falar palavrões, a fazer engenharia química e comandar a própria vida. Não vejo mais a empolgação, a busca pelo novo, pelo diferente, pelo prazer. Nunca mais vi o sorriso enorme que você deu quando comprou a porra daqueles chinelos de dedo, ou quando acertou um chute na bola pela primeira vez. Tenho uma foto do teu rosto do momento exato que a caneca de cerveja chegou naquele dia que saímos para dançar. Puta que pariu! Olho pra ela quase todos os dias. — Você tem uma foto minha? Era isso que estava mexendo enquanto eu comia? — Gata, a tua empolgação foi contagiante. Parecia uma morta que voltou a vida. — Que comparação! — Tá se afundando de novo no sonho de outra pessoa. Tá parecendo uma morta que deixa os outros te levarem para um lado e outro. Parou pra pensar NACIONAIS-ACHERON
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sobre os teus sonhos mais alguma vez depois que começou a dançar na boate? Você tem ideia de quanto custa uma faculdade de engenharia? Como vai pagar as mensalidades trabalhando em um clube onde deixa o Agulha te explorar? — Ainda não pensei nisso. Faz pouco tempo que estou aqui, a participação nos shows foi o único trabalho que apareceu. — Sei que faz pouco tempo, gata, mas você já está acostumando com a rotina e pensando em deixar teus sonhos pra lá. Cida e eu concordamos em te dar um tempo, mas o pedido pra comprar um sofá novo foi a gota d’água. — Não entendi — digo. — Não quero que se sinta confortável. Quero que a voz que te perturbava antes, como me contou, volte a incomodar. Não quero que você afunde ao ponto de ter que fugir daqui também. Quando for para voltar para casa, quero ter pelo menos um abraço de despedida, não apenas uma mensagem onde diz que ainda me ama. — Não te amo. — Mas vai amar. Acredite, sou irresistível! — Por que está fazendo isso? Por que está me ajudando? — Porque sou legal. — Não, não é. — Sou legal sim. Quem obrigou você a dormir naquele sábado antes de ter certeza se queria ligar para o teu ex-noivo? Imaginou a quantidade de bobagens que teria falado bêbada daquele jeito? — Nunca tive a oportunidade de agradecer por isso. Obrigada. Mas quem ficou com cara de constipação enquanto eu chorava, gritava e implorava por apenas cinco segundos de ligação para ouvir a voz do Ricardo? Você não foi tão legal, apenas me deixou fazer um fiasco gigantesco, enquanto dizia: “NÃO”. Deveria ter tentando me explicar que era melhor ter uma boa noite NACIONAIS-ACHERON
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de sono e deixar a bebida parar de falar. — Puta que pariu! Tem razão, não sou tão legal assim. — E você não entende tão bem assim meus motivos. — Não quero falar sobre isso — diz, levanta e começa a caminhar de um lado para o outro. — Estou pedindo pra ter equilíbrio na tua vida e nas tuas decisões. Não se jogue e afunde em qualquer coisa que apareça na tua frente. — Estou apenas tentando entender, Beto. Do lugar que venho as pessoas não oferecem carona para estranhos no aeroporto. Não dão um sofá nas suas casas para uma desconhecida dormir. Não ajudam pessoas com conselhos, dicas de vida e divertimento sem algo em troca. — Sou mais do seu mundo do que imagina. — Seus pais são ricos? — Levanto em um pulo. — Não, caralho! Claro que não. Da outra parte do mundo. Não estou conseguindo entender. Ele está falando da boate? Ele já disse que não é gay! — Mais uma pista — peço. — Ainda não estou entendendo. — Não quero falar sobre isso. Vamos encerrar o assunto por hoje. — Por favor, Beto — imploro. — Me deixe entender. Ele bufa, tenta arrancar os cabelos e espanca a própria testa. — Tá legal — concorda, finalmente. — Vou falar isso apenas uma vez, não quero perguntas e nem comentários. Também não quero que fale desse assunto nunca mais. Combinado? Ele vira de costas e se afasta o máximo que consegue de mim. Vou até ele, coloco minha mão em seu ombro e tento uma voz calma e tranquilizadora. NACIONAIS-ACHERON
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— Combinado. — Fui largado no altar. No primeiro momento, acho que não ouvi direito. Depois acho que ele está de brincadeira comigo. O silêncio que segue e a postura retraída do Beto começam a me fazer acreditar no que ele acabou de dizer. — Deus, Beto! — É a única coisa que sai da minha boca. Ele vira para mim e a tristeza no olhar confirma que não é nenhum tipo de brincadeira. Minhas mãos alternam entre esfregar meus olhos, tentar arrancar meus cabelos e tampar minha boca para eu não falar nenhuma bobagem. — É nessas horas que deveria soltar um: “Caralho, Beto!” ou “Puta que pariu, Beto!” ou um simples “Merda!”. Seu sorriso sem graça demonstra que está desconfortável. — Caralho, Beto! — digo, também sem humor. — Acho mais apropriado. A imagem dele sentado no escuro, bêbado, me observando dormir e perguntando o que eu fiz volta. Agora faz sentindo. Ele deveria estar tentando entender o motivo das noivas, às vezes, abandonarem seus noivos no altar. — Quando isso aconteceu? — Sem perguntas, lembra? Por que fui aceitar suas condições? — Apenas estou querendo entender — explico. Ele apoia suas mãos nos meus ombros e olha fixo nos meus olhos. — Acredite, também queria entender. — Posso te dar um abraço? — pergunto. NACIONAIS-ACHERON
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Sinto uma vontade louca de confortá-lo, de abraçá-lo e dizer que tudo ficará bem. Ele balança a cabeça e bufa. — Não quero que sinta pena de mim. O pior sentimento é a pena. — Não estou com pena, Beto. Apenas... apenas... — Deixa pra lá. Vou dar uma volta. Ele se afasta e vai em direção à porta. — Aonde você vai? — Não sei. — Posso ir junto? — Não acho uma boa ideia, gata — diz e sai. Entendo que ele queira ficar sozinho, apenas não consigo aceitar. Fico imaginando se o Ricardo teve alguém para apoiá-lo e consolar quando descobriu que eu havia fugido. Meu peito dói quando o imagino sozinho, perdido e sem rumo. Beto tem razão, não posso ter feito a pessoa que mais amo na vida passar pela maior decepção, para apenas deixar que outra pessoa comande minha vida. Preciso voltar ao meu plano original e descobrir quem sou, o que quero fazer e o que me faz feliz. Tenho uma noite agitada. Não consigo dormir. Acordo a cada meia hora para verificar se Beto voltou para casa. Às cinco da manhã desisto de esperar. Tomo um banho, como uma maçã e vou para a praia. Encontro a turma toda no lugar de sempre. Alguns já estão na água, outros estão se preparando para entrar e, como sempre, tem uns que parecem dormir na areia. NACIONAIS-ACHERON
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— Ora, ora, quem é vivo sempre aparece! — um dos rapazes diz, quando me vê. — Oi, pessoal. — Faço um aceno com a mão para todos. — Beto já chegou? — Foi um dos primeiros. — O rapaz que respondeu levanta e gira meu corpo para o mar. — É ele ali, de bermuda azul. — Obrigada. Vou esperar ele sair da água. Sento na areia e deixo o sol penetrar na minha pele. Já tinha esquecido como era bom vir aqui pela manhã. O barulho do mar, o sol surgindo no horizonte e o dançar dos surfistas com as ondas. Como fui esquecer o bem que esse lugar faz para mim em tão pouco tempo? Deito na areia, fecho os olhos e apenas fico absorvendo a energia do lugar. Não sei quanto tempo passa até sentir braços fortes me erguerem. — BETO! — grito, assim que percebo que está me levando para o mar. — Estou de roupa! — E daí? É apenas tecido, seca. E afundamos juntos na primeira onda. Nunca tomei banho de mar com roupa, é divertido e desconfortável. A roupa gruda na minha pele e meus movimentos ficam restritos. Meu vestido enrola nas minhas pernas e o tecido me atrapalha. Sem contar que é muito ruim segurar os chinelos de dedo no pé o tempo todo. — Vamos sair antes que se afogue — Beto fala. — Sei nadar. Quando chegamos na areia, perto dos rapazes, ele alcança uma toalha de banho para mim e olha para o oceano. — Estou contando com isso para suas aulas de surfe que começam amanhã — ele diz. NACIONAIS-ACHERON
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— VOU TER AULAS DE SURFE? Beto vira para mim com receio. — Mas antes preciso saber uma coisa. Ricardo sabe surfar? Estranho a pergunta dele. — Não. Ele sabe velejar, surfar não. — Bom. Tuas aulas começam amanhã às cinco e meia da manhã. Amanhã nesse horário vou ter acabado de chegar da boate. Vou estar cansada, com sono e com preguiça. — Hoje tenho espetáculo, Beto. Podemos deixar para outro dia? — Claro! Reveja suas prioridades, surfar nem é tão legal assim — diz e ruma para casa. Não foi isso que quis dizer. Acho surfar uma das coisas mais legais que já vi. Corro atrás dele. — Calma, Beto! Me espera! Enquanto Beto está indo, Agulha está vindo. Um encontro entre nós três será inevitável. Agulha faz com que o encontro seja, além de inevitável, constrangedor. — E aí, gata, na folga? Vamos aumentar os dias de ensaio se está até sobrando tempo para aproveitar a praia. O tom é brincalhão e o empurrão leve que ele dá no ombro do Beto confirmam que não é sério, mas alguma coisa dentro de mim não gosta. Fico irritada, possessa, furiosa! — Vá se ferrar, Agulha! NACIONAIS-ACHERON
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Assusto-me com minhas próprias palavras e como elas saem da minha boca. Acabei de mandar ele se ferrar? Agora sim, agora percebi que os palavrões são libertadores. Os dois ficam me olhando atônitos. Não devem estar acreditando que tive petulância para falar assim. — Me ferrar? Isso mesmo que disse? — Agulha pergunta. Começo a achar que não foi uma boa hora para ter uma explosão de raiva. Agulha é meu chefe, o cara que paga meu salário. — Na verdade... na verdade... Não consigo encontrar uma desculpa para minha explosão. Estou com muita vergonha, constrangida e sem saber o que dizer, quando os dois rompem em gargalhadas. Não são simples gargalhadas, são gargalhadas que retumbam, grotescas e sem limites. Os dois se retorcem de tanto rir e posso ver lágrimas acumulando nos seus olhos. — Ela conseguiu! — Beto comemora. Eles seguram minhas mãos para erguerem meus braços como se eu tivesse ganho algum tipo de corrida. — E o prêmio vai para: SENHORITA GATA BOCA SUJA! Quero matar esses dois. — Já me mataram de vergonha. Podem parar! — peço. — Achei que nunca iria sair um palavrão sem aviso. Sem você ficar vermelha, com a voz estrangulada e baixa e com cara de quem iria sufocar um pobre gatinho — comenta Beto. Esse foi meu primeiro palavrão? Meu primeiro palavrão de verdade? NACIONAIS-ACHERON
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“Vá se ferrar", gostei. — Me deve uma cerveja, Agulha. Não esqueço uma aposta — continua Beto. — Vocês apostaram quando eu diria um palavrão? Não posso acreditar na infantilidade de vocês dois! Viro e marcho, literalmente, marcho, para casa. Os dois correm para me alcançar. — Não era essa a aposta, gata — ameniza Agulha. — Qual era a aposta? — É melhor deixar pra lá — Beto explica. — Queria falar alguma coisa quando pediu para eu esperar? Sim, queria! O problema é que não queria falar assim, na frente dos dois. Tinha pensado em falar com Beto antes e depois explicar a situação ao Agulha, quem sabe até colocar um pouco da culpa de eu desistir de alguns shows no Beto. Eles ficam olhando direto para mim como se eu fosse dizer a receita de uma poção mágica. Preciso ter coragem. Viro para o Beto, respiro fundo e solto sem hesitar: — Beto, confirmada nossa aula amanhã para às cinco e meia da manhã. Agulha — chamo e viro para ele. — Posso fazer dois espetáculos por semana e duas tardes de ensaio. O sorriso radiante no rosto do Agulha me confunde. Achei que ele ficaria decepcionado. Nunca negociei redução de carga horária no trabalho, mas com certeza não esperava essa reação. — Sem problemas. Vou realocar algumas músicas e a gente dá um jeito sem você. — Isso quer dizer o que eu acho que quer dizer? — Beto pergunta. — Sim! Estou reassumindo o controle. Preciso descobrir quem eu sou e o que quero para a minha vida. NACIONAIS-ACHERON
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Beto me ergue em um abraço e gira meu corpo pelo ar. — Pode começar a lista do que quer fazer, conhecer e experimentar. O pessoal vai enlouquecer com a novidade. Todos estão doidos para ajudar. A animação deles me contagia, me faz lembrar o que estava procurando quando larguei tudo e vim para cá. Quero saber do que eu gosto, do que sou capaz e o que me faz feliz!
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Capítulo 8 Surfar; Assobiar; Aprender a fazer hambúrgueres; Dirigir uma moto; Descobrir o que me faz feliz; Pular de paraquedas; Pescar; Me divertir muito; Cantar em um Pub; — O que tá fazendo? — Beto pergunta, entrando na sala e sentando ao meu lado. — A lista que você falou. — Porra, gata! Você não pode levar tudo ao pé da letra. Não era para correr comprar uma folha colorida e canetas divertidas para escrever a porra da lista! — Mas você disse... — Não leve tudo o que digo a sério. Deixa as coisas rolarem pelo menos uma vez na tua vida. Nem tudo precisa ser planejado, organizado e estudado detalhadamente antes de ser feito. Ele tira a folha da minha mão, lê as primeiras palavras, amassa o papel e joga no chão do outro lado da sala. — Agora tome um banho, são quase cinco e meia da manhã, não pode chegar atrasada no primeiro dia de aula — ele continua. Vou acabar enlouquecendo com esse homem. — Tomei banho no clube, estou pronta! NACIONAIS-ACHERON
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— Vai assim? Olho para minha roupa. Estou com um short, uma camiseta e um biquíni por baixo. Não é assim que o pessoal surfa? — E que roupa eu deveria usar? — pergunto. Ele abre um sorriso maroto e puxa um embrulho que estava escondido embaixo do sofá. — Experimenta essa, acho que vai gostar. Outro presente? Pego o embrulho e abro com o maior cuidado para não rasgar o papel. Minha mãe sempre diz que precisamos ter classe até na hora de abrir pacotes. — NÃO ACREDITO, BETO! Ele acabou de me dar uma camiseta de manga longa de lycra própria para o surfe. — Não quero que se machuque, pelo menos, não muito — explica. Sei que a camiseta vai ajudar muito nas quedas e no contato com a prancha. — A PRANCHA? Não tenho uma prancha! Beto faz cara de tédio e levanta. — Vamos logo antes que eu desista dessa ideia besta de dar aulas de surfe. Corro trocar a camiseta e apresso o passo para encontrar Beto na areia. Estou animada, elétrica e agitada. Sempre quis surfar. Falo sem parar o caminho todo. Fico dizendo todas as manobras que quero fazer, as formas que quero entrar nas ondas, os mares que quero conquistar. Beto não responde nada. NACIONAIS-ACHERON
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Encontramos o pessoal no lugar de sempre. Hoje, não tem ninguém ainda na água. Todos estão sentados na areia. O mais velho deles levanta-se quando vê a gente chegar. — A minha é a primeira — ele diz, entregando a prancha para mim. — Tenho compromisso depois e não posso demorar muito. Fico sem entender nada. — Hoje, você — Beto fala e aponta para mim. — Vai passar parafina na prancha de todo mundo. Minha animação some. — Primeira lição — Beto continua. — A importância da parafina. Essa é a melhor, ela é ecologicamente correta — fala, entregando um pote para mim. — Aplicamos parafina em cima da prancha para obter tração, assim teus pés não vão escorregar em momentos críticos. Pego a parafina e começo a passar como ele está me explicando. Não fazia ideia que era um trabalho tão importante e complexo, posso causar uma queda desnecessária nos meus amigos caso não aplique direito. Sinto-me um pouco insultada quando todos verificam se fiz um bom trabalho antes de entrarem com suas pranchas no mar. Fiz com muito cuidado, me esforcei muito. Beto não parava de discursar sobre a importância da parafina, acho até que vou sonhar com parafina. — E agora, já podemos entrar no mar? — pergunto. — Larga mão de ser besta. Vamos fazer os alongamentos e podemos começar com os movimentos de remada. Alongamos por um bom tempo, depois Beto desenha uma prancha na areia e me faz deitar sobre o desenho. — Segunda lição: a importância da remada. Se eu achei um exagero o discurso sobre parafina, é porque ainda não tinha NACIONAIS-ACHERON
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ouvido a metade sobre remada e leitura da onda. Não sei quanto tempo faz que estamos aqui, mas o sol está alto no céu, anunciando a hora adiantada, e o calor insuportável. — Achei que iria aprender a surfar no mar — comento. — Aí não iria aprender a surfar, iria aprender a morrer. Amanhã vamos para o mar, prometo. Agora vamos para casa, deve estar cansada, não dormiu ainda. — Não vai pegar ondas? — pergunto. — Pego amanhã com você. Voltamos para casa em silêncio. Não sei como vai ser minha vida daqui para frente, mas estou ansiosa para descobrir.
Acordo, mais uma vez, com um estrondo. Dessa vez não é o Beto, mas sim a Cida. — Menina! Preciso de ajuda — diz, agitada da porta de entrada. — Uma ajudante de cozinha faltou, sei que está de folga, poderia me ajudar? Ainda estou zonza de sono, não consigo processar muito bem o que esse pedido acarreta, porém não consigo negar um favor para uma pessoa que sempre me ajudou e apoiou. — Claro, Cida. Que horas são? — Seis horas. Você dormiu a tarde toda. Preciso de ajuda o quanto antes. — Vou tomar um banho, trocar de roupa e logo estarei lá. — Obrigada — agradece e volta para o restaurante. Quando a água começa a me acordar, penso que deveria ter avisado a Cida que não sei cozinhar. Sempre tive empregada e cozinheira ao meu dispor na NACIONAIS-ACHERON
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casa dos meus pais, mal sei montar um sanduíche, ou ligar um micro-ondas. Vai ser, pelo menos, interessante minha participação no jantar. Mal chego na cozinha e Cida empurra um avental, uma touca e um prato de comida na minha direção. — Primeiro alimente as lombrigas, depois começamos o trabalho. Abro um sorriso. Somente a Cida para supor que tenho lombrigas de uma forma tão carinhosa. Termino minha refeição, coloco o avental, a touca e me apresento na pia. — Pronta para o serviço, chefe — falo e faço um tipo de continência. — Mas devo alertá-la que não sei fazer nada. — Ricardo sabe cozinhar, menina? Que pergunta é essa? — Não, Cida, ele não sabe. Ele também sempre teve empregadas e cozinheira ao dispor. — Ótimo! Vou te ensinar a descascar batatas e depois vai me ajudar a temperar os peixes, montar as saladas, fazer hambúrgueres e ler os pedidos para mim. O ritmo na cozinha começa tranquilo, fico um pouco atrapalhada e acabo cortando superficialmente meu dedo. Faço um pequeno curativo e continuo ajudando da melhor forma que consigo. Com a aproximação do horário do jantar, o ritmo aumenta e os pedidos parecem nunca mais ter fim. Me viro em mil para conseguir fazer tudo certo e com a maior agilidade possível. De tempos em tempos, Cida bate no meu ombro e fala frases de incentivo. — Está indo muito bem, menina. Estou gostando de ver. São quase onze e meia da noite quando o garçom anuncia o último pedido. NACIONAIS-ACHERON
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— Último pedido! Um hambúrguer com queijo especial, molho da casa e muita batata frita. Cida me olha e sorri com carinho. — Você faz o hambúrguer e eu as batatas fritas. Entro em pânico. Vi o pessoal da cozinha montar hambúrgueres a noite toda, mas não tenho certeza se sou capaz de fazer sozinha. A confiança que Cida deposita em mim, me faz pelo menos não desistir antes de tentar. Separo um pão, corto ao meio, monto as camadas que lembro. Repasso se falta mais alguma coisa, acredito que não. Vou até o recipiente da carne moída e pego um pouco, acho que não é o suficiente, pego mais um pouco. Tento montar o hambúrguer e ele meio que se quebra. Junto tudo de novo. Tento mais uma vez e ele se quebra de novo. — Não vou conseguir — resmungo. — Coloque a bola de carne na chapa e molde com a espátula. É só empurrar assim — um dos cozinheiros ensina. Tento da forma que ele ensinou. Fica perfeito. Termino a montagem e Cida está com as fritas prontas para completar o pedido. — Nino está muito ocupado — diz Cida, referindo-se ao garçom. — Poderia levar até a mesa? — Claro. Para quem passou as últimas cinco horas descascando batatas, lavando verduras, temperando peixes, mexendo o molho da casa, ajudando no preparo do arroz, colocando e tirando peixes do forno, montando os pratos e correndo como uma barata tonta pela cozinha, levar um hambúrguer até o cliente parece moleza. Pego o pedido e vou até a frente do restaurante. Peço a mesa que devo NACIONAIS-ACHERON
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entregar e sou indicada para uma mesa que fica do lado de fora. Vou até lá e encontro o Beto esperando o hambúrguer. — É para você? — pergunto, desconfiada. — É sim. Tô com uma fome da porra. — Ufa! — Respiro aliviada. — Fui eu que fiz, então não seja muito crítico. Ele ri e começa a comer. — Senta aqui comigo. Fiquei sabendo que o meu foi o último pedido. — Puxo uma cadeira e sento. — Então, como foi riscar um item da tua lista? Aprender a fazer hambúrgueres. Estava escrito na minha lista. — Merda! Como não percebi antes? — Agora os palavrões saem livremente? — Beto gargalha. — Achamos que seria legal riscar um item da lista hoje. Pareceu um pouco decepcionada por não ter saído surfando logo no primeiro dia. — Cozinhar não é tão ruim como imaginei. É até divertido. — E seu primeiro hambúrguer ficou bom pra caralho! — Obrigada. Também tem a vantagem de poder comer de graça no restaurante, o que ajuda muito já que não vou receber muito fazendo apenas dois shows por semana. — Esquece a porra do dinheiro pelo menos uma vez, gata. Vai dar tudo certo. — Queria te perguntar uma coisa — arrisco. — Você explicou o motivo de estar me ajudando, mas ainda não entendi como sabia que eu era uma noiva em fuga quando nos encontramos no aeroporto? Beto toma um longo gole de cerveja, solta o resto do hambúrguer no prato e me olha sério. NACIONAIS-ACHERON
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— Não sabia. Quando me aproximei e ouvi você conversando sozinha, achei que era uma daquelas loucas que viajam sem rumo. Quando virou para mim e me olhou com uma expressão assustada, perdida, confusa e apavorada, comecei a prestar atenção. Até perguntei, para ter certeza, se você era uma dessas loucas, seu jeito sem graça confirmou que não era. — Você perguntou mesmo — confirmo. — Seus cabelos bem cuidados, suas roupas certinhas e sua fala toda educada fizeram eu perceber que era uma pobre menina rica confusa. O ponto alto para eu oferecer ajuda foi a aliança de noivado. Coloco minha mão sobre a mesa e olho para meu dedo que ostenta minha aliança de noivado. Não sei explicar, não sei o motivo, mas não consegui tirála do meu dedo nem por um minuto. — Você viu a aliança — comento. Beto segura minha mão e leva meu dedo para perto dos meus olhos. — Já olhou bem o tamanho dessa porra? Puta merda, gata! Menos indiscreto que isso, só se o Ricardo tivesse tatuado “Noiva de Ricardo” em tua testa. Sorrio. Um riso triste, nostálgico, cheio de saudade. — Ele não teria feito isso. Nunca iria estragar minha pele perfeita — enfatizo o perfeita. Uma lágrima corre pela minha bochecha. Sinto uma vontade louca de ter os braços do Ricardo ao meu redor, de sentir o cheiro dele, sentir sua respiração em minha pele, seus lábios percorrendo cada centímetro do meu corpo... — Já está tarde, gata. Vamos pra casa — Beto diz, me tirando do meu momento de lembranças. Levantamos e caminhos para casa juntos. — Sinto falta dele — penso alto. — Sinto muita falta dele. NACIONAIS-ACHERON
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— Eu sei. Ricardo é um homem de sorte, gata. — Espero que ele pense assim quando eu voltar uma nova mulher. Peço para tomar um banho antes de Beto ir para o quarto. Entro no chuveiro e tento segurar o restante das lágrimas que querem sair livremente. Mesmo Beto dizendo que chorar não é um sinal de fraqueza, ainda não estou muito confortável em ficar tão vulnerável. Fico imaginando o que Ricardo iria achar do Beto. Será que eles se dariam bem? Seriam amigos? Beto fala do Ricardo como se fosse íntimo dele. Chego na sala e encontro Beto tomando um copo d’água. — Posso tomar banho, gata? O banheiro está liberado? — Pode sim. Obrigada por me deixar ir primeiro. Ele vai para o quarto e percebo algo estranho. — Beto! Betoooo? — Oi, gata! — diz, colocando a cabeça em uma fresta que abriu na porta. — Você nunca me chama pelo meu nome. É sempre “gata”. Ele dá de ombros. — Não sei o teu nome, você nunca me disse. — Ele sorri e pisca para mim antes de fechar a porta novamente. Que estranho. Beto não sabe meu nome, não me conhecia há três meses atrás, mas me trata como uma velha amiga de longa data. Às vezes começo a achar que ele tem razão, me preocupo muito com tudo e com todos.
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Capítulo 9 Acordo antes do meu colega de apartamento. Hoje vou surfar pela primeira vez. Estou muito empolgada! Surfar sempre foi uma das coisas que quis fazer e minha mãe dizia que era coisa de meninos. Ela iria ficar muito decepcionada comigo hoje. Beto acorda logo após às cinco e meia da manhã. — Caiu da cama? — pergunta. — Ou melhor, caiu do sofá? — Preciso estar muito cansada para conseguir dormir mais do que seis horas nesse sofá. — Animada? — Muito. — Então vamos logo pro mar, gata! Ele segura minha mão e me puxa para fora. Penso em dizer meu nome, mas ele também não perguntou. Chegamos na praia e a maioria da galera já está no mar. Um senhor, que se eu não me engano, chama-se José, se aproxima e me entrega uma prancha. — É para você. Foi da minha filha. É uma funboard, excelente para iniciantes. Fico comovida com a forma carinhosa que todos me tratam. Como comentei com o Beto, do lugar que eu venho, as pessoas não são tão legais e gentis. — Obrigada. Não tenho palavras para agradecer. NACIONAIS-ACHERON
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— Agradeça fazendo bonito — ele diz. — Gata, parafina e alongamento. Depois vamos pro mar. Começo meus preparativos. Estou começando a ficar com medo. E se alguma coisa der errado? E se eu me afogar? E se... — Não tenho o dia todo — Beto grita. — Vamos logo com essa porra! Não vou desistir agora. Coloco a prancha embaixo do braço e corro para o mar com o Beto ao meu lado. — Lembra da forma que deve subir na prancha? — Sim. Empurrar para baixo, apoiar as palmas das mãos na altura do peito e firmar os pés — E da posição correta dos teus pés na prancha? — Sim, Beto. — Ok. Agora é só esperar a onda perfeita para você. Chegamos no ponto do mar onde todos estão esperando a onda perfeita. Olho para o horizonte e começo a achar que nunca vou conseguir ler as ondas. — Aquela parece boa, Beto. — Não — diz apenas. Muitos dos rapazes vão para onda que eu havia falado. Fico frustrada. Quinze minutos passam comigo querendo ir a cada onda e o Beto dizendo não. Quando estou quase desistindo, ele anuncia: — Essa é a tua onda, gata. Tem teu nome nela. Começa a remar. — Remamos um ao lado do outro. — Não suba até eu não dizer que é para subir. Rema, gata. Rema. A adrenalina toma conta do meu corpo. Não posso acreditar que isso está realmente acontecendo. NACIONAIS-ACHERON
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— Rema mais rápido — Beto continua com as intrusões. — Rema, rema e agora... ergue! Faço exatamente como treinei na areia e caio em menos de três segundos. Tento manter a calma, não me apavorar e voltar para a superfície. — Tá tudo bem? — pergunta Beto, de alguns metros de distância. — Sim, estou bem. — Vamos voltar e esperar a próxima. Voltamos para nossos lugares e continuamos com a corrida atrás da onda perfeita para mim. Perco a conta de quantos tombos levo em duas horas de tentativas. Surfar não é tão simples como imaginei. Meus braços estão doloridos, assim como o restante do meu corpo. — É bem mais difícil do que imaginei — comento. Estamos saindo da água e encerrando a aula por hoje. — Vocês fazem parecer tão fácil ficar em cima da prancha. — Você se divertiu? — Beto pergunta. — Muito. — Isso que importa. Muitas vezes o que você planejou não vai dar certo, nem por isso deve desistir ou não tentar. Se estiver fazendo bem para você, continue tentando. Um dia quem sabe irá dar certo. — Beto também é filosofia de vida! — digo, brincando. — Vai ajudar Cida no restaurante? — Não sei, não perguntei se ela iria precisar de mim agora no horário do almoço. Estamos quase chegando a casa quando uma mulher de uns trinta anos se NACIONAIS-ACHERON
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aproxima com duas crianças. — Beto, pode ficar com eles por um tempinho? — questiona, apontando para os meninos. Um deles deve ter uns seis anos e o outro dois ou três. — Preciso fazer umas coisas e não posso levá-los. — Hoje não posso, tenho que chegar ao trabalho em meia hora — ele explica. — Droga! Preciso de alguém que fique com eles na pracinha por no máximo uma hora. Me lembro da forma como fui acolhida pela comunidade de Cumbuco e como todos sempre me ajudam e apoiam. — Posso ficar — me escuto dizendo. A mulher abre um sorriso enorme. — A pracinha é ali — ela fala e aponta para a direita. — Esse é o número do meu celular e qualquer coisa pode chamar a Cida. Ela conhece a Cida? Todos se conhecem por aqui? — Você não quer saber quem eu sou? Ela dá de ombros. — Beto nunca andaria com uma pessoa que não fosse de confiança — ela explica. — Fico te devendo uma. Sem pensar muito mais, dá um beijo na bochecha de cada menino e sai correndo. — Mandou bem, gata! Olho para o Beto, para os meninos, para o Beto novamente e percebo a enrascada que me meti. NACIONAIS-ACHERON
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— O que eu faço com eles? — pergunto. Nunca cuidei de crianças. Nunca fiquei muito tempo em um ambiente com crianças. Não faço ideia do que fazer. — É só brincar e se divertir. — Beto se abaixa, abraça os meninos e bagunça o cabelo deles. — Sejam bonzinhos. Vou indo. E sai me deixando sozinha sem saber o que fazer. — Vamos para a pracinha, tia? — O mais velho pergunta. A pracinha parece uma boa ideia. Seguro a mão deles e vamos para lá. — Eu quero ir no escorrega! — O mais novo grita e sai correndo. — O escorrega não! É alto demais! — No balanço! O balanço também não parece seguro. Olho ao redor, todos os brinquedos parecem armadilhas esperando para fazerem mal aos meninos. — Vamos no gira-gira — anuncio. Parece o brinquedo mais seguro e podemos brincar os três juntos. — Apenas não vamos muito rápido, vocês podem vomitar. As crianças não parecem estar se divertindo. Elas estão com cara de tédio e sono. — Querem ir na prancha vai e vem? — Podemos ir bem rápido? Bem rápido mesmo, igual o Superman? — NÃO! É perigoso! — Podemos ir para o mar? — NÃO! NACIONAIS-ACHERON
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— E rolar nas dunas? — Não! Vão se sujar! — Vá para casa tomar um banho antes que mate as crianças de tédio, gata! — Escuto Beto dizendo logo atrás de mim. — Pelo menos sabemos que você seria uma versão mais nova da tua mãe. Acho que se ele tivesse dado um tapa na minha cara, teria doído. — Não quero ser igual a ela — digo. — E não vai ser. Estamos trabalhando para isso — ele diz e pisca para mim. Dou um beijo nos meninos e vou para casa. Antes de terminar o banho, alguém começa a bater na porta de casa e chamar pelo Beto. O dia está agitado hoje. Vou para sala e encontro uma mulher um pouco mais velha do que eu sentada no sofá. — Beto tá por aí? — Ele está na pracinha brincando com umas crianças — respondo. — Você é? — Merda! Desculpa, foi falta de educação da minha parte. Sou Lila. Trabalho com aluguel de material e aulas para kitesurf. Meu inglês dá pro gasto, mas hoje vou receber uns franceses, achei que o Beto poderia quebrar esse galho para mim. Fala francês? — Falo, mas nunca pratiquei kite. Na verdade, Beto começou a me ensinar a surfar. Tive apenas duas aulas. Ela me olha com cuidado, vira a cabeça para um lado, vira para o outro, dá uma boa conferida em mim e finalmente fala: — É divertido. Acredito que NACIONAIS-ACHERON
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vai gostar. Beto diz que sempre penso muito, planejo tudo e organizo minhas atividades nos menores detalhes. Resolvo arriscar. — Tudo bem, eu ajudo!
Minhas últimas semanas passaram voando. Parece que cada morador de Cumbuco precisava da minha ajuda para fazer alguma coisa. Nos últimos dias fiz coisas que nunca imaginei fazer. Ajudo na cozinha do restaurante da Cida. Estou tendo aulas de surfe, e já consigo fazer as manobras mais simples. Tentei cuidar de duas crianças, o que não deu muito certo, mas tentei. Trabalho na loja da Lila de kitesurf. Às vezes, vendo produtos regionais em uma lojinha, que descobri ser de propriedade da dona da prancha que uso nas aulas de surfe. Ajudei muitas vezes os pescadores a puxarem as redes na praia e tirar os peixes que haviam pego, fico fascinada todas as vezes. Também fiz uma visita técnica em uma cachaçaria, outra em uma fábrica de chocolates e, a mais interessante, em uma empresa que prepara e pinta barcos. Fui convidada a visitar o porto de Pecém e pude entender um pouco de como funciona, graças a um senhor que joga futebol todos os fins de tarde na praia com a galera. E claro, continuo com os ensaios e os dois espetáculos na boate LGBT. O mais interessante é que estou tendo experiências incríveis sem gastar nada. Troquei tudo pelo meu trabalho e até estou ganhando um dinheirinho, que estou guardando para o meu retorno. — O que está fazendo? — Beto pergunta, me tirando dos meus pensamentos. — Vai passar o domingo todo deitada? Ele começa a preparar o café. Fico olhando para ele e não consigo evitar a pergunta que me perturba por dias. — Onde ela está? NACIONAIS-ACHERON
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— Florianópolis. Não preciso explicar que estou querendo saber sobre sua noiva. — Você nunca mais falou com ela? Ele solta tudo o que tem nas mãos, fecha os olhos e respira fundo. — Ela me ligou um dia bêbada. Foi horrível. Disse que me amava, mas que apenas não podia continuar comigo. Preferia ter ouvido ela dizendo que me odiava e que eu era um merda. Não consigo segurar as lágrimas, elas correm e encharcam meu rosto. Ela fez exatamente o que eu ia fazer naquela noite que Beto não me emprestou o celular. — Ricardo deve me odiar agora, não é? — É uma possibilidade. — Ele volta a fazer o café, serve duas canecas, senta na ponta do sofá com meus pés em seu colo e me alcança um café. — O que vai fazer se ele te odiar? — Não faço ideia. A única certeza que tenho é que não posso mais fazê-lo sofrer. Se eu chegar lá e ele estiver feliz com outra pessoa, vou seguir sozinha. — Pode voltar para cá. — É, posso. — Acredita que ele está com outra pessoa? — Rezo toda noite para que não. Torço para que ele goste da mulher que me tornei. Dos meus cabelos rebeldes. Da minha pele queimada pelo sol. Das minhas mãos com calos de descascar legumes no restaurante, puxar as redes com os pescadores, segurar o equipamento de kitesurf, de limpar a casa... — Apenas tenha certeza que nunca mais vai abandonar o Ricardo quando voltar. — Beto me olha sério. — É muito ruim uma vez, duas deve ser NACIONAIS-ACHERON
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insuportável. — Vou me certificar que tenho certeza do que quero quando voltar. — Sabe o que é o pior? Nunca vai ter certeza, gata. Muita coisa você só vai saber quando estiver com ele. — Isso me apavora — confesso. — Ele também deve estar apavorado. — Sonhei com o meu retorno muitas vezes, às vezes sonho acordada. — O que está te impedindo de voltar? — Não sei ainda o que quero ser. Não fiz tudo o que tinha na minha lista. Não tenho certeza do que me faz feliz. Adoro... — Medo! É só o medo que está te impedindo de voltar, gata. Vamos ser sinceros. — Medo — repito. — Tenho que admitir, estou com um medo dos infernos. — Comece a pensar na tua volta como algo próximo. Preciso da minha sala para andar pelado novamente. — Eca, Beto! — Só não pense muito — diz, levantando e indo colocar a caneca na pia. — Preciso começar a guardar dinheiro. Tenho um pouco mais de trezentos reais. — Como já disse uma vez, você pensa, planeja e organiza muito. Coloque uma data, apenas coloque uma data, gata. Muitos minutos passam após o Beto sair e ainda estou com a nossa conversa gritando na minha cabeça. Ele está certo. Tenho que criar coragem e enfrentar todo os problemas e dilemas que deixei para trás. Não posso fugir a vida toda NACIONAIS-ACHERON
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e ter esperança que o Ricardo vai estar me esperando. Levanto e vou até o calendário que está na geladeira. Corro meus olhos pelos dias, semanas e meses. Nenhum dia parece bom o bastante. Queria uma data especial, um dia bonito, uma marca na minha vida. Estou pensando, planejando e sonhando muito. Corro até a minha mochila, pego uma caneta e circulo o primeiro sábado do próximo mês. Isso me dá exatos treze dias. Escrevo a contagem regressiva no calendário e torço para que eu esteja tomando a decisão certa. Posso ainda não saber o que quero fazer e o que me faz feliz, porém tenho certeza do que não quero ser. Não quero passar o resto da minha vida sendo um fantoche nas mãos da minha mãe e não quero mais ficar longe do Ricardo. Preciso pensar como vou comprar a passagem de volta e onde vou morar quando chegar na minha cidade natal. Nem em sonho vou voltar a viver na mesma casa que minha mãe. Vou precisar de muita coragem. Que Deus me ajude e me proteja da ira da Senhora Toda Poderosa Catarina Arantes.
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Capítulo 10 A frase é só marcar um dia que ele chega, não poderia ser mais verdadeira. Estou fazendo tudo o que posso para guardar uma graninha para meu retorno, mas o relógio parece estar contra mim. Graças a Deus, Cida está precisando da minha ajuda no restaurante mais do que nunca, então não estou gastando com alimentação e ainda ganhando um dinheirinho extra. Até o Agulha implorou para eu fazer dois espetáculos a mais com a condição de me pagar o dobro do valor. Tenho o dinheiro para a passagem, mas não tenho onde ficar quando voltar. Também preciso de um computador com acesso à internet e um cartão de crédito para comprar minha passagem. Faltam cinco dias para o dia do meu retorno, ainda não sei se tem voo direto de Fortaleza para minha cidade no sábado. — Querida, cheguei! — Beto anuncia, entrando com um monte de sacolas de mercado. — Vou preparar nosso jantar! — Você cozinha? Ele nunca cozinhou nesses quase seis meses que morei aqui, o máximo que fez foi café e sanduíche. Todas as comidas que deixa para mim na geladeira vinham do restaurante da Cida. — Sou um homem de muitos talentos — ele se vangloria. — Por que está aí sentada com todo esse dinheiro na mão? Não me diz que resolveu assaltar um banco já que está indo embora daqui alguns dias? — Sim, assaltei o caixa rápido e vou colocar a culpa em você quando estiver segura — reviro os olhos. — Preciso comprar minha passagem, mas não tenho acesso à internet. NACIONAIS-ACHERON
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Ele começa a separar os ingredientes para o jantar e coloca o celular em cima do balcão ao lado do fogão. — Pode usar meu aparelho de celular. — O problema é que não quero usar o meu antigo cartão de crédito. Não usei um centavo do dinheiro da conta que meu pai abastecia para mim todos os meses, não queria usar agora. — Pode usar o meu. Acho até que o número está gravado para compras online. Pulo do sofá e corro pegar o aparelho. — Você é o melhor colega de apartamento! — Eu sei — ele diz, dando de ombros. Pego o celular e quando vou desbloquear a imagem de uma mulher invade a tela. Ela é linda! Eu diria que é alguma atriz de Hollywood, seu rosto é delicado, mas marcante. Os grandes olhos verdes contrastam com os cabelos negros e a pele morena. Ela é realmente linda. — Ela é linda! Quem é? — pergunto, mostrando a tela em direção ao Beto. — Parece que a conheço de algum lugar. Ele primeiro congela no lugar, depois tira o aparelho, sem delicadeza das minhas mãos. — Eu compro para você. Sentamos no sofá e percebo que ele está agitado e que todo seu bom humor sumiu. É aí que eu entendo quem é a mulher. Essa com certeza é a ex-noiva do Beto. Quero dizer alguma coisa que o faça sentir-se bem, porém não faço ideia do que dizer. Digo o nome do aeroporto da cidade onde morava e Beto começa a procurar. — Tem um voo que sai de Fortaleza às nove da manhã e chega lá às quatro NACIONAIS-ACHERON
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da tarde. Tem só uma conexão em Congonhas. Acredito que é tua melhor opção. Vai ter sol ainda quando pousar e não vai precisar chegar na casa dos teus pais somente no horário do jantar. Se bem que seria uma entrada triunfal. — Não vou para a casa dos meus pais — resmungo. — Ricardo vai tomar um susto quando você aparecer do nada na casa dele. — Quero um lugar para mim, Beto. A segunda coisa que vou fazer é procurar o Ricardo, mas a primeira é encontrar um lugar para ficar. Não quero voltar e continuar sendo vigiada, controlada e fiscalizada pela minha mãe. Não teria sentindo tudo o que fiz nos últimos meses. Beto solta o celular entre nós e me olha preocupado. — Tem alguma ideia de onde vai ficar? — pergunta. — Não. Pensei em dar uma olhada nos classificados. — Ok. Vamos fazer isso, mas primeiro vamos terminar a compra da tua passagem. Não vejo a hora de deixar meu amigão livre, leve e solto pela casa. — Você deve estar brincando — digo, com desdém. Meu companheiro de apartamento fecha a compra e chega na parte de preencher meus dados. — É hoje que preciso saber teu nome e alguns dados teus. — Ele sorri para mim. — Isabel. Isabel Arantes. — Isabel. Isabel... — ele repete algumas vezes. — Prefiro, gata! Isabel é muito realeza para o meu gosto. Gargalho. Minhas gargalhadas logo passam para choro. — Costumava ser chamada de princesa — explico. NACIONAIS-ACHERON
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— Tá mais para gata borralheira — ele brinca. — Vem cá, pode me abraçar. Beto me puxa para um abraço e afaga meus cabelos. — Obrigada por tudo que fez por mim. Nunca vou esquecer — agradeço. — Eu sei. Falei que iria me amar. — Adoro tua modéstia — brinco. — Deixa eu terminar aqui e vamos procurar teu novo lar. Terminamos de preencher meus dados e abrimos algumas páginas de classificados e imobiliárias da minha cidade natal. Tudo é muito caro. Começo a perder as esperanças. — Olha esse! — Beto grita. — Ótimo apartamento conjugado, com banheiro próprio e janela para rua. — Isso quer dizer quarto com banheiro e muito barulho. — Leio o anúncio. — Sei onde fica esse bairro, o lugar é meio macabro. Colocamos o endereço no Google Maps, a rua e o número indicam que é no início do bairro. Não é tão ruim. — O valor é bom. Pode pagar alguns meses adiantado e garantir um teto por um tempo. — Tem razão. Vou alugar. Não tenho outra opção. Não posso pagar mais do que estão pedindo por esse quarto. Tenho que pensar que preciso comprar alguns itens para minha casa e ter uma reserva para as refeições. Não sei se vou conseguir um trabalho tão rápido. Sem contar que não vou ter a recepção que tive aqui em Cumbuco. Conheço a minha cidade, nem todo mundo é tão legal. Beto liga para o número do anúncio e começa as negociações para o aluguel. Ele realmente é um amor. Nunca imaginei que iria amar uma pessoa tão rabugenta em tão pouco tempo. NACIONAIS-ACHERON
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— Gata, preciso do número do teu celular — Beto fala, apontando para o celular dele. — O pessoal precisa de um contato para o contrato. Penso por um instante. Vou usar o número do meu antigo celular? A fatura é débito em conta, o problema é que é na conta que meu pai deposita a minha parte dos lucros da empresa. — Não tenho o dia inteiro — meu colega de apartamento reclama. Não tenho tempo para pensar muito, passo meu número. Depois dou um jeito de comprar outro aparelho, já que joguei o meu fora, e pagar a fatura por conta própria. Beto finaliza a ligação e volta para a cozinha. — Tudo certo — anuncia. — Você tem um lugar para ficar por três meses. Amanhã, depois que ele enviar o contrato assinado por e-mail, vamos fazer o depósito do aluguel. — Obrigada, Beto. Não sei o que seria da minha vida sem você. — Eu sei: uma catástrofe — ele ri e faz sinal para eu ir até a pia. — Lava os legumes e verduras, vou fazer o restante do jantar. Aceito minha tarefa numa boa. — De quem é o número do telefone que passou para o contrato? — Meu — respondo. — Onde ele está? — O aparelho no lixo do aeroporto. O chip no fundo da minha mochila. — Posso salvar e te ligar se precisar? — questiona. — Claro! Vai querer ser meu amigo depois que eu for embora? Achei que não via a hora de ficar livre, leve e solto. NACIONAIS-ACHERON
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Ele para o que está fazendo, me olha sério e responde sem pestanejar. — Claro que vou te ligar. De que outra forma iria ficar sabendo o motivo de ter largado teu noivo no altar. Ou melhor, o motivo de você estar voltando para ele? Uma lágrima corre pelo meu rosto. Tudo o que Beto fez desde que cheguei aqui, não foi por mim. Foi por ele. Agora vejo claramente. Ele me quis perto com a esperança de entender a exnoiva. — Beto... — Quanto tempo uma mulher precisa para se reencontrar? A pergunta é um pequeno sussurro. Largo tudo e abraço Beto. Queria muito ajudá-lo como ele me ajudou, mas é difícil para mim. Ainda não tenho certeza de como eu me sinto, como vou ajudar uma outra noiva em fuga?
Não tenho certeza se gosto de surpresas. — Falta muito? — pergunto, pela décima vez. — Se acalme, gata! — Beto responde, rindo. É sexta-feira à noite, isso quer dizer que amanhã vou embora. Beto resolveu fazer uma surpresa para mim e estamos caminhando faz uma eternidade. Ele vendou meus olhos antes de sairmos do apartamento e me guia com uma mão no meu cotovelo. Já chutei um paralelepípedo e tenho a sensação que meu dedo está o dobro de tamanho. Quando acho que nunca mais vamos chegar, ele para e anuncia: — Chegamos! Ele começa a desamarrar o lenço que tapa meus olhos, assim que meus olhos NACIONAIS-ACHERON
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acostumam com a claridade, lágrimas correm sem parar. — SURPRESA! — Todos gritam. Olho ao redor. Estamos no restaurante da Cida, todos que conheci em Cumbuco estão aqui, o pessoal do surfe da manhã, os caras do futebol do fim da tarde, a Lila, os dançarinos da boate LGBT, a proprietária e as minhas colegas da loja de produtos regionais, alguns turistas que conheci essa semana... todos. Não falta ninguém. Eles enfeitaram o restaurante com flores e luzes. Em um canto tem uma espécie de palco montado, no centro um buffet com muita comida exala um aroma delicioso. — Odeio chorar — resmungo. — Chorar é sinal de que você tem sentimentos e se importa com todos aqui — Beto fala. — Olhe ao teu redor, você não é a única com sentimentos. Faço o que ele pediu, olho ao nosso redor. Vejo lágrimas nos olhos de muitos que me acompanharam nesses quase seis meses. Beto tem razão. Não me sinto fraca por estar chorando, sinto um carinho e um acolhimento que nunca senti antes com a minha família. — Obrigada — digo, olhando para cada um deles. — Vamos parar com esse chororô e comer! — Cida praticamente grita. — Hoje é dia de comemoração, temos muito pela frente ainda. Sento em uma mesa com Beto de um lado, Cida de outro e Agulha e Lila na minha frente. Todos conversam animados e perguntam os meus planos. Não tenho muito o que responder, não fiz muitos planos. Vou aceitar o que a vida me oferecer de melhor e rejeitar o que não me faz bem, simples assim. Após o jantar, Beto diz para o Agulha que "está na hora". Mesmo não sabendo hora do quê, sei que eles vão aprontar alguma coisa. Os dois levantam e vão para o palco que eu havia notado quando entrei. Agulha pega o microfone e o violão, Beto senta na bateria. NACIONAIS-ACHERON
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— Boa noite, amigos. Sei que vocês pagaram muito caro para estarem aqui hoje. Quero dizer que vai valer cada centavo! — O pessoal irrompe em aplausos, gritos e assobios. — Essa noite é muito especial, estamos dando um até logo para uma mulher que chegou aqui uma criança. Ela amadureceu com o tempo e hoje sabe que pode fazer o que quiser. O céu é o limite, gata! Beto faz um som na bateria e os aplausos voltam. — Com vocês, nossa melhor cantora — ele aponta para mim e me chama. — Vem, gata! Todos me olham e estou morta! Eles não fizeram isso. Tapo meu rosto com as mãos e quero sumir. Vou matar esses dois. Nossos amigos começam um coro de gata, gata, gata! A adrenalina toma conta do meu corpo e levanto por impulso. Falei que queria cantar em um Pub, não vou perder a chance. Chego ao palco e os dois se reúnem ao meu lado. — Que música quer cantar? — Beto pergunta. Penso com cuidado. — O que acham de Wish You Were Here, a versão solo do Roger Waters? Os dois começam a rir e me olham como se eu fosse louca. — Melhor começar com Jota Quest — Beto diz. Dou de ombros. Nunca cantei, eles devem saber o que estão fazendo. Quando eles iniciam, reconheço Dias Melhores e sorrio com a escolha. Canto não apenas com minha voz, mas com meu coração e minha alma: “Vivemos esperando Dias melhores Dias de paz Dias a mais Dias que não deixaremos para trás Vivemos esperando O dia em que seremos melhores Melhores no amor Melhores na dor Melhores em tudo” NACIONAIS-ACHERON
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(Dias Melhores – Jota Quest) Sei que nossa apresentação foi péssima. Não tenho talento para cantar, mas Agulha e Beto também não têm habilidade para tocar violão e bateria. Nosso público não se importa, eles aplaudem e começam a sugerir músicas para a continuação do nosso show. A cada música, alguém se junta ao nosso pequeno grupo musical no palco. Olho para seus rostos e percebo o quanto tudo isso significa para mim. Amo estar aqui com eles. Me sinto parte de alguma coisa. Eles são carinhosos e me apoiaram sem nem mesmo saberem meu nome. Eles não se preocupam em parecerem os melhores, em fazer certo, em não desafinar. Todos apenas querem se divertir. Queria viver em um lugar assim para sempre. Um lugar onde o sobrenome, o saldo da conta bancária, as roupas de grife, o status e as aparências não têm valor algum. O sorriso do Ricardo invade meus pensamentos. Se eu tivesse ele aqui, seria o paraíso. Será que ele concordaria em fugir comigo para cá?
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Capítulo 11 Olho mais uma vez para o envelope que a Cida me entregou. Não consigo acreditar que eles juntaram um montante tão grande em um jantar de despedida. Esse dinheiro vai me ajudar muito nas minhas primeiras semanas na minha cidade natal. Não posso negar que fiquei um pouco constrangida em aceitar. Porém, a alegria que eles demonstraram por saberem que eu iria conseguir alimentar minhas lombrigas — sim essa foi a expressão que Cida usou: “Não quero você passando fome, menina. Tem que alimentar bem suas lombrigas” — me fez perceber que seria uma ofensa não aceitar. A primeira lágrima escapa no mesmo instante que o avião toca o solo. Não imaginei que seria tão difícil deixar todos para trás. O sorriso do Beto, seu abraço apertado e a promessa que iremos conversar todos os dias, acalmam meu coração. Ele tinha razão, passei a amá-lo. Foi complicado admitir quando ele perguntou no portão de embarque, mas inevitável. Beto foi mais amigo, companheiro e paciente do que meu próprio irmão é comigo. Criamos um laço estranho, mas forte. Não tenho certeza se teria conseguido sem ele ao meu lado. O pessoal começa a desembarcar e levanto sem me preocupar com as marcas de lágrimas em meu rosto. Não sou mais aquela menina fútil que minha mãe me transformou. Sou uma mulher que tem sentimentos e que não se preocupa apenas com a aparência. O aeroporto está relativamente calmo, fico mais tranquila. Não quero encontrar ninguém conhecido agora. Primeiro quero me estabelecer e depois ver como vou ser recebida pela minha família e, principalmente, pelo Ricardo. Entrego minha pequena bagagem ao taxista e passo o endereço do meu novo lar, estou muito ansiosa para ver o que me espera. Enquanto o carro avança NACIONAIS-ACHERON
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para o centro da cidade, meu coração parece criar vida própria. Sei que não será fácil, mas também sei que tenho força para lutar e vencer. Pego a chave do meu apartamento com uma senhora que será minha vizinha. Mal termino de abrir a porta, o celular que o Beto me deu de presente de despedida começa a tocar. Com certeza é ele. — Olá! — E aí, gata? É muito horrível? — pergunta. — Acabei de chegar. Não consegui ver muita coisa. O cheiro de mofo é maior do que tudo. Ele gargalha. — Você é uma ótima faxineira, vai tirar de letra. Solto minha mala, abro a janela e dou uma olhada ao redor. Não é tão horrível. Tem uma cama, uma mesa pequena com dois bancos de madeira, umas prateleiras de madeira e... bom, é isso. Abro a porta que leva ao banheiro e ele é minúsculo, mas não tão sujo. — Não é tão horrível — digo. — Tem colchão? — Beto pergunta. — Não, mas não iria usar se tivesse — explico. — Tem razão. Ainda é cedo. Vá até uma loja de departamentos e compre um bom colchão, um travesseiro e essas merdas todas. Depois vá a uma loja de usados e compre uma geladeira. Geladeira é essencial. Use o dinheiro que ganhou, é para isso que ele serve. Loja de departamentos e de produtos usados. Vou iniciar minha nova vida com produtos de uma loja de usados e de departamentos. Quem diria. Despeço-me de Beto e faço exatamente o que ele falou. Vou para uma loja de NACIONAIS-ACHERON
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departamentos. Escolho os itens com o maior cuidado, não quero nada bege e em tom pastel, isso me lembra da casa dos meus pais. Compro um lençol amarelo com flores rosa e um edredom com conchas e sereias, ele fez eu me sentir mais perto dos amigos que fiz em Cumbuco. Optei por um frigobar ao invés da geladeira. Fiquei com medo de ter que escolher entre a cama e a geladeira. O apartamento é muito pequeno. Mesmo querendo lavar os itens que foram entregues para mim antes de usar, não tive escolha, não tenho como dormir sem o básico. Deito na minha nova cama e, diferente do que imaginei, meu sono vem tranquilo e fácil. Estou adorando essa nova fase da minha vida. Uma fase onde eu sou a responsável pelos meus atos e a protagonista.
Circulo mais um anúncio de emprego que eu acredito que posso me encaixar. É final de tarde de domingo, limpei todo apartamento, organizei minhas roupas, abasteci meu frigobar com frutas e sucos e estou deitada embaixo das cobertas. O dia lá fora não está convidativo, está nublado e com vento, pode chover a qualquer momento. Meu celular toca. Beto. — E aí? — digo. — Como foi a conversa com Ricardo? — Direto ao ponto. — Não falei com ele ainda. — Achei que seria a segunda coisa a fazer. Tem o teu apartamento, o que está te impedindo de ir até a casa dele? Penso antes de responder. NACIONAIS-ACHERON
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— Medo. — Isabel... como era mesmo o teu sobrenome? Sorrio com a tentativa do Beto de parecer brabo. — Arantes. E se a mãe dele me expulsar? — Você acha que ele ainda está morando com os pais? — Onde ele estaria morando? — pergunto, desconfiada. — Na casa que era para ser de vocês após o casamento. — Beto fala com tanta certeza que me apavoro. — Como você sabe? — Foi para onde fui depois de ser largado no altar. O silêncio que segue é sufocante. Não sei o que dizer. — Domingo à noite é um excelente dia para aparecer na casa dos outros. — Beto quebra o silêncio. — Ninguém faz nada de produtivo no domingo à noite. Deixa de ser medrosa. Você já fez tanta coisa que precisava de mais coragem e iniciativa, não posso acreditar que vai amarelar agora. — Droga! — Quero estrangular o Beto. Odeio quando ele tem razão. — Odeio quando você tem razão. — Não odeia não. Você me ama! Tenho certeza que repetiu umas quatro vezes que me amava ontem no aeroporto. — Não seja besta — repito as palavras que Beto me falou várias vezes. — Estou com medo. — Eu sei, gata. Mas posso te falar uma coisa? Ele deve estar com mais medo do que você. — Como tem tanta certeza? — pergunto, mais uma vez apavorada com a NACIONAIS-ACHERON
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certeza que Beto tem sobre os sentimentos e ações do Ricardo. — É o que sinto. Tenho um medo dos infernos dela nunca me procurar, mas fico apavorado cada vez que alguém bate na porta aqui de casa. — Por isso teus amigos normalmente não batem? Lembro que nos meses que fiquei por lá, as pessoas simplesmente invadiam o nosso apartamento. — Coragem, gata. Vai dar tudo certo. Beto finaliza a ligação. Penso por pouco tempo, antes de levantar e começar a me vestir. Se pensar muito, nunca vou criar coragem. Chamo um táxi e aproveito para passar em frente à casa dos meus pais, uma vez que a casa que era para eu e o Ricardo morarmos fica a quatro quarteirões dali. Peço para o taxista parar e fico observando a grandiosidade da construção. Por que uma família precisa de uma casa tão grande, imponente e pomposa? Percebo que há uma luz ligada em cada canto da casa. É exatamente assim que me lembro da minha família. Cada um no seu mundinho, sem muita conversa, cumplicidade e convivência. — Vai descer aqui, moça? Desperto dos meus devaneios. — Não. O senhor pode me deixar no número que passei. O carro volta a se movimentar e meu coração começa a acelerar. Quando o táxi para em frente a nossa casa, minhas pernas estão tremendo, meu coração parece que vai explodir e minhas mãos estão um nojo com o suor que escorre delas. Acho que nunca fiquei tão nervosa. NACIONAIS-ACHERON
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Corro para a porta da frente e toco a campainha de uma vez, antes que eu perca a coragem. Escuto alguns passos, mas a porta não abre. Começo a ficar mais nervosa. Parece passar uma eternidade até ouvir o barulho da chave girando na fechadura e uma fresta ser aberta. — Isabel? Uma Lara assustada me recepciona. — Lara? A última pessoa que eu esperava encontrar aqui era ela. Sempre considerei Lara uma amiga, mas o relacionamento dela e do Ricardo sempre foi distante. Eles nunca foram amigos de verdade. Eu a considerava minha melhor amiga. Era para ela ser minha madrinha de casamento, merda! — Oh, querida! Que bom te ver! — Ela abre um pouco mais a porta e percebo que está vestida apenas com uma camisa do Ricardo. Meu estômago embrulha e revira. — Quer entrar? Cacá está no banho, não deve demorar. Cacá? Desde quando Ricardo passou para Cacá? Não sei do que estou gostando menos, se é da roupa que ela está vestindo, se é do tom de intimidade que ela demonstrou ter criado com Ricardo, ou se é do tom presunçoso e falso que senti quando ela disse “que bom te ver! ”. A conversa que tive com Beto, onde afirmei que se Ricardo tivesse encontrado outra pessoa e estivesse feliz com ela, eu o deixaria em paz, não me deixa fazer uma besteira. — Não quero atrapalhar, Lara. Deveria ter avisado que estaria vindo. — Teria sido melhor — ela confirma com um sorriso falso. — Aviso ao Ricardo que passou por aqui. NACIONAIS-ACHERON
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Toda a força e coragem que conquistei nos últimos meses, parecem desaparecer. Não consigo falar ou fazer mais nada. Viro as costas e vou embora. Estou em uma rua que conheço desde que nasci, mas nesse momento ela parece diferente, assustadora e escura demais. Sinto as primeiras gotas de chuva, olho para os dois lados e não encontro um sinal de vida. Preciso sair daqui. Tenho a impressão que não me encaixo mais nesse mundo, nessa vida, no coração do Ricardo. Todas as explicações e pedidos de desculpas ficaram presos em minha garganta. De todas as situações que imaginei, nenhuma foi tão ruim como aconteceu de verdade. Meus passos começam a ganhar um ritmo acelerado. Escuto o som do meu All Star batendo no asfalto e os trovões ao longe. Não tenho certeza o que eu esperava, o que eu gostaria de ouvir. Repassei esse momento várias vezes em minha cabeça. Não era para ter sido assim. Será que vou precisar recomeçar mais uma vez? Com certeza. Terei forças para isso? Não faço ideia. As lágrimas correm livremente pelo meu rosto, não tento segurar. Aprendi que elas não são sinal de fraqueza, é sinal que tenho sentimentos e que me importo. Diminuo o ritmo frenético dos meus passos, estou ficando sem fôlego e o NACIONAIS-ACHERON
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vento forte parece lutar contra mim. A noite está fria e as gotas geladas de chuva não ajudam em nada. — Isabel! Meu corpo congela e meu coração bate descompassado. Ele veio atrás de mim. Meus pés solidificam no chão e meu corpo não obedece ao meu comando para virar e olhar para o homem da minha vida. Escuto os passos do Ricardo mais próximos e sinto seu corpo muito perto do meu. Mesmo com todo o dilúvio que está caindo, consigo sentir seu cheiro e seu calor. — Isabel — ele repete. Deus! Como senti falta dessa voz chamando meu nome. Viro devagar e me apaixono um pouco mais pelo meu ex-noivo. Ergo minha mão e acaricio seu rosto. Contorno seus lábios, seu nariz e suas sobrancelhas. Ricardo fecha os olhos instintivamente, aproveito o momento e me jogo de encontro ao seu corpo. Não me importo de estar ficando encharcada com a chuva torrencial que cai. Estar nos braços do Ricardo é maior do que tudo, melhor do que tudo. Percebo que não recebo um abraço de volta. Não me importo. Continuo abraçada a ele e desfrutando do prazer de tê-lo novamente. Mesmo não fazendo nenhum movimento, ele me acalma, me traz força e coragem para continuar lutando pelos meus sonhos e objetivos.
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Capítulo 12 Não sei quanto tempo passa até eu começar a ficar constrangida com o tempo e a intensidade do abraço. Com muita dificuldade começo a me soltar do Ricardo. — O que está fazendo aqui? — Ricardo pergunta de uma forma seca e direta. Olho para o chão. Não tenho coragem de encará-lo e ver toda a tristeza e decepção que causei a ele. — Queria conversar — respondo, timidamente. — Sobre? Ricardo está frio, distante e retraído. Ele nunca foi assim comigo. — Nós — respondo, tentando parecer firme. — Nós? Existe um nós, Isabel? Depois da cena que vi na casa, que era para ser nossa, acredito que não exista mais um nós, mas não posso desistir tão fácil. Falei que o deixaria viver a vida dele se estivesse com outra pessoa e feliz, por enquanto, não sei se ele está feliz. Desgrudo o cabelo do meu rosto. A chuva está realmente forte e o vento começa a castigar meu rosto. Respiro fundo e crio coragem para olhar para o Ricardo. Deus! Como ele está lindo. Os olhos estão brilhantes, com os cílios molhados pelas gotas de chuva. Sua boca entreaberta parece chamar meus lábios. É difícil manter o foco e não o beijar intensamente agora mesmo. — Podemos conversar em um lugar mais apropriado? — pergunto. NACIONAIS-ACHERON
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— Quer voltar para casa? Penso na Lara e tenho certeza que não quero voltar para lá. — O que acha de nos encontrarmos amanhã para beber alguma coisa? Pode ser depois do teu trabalho. — Não faço ideia de que horas vou sair da empresa amanhã. Vou receber um grande colecionador — Ricardo responde. Desapontamento me atinge. Sabia que não seria recebida com flores e serenata, mas queria pelo menos uma chance para conversarmos. Ricardo segura meu queixo e me força olhar mais uma vez para ele. — O que acha de terça? Posso passar na casa dos teus pais para te buscar. Não quero explicar que não estou morando com eles agora, aqui e na chuva. — Me diz a hora que eu passo te buscar — ofereço. Ele me olha desconfiado, mas concorda. — Terça às sete. — Ótimo! Beijo sua bochecha e corro em direção à avenida mais próxima. Preciso começar a andar de ônibus, não tenho dinheiro para táxi, e agora que estou feliz, esperançosa e cheia de energia, parece um ótimo momento. Nunca tinha andado de transporte público, entro no ônibus errado duas vezes. Acabo chegando em casa quase meia-noite. Deveria ter pegado um táxi, amanhã preciso estudar as linhas de ônibus. Corro para o chuveiro e tomo um banho quente, não quero ficar gripada por ficar tanto tempo com a roupa molhada. Mal termino de vestir meu pijama, batem em minha porta. Sem me preocupar, abro e quase tenho um ataque cardíaco. NACIONAIS-ACHERON
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— Então era verdade. — Pedro? — Meu irmão não espera ser convidado para entrar em meu singelo e minúsculo apartamento. — O que está fazendo aqui? — Eu poderia fazer a mesma pergunta — ele diz e vira para mim. — Mas prefiro um abraço primeiro. Sem mais avisos, meu irmão me aconchega em seus braços e beija o topo da minha cabeça. — Nunca mais faça isso — ele pede. — Juro que vou colocar um GPS sob a tua pele se pensar em nos deixar novamente. Fico sem jeito. Nunca imaginei que ele sentiria minha falta, nunca tivemos uma relação de melhores amigos. Somos irmãos, mas não irmãos-amigos. — Como me encontrou? — pergunto com ele ainda abraçado em mim. — Pelo GPS do teu celular. Monitorei nos três primeiros meses, mas como tinha desligado o aparelho, não tive sucesso. Quando o Ricardo me ligou avisando que você havia aparecido, tentei novamente. — O Ricardo te ligou? — Sim. Logo após passar o estado de choque dele — Pedro ri e me solta. — Arruma tuas coisas, vou te colocar em um hotel. Em um hotel? Não estranho ele querer me tirar daqui, mas estranho ele não falar em me levar para casa. Não que eu iria voltar para casa dos meus pais. — E papai e mamãe? Aconteceu alguma coisa com eles? Pedro vira de costas, parece tentar escolher o melhor lugar para sentar e depois do que parece uma eternidade, opta pela cama. NACIONAIS-ACHERON
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— Eles estão bem. Porém a situação é complicada. Você conhece mamãe, aparência acima de tudo. Fico com medo de perguntar qual é a real situação. Escolho voltar para o tema hotel. — Não quero sair daqui. Quero seguir com minhas próprias pernas. Meu irmão olha ao redor. — Mas... — Ele desiste de argumentar, respira fundo, me olha com carinho e me surpreende. — Entendo. O que vai fazer a partir de agora? Solto o ar que estava segurando. Fiquei com medo dele não me entender, foi mais fácil do que eu imaginava. Vou até a cama e sento ao seu lado. — Amanhã vou procurar um emprego. Quando tudo estiver um pouco melhor, vou ver sobre voltar a estudar. Quero fazer engenharia química. — Engenharia química? Acredito que ele teria ficado menos assustado se tivesse aparecido um terceiro olho na minha testa. — Sim, Pedro, engenharia química. — Não vou me sentir coagida com a primeira pessoa espantada com as minhas escolhas. — Acredito que tem tudo a ver comigo. — Engenharia química — ele repete com um sussurro. — Quem diria. Onde são os empregos que vai tentar amanhã? Posso dar uma força. — Prefiro conseguir sozinha. — Deus, Isabel! Não é porque renegou a família que precisa ser tão... — ele não completa a frase. Pedro passa a mão no rosto e levanta. — Vou indo. Levanto com ele e dou três passou para chegar até a porta. — Foi bom te ver — falo com sinceridade. NACIONAIS-ACHERON
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Ele me surpreende novamente com um abraço de urso. — Estava desesperado sem você — confessa. — Promete que se precisar de qualquer coisa, vai me procurar? — Prometo — digo, instintivamente. Pedro deixa meu apartamento sem olhar para trás. Fico por muito tempo pensando no que acabou de acontecer aqui. Repasso a parte que ele falou da minha mãe. Ela deve estar louca comigo. Com certeza já me tirou do testamento e está tomando as devidas providências para me deserdar, se é que já não fez isso.
Estou voltando para casa depois de um dia cansativo. Fiz oito entrevistas de emprego e consegui errar mais três vezes a linha de ônibus. Algumas entrevistas acredito que foram bem-sucedidas. O pessoal ficou de dar um retorno até o final de semana se o emprego é ou não meu. Confesso que estou torcendo para que me chamem em uma empresa multinacional que estou concorrendo a vaga de secretária. Eles têm refeitório, o que me ajudaria muito, o salário é bom, pois falo quatro línguas, e preciso pegar apenas um ônibus para chegar ao trabalho, espero assim não me perder. Contudo se me chamarem para auxiliar de cozinha, que foi minha segunda entrevista, ou garçonete de um bar, que foi minha última entrevista, vou ficar bem feliz. Entro no meu apartamento e tomo um susto. Tenho um carpete novo, paredes pintadas, duas araras cheias de roupas, duas prateleiras novas com vários sapatos, um balcão pequeno novo com pia, fogão e meu frigobar embutido e uma decoração bem feminina. Que merda aconteceu aqui? Mal tenho espaço para caminhar e chegar até a mesa onde tem um vaso com rosas brancas e um bilhete. NACIONAIS-ACHERON
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“Espero que goste. Fiz com muito amor. Pedro” Meus olhos enchem de lágrimas. Virei uma manteiga derretida, choro por qualquer coisa agora. Acho que foram todos os anos segurando minhas emoções. Antes de ligar para meu irmão, ligo para o Beto. Ainda não sei se devo aceitar tudo o que o Pedro fez. — Achei que tinha deixado de me amar — ele diz, sem ao menos dizer alô. — Larga mão de ser besta — falo, rindo. — Como estão as coisas? — Tudo igual. E por aí? Alguma novidade? Começo contando sobre meu reencontro com Ricardo, sobre a visita do meu irmão, conto sobre minhas entrevistas de emprego e relato todas as transformações que Pedro fez no apartamento. Beto escuta e dá opinião sobre tudo. Segundo ele, a reação do Ricardo foi até melhor do que ele imaginava, tirando a parte da Lara. E ele diz que preciso focar na parte boa, tenho um encontro marcado com meu ex-noivo! Beto ainda falou que vai pedir para a Cida rezar que eu consiga a vaga na multinacional e fica muito feliz que meu irmão está me ajudando. — Não tenho certeza se devo aceitar a ajuda dele — menciono. — Por que não? — Queria conseguir pelos meus próprios méritos. — Quem está sendo besta agora? Qual a diferença em receber ajuda de uma pessoa que te ama e receber de pessoas estranhas? Por acaso aqui em Cumbuco você não recebeu ajuda de várias pessoas que nem conhecia? Deixa de ser vaca, gata! Ele deixou claro que fez por amor, seja um pouco mais receptiva. Ser aberto não significa ser pau mandado. Eu odeio o Beto! Odeio quando ele tem razão. NACIONAIS-ACHERON
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— Eu te odeio — digo. — Não odeia. Você me ama. Agora vá dormir. Desligo o telefone e tomo um banho. Quero estar com a mente limpa e clara quando ligar para o Pedro. Meu irmão atende no segundo toque. — Oi. — Oi — respondo. — Queria agradecer por tudo. Ficou lindo. — Ufa! Fiquei preocupado que não fosse gostar. Pedi ajuda para uma amiga, como ela não te conhece, achei que poderia não dar certo. Gostou das roupas? — Não sei se combinam muito comigo — falo, verificando as araras. São algumas peças da antiga Isabel. — Mas como não tenho muita coisa, elas vão ajudar. — Ela comentou que escolheu algumas peças que podem ser customizadas, mas se precisar comprar outras, por favor, me avisa. Ainda está dando alguns dias de chuva e frio, achei que roupas mais grossas seriam bem-vindas. — É percebi — digo, lembrando-me do banho de chuva que tomei na noite anterior. — Obrigada. — Como foram as entrevistas? — Ótimas. Agora é aguardar os retornos. — Recebi uma ligação hoje na empresa. — Meu coração para por um segundo e volta a bater irregular. Com certeza foi da multinacional. Meu sobrenome deve ter chamado atenção. — Tentei não interferir muito, mas é impossível não falar bem da minha irmãzinha. — Obrigada, Pedro. — Fico realmente agradecida por ele estar entendendo meu lado. NACIONAIS-ACHERON
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— Agradeça à Stela. Por mim eu já teria arrancado você desse buraco e te enchido de mimos, Isabel. Você sempre foi nossa princesinha. Me surpreendo com a sinceridade na voz dele. A antiga forma que era chamada por todos antes, me deixa meio... não sei explicar. Mudo de assunto. — Quem é Stela? — A amiga que reformou o teu lugar. — Oh! — Faço uma nota mental para não me esquecer de agradecê-la se um dia encontrar com ela. Alguém bate na porta. — Pedro, preciso desligar. Tem alguém batendo na porta. — Tudo bem. Tome cuidado. Desligo o telefone e abro sem ter como olhar quem é. Surpresa, emoção, choque, espanto, contentamento, susto, fascínio... todos os sentimentos me atingem. — Ricardo? — Praticamente grito. — Pedro esqueceu de enviar — ele diz, segurando uma caixinha de música que tem uma bailarina que dança quando a caixa é aberta. Ele me deu essa caixa quando fiz cinco anos. Lembro que ele disse que a bailarina era muito parecida comigo. Me apaixonei um pouco por ele naquele dia. A bailarina é linda! Pego a caixinha das mãos dele e não sei se devo ou não convidá-lo para entrar. Não estava preparada para um encontro hoje. Não pensei em tudo o que quero dizer a ele. Tinha imaginado que passaria o dia todo de amanhã, pensando na melhor forma de me explicar. — Vou indo, já está tarde — Ricardo quebra o silêncio. NACIONAIS-ACHERON
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Continuo sem saber o que dizer. Ele passa a mão no meu rosto e completa: — Até amanhã, Isabel. Fico observando ele se afastar. Penso em todas as vezes que Beto disse que penso, planejo e organizo muito as coisas. Em um impulso, tomo uma decisão. — Ricardo! — chamo. Ele para e vira para mim. — Quer entrar? Não consigo esconder a ansiedade, aflição e desejo que sinto no tom da minha voz.
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Capítulo 13 Ricardo fica me olhando e seus olhos piscam incontrolavelmente. Ele sempre pisca quando está nervoso. Fico um pouco mais tranquila por saber que não sou a única com os nervos à flor da pele. — Tem certeza? Não quero atrapalhar. O que ele acha que pode estar atrapalhando? Estou de pijama, que por sinal é medonho, com os cabelos amassados, com uma marca do coque que fiz para o banho, de pés descalços e sem nenhuma maquiagem. Pensando bem, acho que o Ricardo pode estar pensando que estou no meio de algum tipo de transformação alienígena, tenho certeza que ele nunca me viu num estado tão deplorável como este. Não me importo com minha nova aparência, é bom que ele perceba que não sou mais aquela bonequinha de exposição toda arrumadinha, maquiada e com nada fora do lugar. — Não vai atrapalhar — consigo falar. — Ia fazer um café. Fazer café? Sério? Eu nem mesmo tenho café em casa. — Café seria ótimo — diz e retorna para perto de mim. Dou espaço para ele entrar e posso sentir a tensão quando ele olha meu apartamento. Não vou deixar os pré-julgamentos do Ricardo atrapalharem esse momento. — Pode escolher onde quer sentar — digo, apontando entre o banco e cama. Diferente do meu irmão, Ricardo opta pelo banco. Acho que foi melhor, não sei como iria dormir me lembrando dele em minha cama. Abro o frigobar e fico estudando o que tem lá que posso oferecer. Realmente NACIONAIS-ACHERON
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não tenho café. — Pode ser suco de laranja? — pergunto. — Pode. Agradeço mentalmente a Stela por ter abastecido minha cozinha com dois copos, dois pratos, duas facas, dois garfos... tudo em par. Sirvo o suco, entrego um para o Ricardo e sento no banco do outro lado da pequena mesa. Nunca quis tanto ter uma mesa menor. Queria ficar o mais perto possível do meu ex-noivo. Fico pensando em como iniciar uma conversa. Devo perguntar se ele está bem? Devo começar a falar o motivo de ter fugido? Digo que ainda o amo? Conto tudo o que aconteceu nesses últimos meses? Pergunto sobre a relação dele com a Lara? Meus pensamentos se confundem e se embaralham. — Como foi com o grande colecionador? — Opto por falar de algo neutro. — Tudo bem. Ele tem alguns carros incríveis que precisam de restauração. Acredito que até amanhã à tarde temos o contrato assinado. É uma coleção e tanto. — Que bom! Fico feliz que irá dar certo. Fiz algumas entrevistas de emprego hoje. A expressão de espanto do Ricardo é impagável. — Eles cortaram a tua mesada? — Não sei — dou de ombros. — Não mexo ou olho minha conta desde que... bom, desde que não moro mais com eles. — Entendo — diz, parecendo não entender. — E como foram as entrevistas? — Bem. Vou ter uma resposta até o final de semana. NACIONAIS-ACHERON
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Um silêncio fúnebre toma conta do espaço. — É melhor eu ir — ele quebra o silêncio. — Ricardo, eu... — As palavras ficam presas na minha garganta. — Você? — Não sei como dizer. — Se não sabe como dizer, é porque não sabe o que realmente quer dizer, Isabel. Sem me deixar tempo para contestar, ele levanta e vai embora. Merda! Não acredito que eu tive a chance de me explicar e estraguei tudo. Preciso ouvir mais o Beto e largar mão de ser besta.
São seis horas e quarenta e cinco minutos. Estou adiantada quinze minutos do horário que marquei com o Ricardo, mas não conseguia mais ficar em casa pensando em tudo que vou dizer hoje para ele. Dessa vez não posso marcar bobeira, preciso deixar meus sentimentos falarem mais alto e colocar tudo para fora. Não importa se eu não conseguir me expressar da melhor forma possível, o importante é ele saber o que sinto. Toco a campainha e não demora muito para ele abrir a porta. — Isabel? Ele parece surpreso. — Cheguei muito cedo? — Cedo? Agora estou confusa. NACIONAIS-ACHERON
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— Marcamos terça às sete. Era nessa terça, certo? Ele balança a cabeça e um pequeno sorriso aparece em seus lábios. — Achei que não estava mais valendo depois de ontem. — Oh! — Não havia pensado nessa possibilidade, e nem quero pensar. — Com certeza ainda está valendo! Vamos logo e larga de frescura. Hoje, quando planejei nosso encontro, tomei a decisão de mostrar meu lado alegre, espontâneo, simples e descontraído que descobri em Cumbuco. De nada adianta todos os meses que passei lá se não vou ocupar todo meu aprendizado. Pego a mão do Ricardo e o puxo para fora de casa. — A noite está linda! É um desperdício ficar trancado em casa — digo. Ele sorri e puxa minha mão para eu parar. — Preciso pegar a chave do carro. — Quem precisa de um carro com uma lua dessas? Fecho a porta da casa e caminho com ele em direção à calçada de mãos dadas. — Aonde vamos? — Tem um bar que parece ser bem legal na avenida, quero conhecer. Caminhamos em silêncio, mas não um silêncio pesado. Um silêncio tranquilo. Entrelaço meus dedos aos do Ricardo, só falta eu balançar nossos braços como nos desenhos animados e cantar para demonstrar minha alegria. Escolho uma mesa em uma varanda aberta. Como falei antes, a noite está muito bonita para ficar em lugares fechados. Quando termino de fazer o pedido, Ricardo chama minha atenção segurando minha mão sobre a mesa. NACIONAIS-ACHERON
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— Eu deveria ter trocado de roupa. Estou me sentindo meio deslocado. Olho ao redor. Ele é o único de camisa e calça social. Olho para mim, estou com meu All Star furado, calça jeans surrada, uma camiseta gigante e um rabo de cavalo desarrumado. — Está tudo bem — o tranquilizo. — Minha roupa compensa a tua — pisco e sorrio. Nosso pedido chega e Ricardo observa minha caneca gigante de cerveja. — Era isso mesmo que você queria? — Simmmm! Adoro cerveja! Quer um gole? — ofereço. — Do teu copo? Deus! Preciso ter paciência. Quase me esqueci de como cheia de regras e etiquetas era a vida que eu levava, e da qual Ricardo está acostumado. — Claro! Não me importo. — Passo meu copo para ele, pego a taça de vinho que ele pediu e tomo um gole. — Prefiro minha cerveja — constato devolvendo a taça para ele. Ele sorri. Percebo que Ricardo está mais sorridente hoje, aproveito e falo um pouco sobre a nova Isabel. — Experimentei cerveja e estou apaixonada. Assim como estou apaixonada por surfe, calça jeans, All Star e hambúrguer com batata frita. — Você está diferente. — Diferente bom ou diferente ruim? Antes de ele responder, alguém anuncia a próxima música que será tocada e pede voluntários para cantar. NACIONAIS-ACHERON
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— Precisamos subir ao palco — falo, levantando e puxando o Ricardo comigo. — Não podemos deixar Dias Melhores do Jota Quest sem cantor! — Cantar? — Ricardo parece em pânico quando chegamos ao palco. — Isabel! Não podemos cantar? — Por que não? Ele fica me olhando e piscando, mas não consegue encontrar uma boa justificativa. — Podemos fazer o que quisermos, Ricardo. O cara da banda passa dois microfones e a música começa. Ricardo fica tímido no começo e mal dá para ouvir a voz dele, com o público cantando junto e pouco se importando se somos desafinados, ele se solta e acabamos cantando duas músicas. É um momento perfeito! Queria colocar em um potinho e guardar para sempre. Estamos voltando para a mesa rindo muito. — Você canta muito mal — observo. — Quem esqueceu a letra da música? — Não fui eu que esqueci, foi a banda que errou aquela parte. — Tento disfarçar sem muito sucesso. — Ok! Confesso, não sou uma boa cantora. Ele gargalha e sua felicidade me atinge em cheio. Como senti falta desse sorriso lindo, da forma como ele me olha, do seu cheiro amadeirado... por impulso o abraço no meio do bar. — Como senti falta desse abraço — confesso. — Do teu cheiro. Do teu calor... de você. Ricardo respira fundo e me abraça de volta com carinho. NACIONAIS-ACHERON
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— Suas mudanças de personalidade vão me deixar louco — diz. — Posso ter mudado, mas o amor que sinto por você não mudou. Continuo te amando, Ricardo. — Isabel... — Meu nome é apenas um fraco sussurro. Sem querer forçar uma situação, desgrudo dele e pego em sua mão. — Vem, minha cerveja está esquentando. Sentamos a mesa e mantenho uma conversa descontraída e divertida. — Pedro te contou que quero voltar a estudar? — Não. Vai fazer uma pós? — Não, claro que não. Odeio pedagogia. Quero fazer engenharia química! Ricardo se engasga com o vinho. — Engenharia química? — Sim. Já havia comentado com você — digo, me lembrando da conversa que tivemos pelo telefone antes da minha partida. — Claro que antes preciso de um emprego, de uma bolsa de estudos e de muita inteligência para conseguir ingressar no curso. — Você não precisa de um emprego e de uma bolsa de estudos, Isabel. Basta voltar para casa. — Não vou voltar a morar com minha mãe, Ricardo. Amo quem eu sou agora. Amo toda a liberdade que conquistei e as coisas que aprendi. Ele muda de assunto. — Está ficando tarde. É melhor a gente ir. — Sem problemas. NACIONAIS-ACHERON
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Não posso despejar tudo de uma vez. Acredito que o pouco que mostrei da nova Isabel para o Ricardo hoje, foi o suficiente. Como bom cavalheiro que ele é, insiste em pagar a conta sozinho. Nem em sonhos vou deixar isso acontecer. Me sentia ótima quando saia com o Beto e dividíamos a conta. Me sentia como igual, como se não tivesse diferença entre nós. Saímos do bar e eu vou em direção ao ponto de ônibus e Ricardo em direção contrária. — Aonde você vai? — pergunto. — Para casa. Preciso pegar o carro para te levar até o apartamento. Começo a rir. — Não precisa. Vou de ônibus. — DE ÔNIBUS? Está louca, Isabel? Você viu que horas são? Tem noção de como é perigoso andar de ônibus? Sabe quantos assaltos acontecem em transportes públicos? Caminho até ele e deixo um beijo leve nos seus lábios. — Vou ficar bem, prometo! — Viro de costas e corro para a parada. — ADOREI A NOITE! FOI PERFEITA! — grito para um Ricardo estático quando entro no ônibus.
Dessa vez não errei de ônibus, estou ficando craque nisso. Cronometrei e levo vinte minutos da avenida perto da casa do Ricardo até o bairro onde moro. Não é tão longe. Encontro minha vizinha de porta na entrada do prédio, não havia mais visto ela desde que cheguei. — Boa noite — cumprimento, sorridente. NACIONAIS-ACHERON
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— Boa noite — diz, ranzinza. — Você viu um gato branco com manchas pretas por aí? — Não, senhora. Acabei de chegar. O gato é seu? Está perdido? — Não, o gato não é meu e não está perdido. É de outra pessoa e quero roubá-lo. Ela está falando sério? Essa mulher tem problemas? — É claro que o gato é meu! — resmunga. — Por qual outro motivo eu estaria fora de casa a essa hora procurando aquele gato estúpido? Quanta simpatia! Sorte dela que estou muito feliz para ficar chateada com a brincadeira que acabou de fazer. Nada vai tirar o sorriso gigantesco e brilhante que tenho em meu rosto. — Não vi o seu gato, senhora. Caso eu o encontre, levo no seu apartamento — falo, sorrindo. Ela vira de costas para mim e fala baixo achando que não posso mais ouvir. — Essa aí deve usar drogas. Que sorriso estúpido! Gargalho com a situação e entro no edifício. Subo os degraus cantarolando e paro assim que vejo alguém parado em frente à porta do meu apartamento. Devo estar tendo alucinações. Minha vizinha deve estar certa e devo estar usando drogas sem saber. — Ricardo? — chamo, mais para ter certeza do meu grau de alucinação. Ele vira para mim e suspira aliviado. — Deus, Isabel! Você demorou tanto. — O que está fazendo aqui? NACIONAIS-ACHERON
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— Fiquei preocupado com você andando de ônibus. Queria ter certeza que chegaria bem. Meu sorriso triplica de tamanho. Ele ainda se preocupa comigo. Sem conseguir conter minha felicidade, corro em sua direção e pulo, literalmente pulo, em seu colo. Ricardo me recebe de braços abertos e me aconchega junto ao seu corpo. Entrelaço minhas pernas em sua cintura e seus braços definidos me seguram com firmeza. Enrolo meus braços em seu pescoço e me delicio com seu perfume. Meus lábios encontram sua orelha e falo baixo e com tom provocativo. — Você fica lindo preocupado. Quando ele afasta um pouquinho o rosto para protestar, grudo minha boca na dele. Nem por decreto, iria perder a chance de beijá-lo.
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Capítulo 14 Não é um simples beijo. É uma explosão de sentimentos. Uma mistura absurda de perfeição. O melhor remédio para toda angústia e saudade que senti em todos os meses que ficamos separados. Seguro o cabelo curto da nuca do Ricardo com força e aprofundo cada vez mais o beijo. Nada parece suficiente. Não quero que acabe nunca. Mordisco o lábio inferior dele e sou recompensada com um pequeno suspiro. — Procurem um quarto — uma voz nos chama atenção. — Esse prédio é de família. Com muito sofrimento, afasto minha boca do Ricardo, desço do seu colo e olho em direção a voz. Minha simpática vizinha está parada, nos observando com o gato estúpido no colo. — Vejo que encontrou seu gato estúpido — comento. — Pode parar de mau humor — completo e pisco para ela. — Isabel! — Ricardo me repreende. Ele nunca me ouviu falando assim. Minha vizinha revira os olhos e entra no apartamento pisando fundo. Viro para o Ricardo e sorrio. — Onde a gente estava mesmo? NACIONAIS-ACHERON
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Ele fica sério e respira fundo. — Acho melhor eu ir embora. — Não concordo com você. Não quero que vá. Ricardo fecha os olhos, comprime os lábios e posso sentir sua indecisão. Aproveito e começo com beijos pelo seu pescoço, maxilar e chego aos seus lábios deliciosos. — Também não quero ir — fala, finalmente. — Mas, não sei se devemos... — Eu sei — interrompo seu pensamento. — Quero muito você por inteiro. Nossos olhos se encontram e falam mais do que palavras, contudo fico com medo dele não entender o que estou querendo dizer. — Ansiei por teus beijos, pelo teu toque, pelo cheiro do teu corpo, pela forma que me sinto quando estamos juntos, por quase seis meses. Não quero passar mais uma noite sonhando com você se posso ter você aqui comigo. Um sorriso perfeito toma conta do rosto lindo do Ricardo e sei que ganhei a parada. — Abre logo essa porta antes que eu a coloque abaixo. Deus! O que eu não faço por você? Abro a porta o mais rápido que consigo, puxo meu ex-noivo para dentro e o jogo na cama. — Não é melhor a gente ir lá para casa? Essa cama é bem pequena — diz, olhando para o pouco espaço que sobrou. — Não se preocupe, podemos ocupar o mesmo espaço. Tiro minha camiseta e avanço devagar em direção a ele. Começo a desabotoar sua camisa de baixo para cima, cada parte de pele que começa a ficar visível ganha um beijo. Amo o corpo magro e definido do Ricardo. NACIONAIS-ACHERON
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Quando tenho a camisa toda aberta, retorno com mordidinhas para o ponto de onde parti e tiro o cinto. O volume generoso do Ricardo já é bem perceptível. Fico com água na boca. O sexo entre nós sempre foi perfeito. — Deixa que eu faço isso — ele fala e ergue meu corpo do seu colo junto com o dele. — Não é a única que sentiu saudades. Ricardo me deita na cama e fica me observando por um tempo interminável até abrir minha calça jeans. Seus lábios encontram a pele da minha barriga e um arrepio gostoso atinge todo meu corpo. Suas mãos deixam um rastro de calor por onde passam enquanto tiram minha calça. Ele se atrapalha com o cadarço do meu tênis e xinga baixo com a demora. Não me atrevo a rir. Quando finalmente ele consegue me deixar nua, tirar o restante de sua roupa e encosta seu corpo no meu, estou a ponto de explodir. — Estou te machucando? — pergunta, tentando não soltar todo o peso em cima de mim. — Com certeza não. Mas se demorar mais um pouco para me beijar e me satisfazer, quem vai te machucar sou eu — digo de forma divertida. Ricardo não ri. Ele parece não ter gostado da brincadeira, mesmo assim, me beija. Abro mais minhas pernas para aconchegá-lo melhor e o beijo com urgência, amor, necessidade, carinho e depositando todas as minhas fichas no momento. Ele esfrega sua ereção em mim. Quase gozo. Seis meses esperando por este momento é preliminar demais. — Anda logo com isso, Ricardo — imploro. Ele congela no lugar. — Nunca tivemos pressa antes, por que... — ele não completa a frase. NACIONAIS-ACHERON
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— Preciso muito de você — explico, seguro sua ereção e o conduzo para dentro de mim. Não tinha noção da imensa necessidade que eu tinha de estar assim com ele. Senti falta dele me completando, me acariciando, me amando, mas ter ele novamente assim, mostra que não apenas senti falta, mostra que preciso dele comigo. — Perfeito — suspiro. — Isabel... Encontramos nosso próprio ritmo e me perco no prazer. Minha pele arrepia, meu coração acelera, meu clitóris pulsa e me sinto completa. Pouco depois sinto a respiração do Ricardo acelerar, ele busca minha boca, sua mão fecha ao redor dos meus cabelos e sei que ele está perto, muito perto. Abro meus olhos e admiro sua satisfação e beleza. Nunca quis fugir disso, nunca quis estar longe do Ricardo, apenas não conseguia ser feliz por completo. Era feliz quando estávamos juntos, quando dividíamos as nossas vidas, mas não era feliz no restante do tempo. Não posso depender de uma pessoa para ser feliz, quero ser feliz por mim e por completo. — Estou te machucando? — pergunta com o corpo relaxado em cima do meu. — Não. Sou mais forte do que você imagina. Acaricio parte do rosto dele que não está escondido entre meus cabelos e, por incrível que pareça, de todos os pensamentos deliciosos que eu poderia ter, penso justamente na Lara. Minha vontade é tirar uma fotografia nossa juntos e mandar para aquela traidora. Sei que ela não foi a culpada sozinha, mas era para ela ser minha madrinha, poxa. Minha madrinha! — Tua cama é um pouco barulhenta — Ricardo comenta. NACIONAIS-ACHERON
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— Um pouco? Um pouco é eufemismo — digo, rindo. — Acho melhor da próxima vez colocarmos o colchão no chão. Sinto o corpo do Ricardo tenso. — Haverá uma próxima vez? O tom de dúvida é muito perceptivo em sua voz. — Não quero parecer um ex-presidiário que acaba de ter sua liberdade concedida, depois de muitos anos na solitária sem visitas íntimas, mas quero que saiba que estou apenas esperando você se recuperar para cair de boca, de boca literalmente, em você. Um som gutural, animalesco e brutal escapa da garganta do Ricardo no instante que ele gira nossos corpos e me coloca montada na sua virilha. — O que vou fazer com você, Isabel? Sorrio com sua expressão de dúvida misturada com angústia. — No momento, espero que você faça amor.
Acordo com o sol queimando o meu rosto. Não preciso abrir os olhos para saber que Ricardo não está mais aqui comigo. Alongo todo meu corpo e uma dor gostosa atinge cada parte de mim. Sorrio com a lembrança da noite prazerosa que tive com meu ex-noivo. Com a bexiga implorando para ser esvaziada, levanto e vou até o banheiro. Me olho no espelho e tomo um susto. Estou um caos. É muito bom saber que não era apenas minha imagem de princesa perfeita que o Ricardo gostava. Para falar a verdade, fiquei surpresa como ele lidou bem com minha nova aparência. Ele não comentou, ou reclamou, em momento algum a falta de maquiagem, o tênis furado que eu estava usando, meu cabelo rebelde e sem um penteado divino, minha camiseta enorme ou a NACIONAIS-ACHERON
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calça jeans surrada que vesti para o encontro. Faço minha higiene matinal e mais do que depressa resolvo enviar uma mensagem para ele. São quase onze horas da manhã, ele deve estar no trabalho. Noite perfeita! Te amo, Isabel Não vou negar que fico um pouco decepcionada, quando ele não responde dentro da próxima hora. Imagino que o tal colecionador importante deva estar tomando muito tempo de todos na empresa de restauração de carros. Resolvo sair comprar um jornal e verificar mais algumas ofertas de emprego. Não tenho quase nada de experiência, não posso perder nenhuma oportunidade que surgir. Passo a tarde fora de casa deixando currículos, fazendo entrevistas e explorando um pouco do centro da cidade. Nasci e morei aqui a minha vida toda, mas nunca visitava essa parte da cidade. Fiquei surpresa com a quantidade de lojas com roupas e sapatos baratos que é possível encontrar nessa região. Volto para casa quando está começando a escurecer. Ainda não tive notícias do Ricardo e estou começando a ficar aflita. Verifico meu celular a cada minuto, até que percebo que ele não vai me ligar ou retornar minha mensagem. Ligo para o Beto, cai na caixa de mensagem. Ligo para meu irmão, ele não atende. Sem opção, vou dormir. Amanhã será um novo dia e tudo pode acontecer. Sim, realmente, tudo pode acontecer... até o pior. Meu irmão apenas me mandou uma mensagem na manhã seguinte dizendo que está fora da cidade e volta no domingo. Hoje é sexta-feira e ainda não tive notícias do Ricardo. Passei na casa dele duas vezes durante esses dias, NACIONAIS-ACHERON
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não havia sinal de uma alma viva. Beto parece ter me esquecido, não atende ou retorna minhas ligações. Não recebi nenhuma resposta sobre as entrevistas que fiz. Pelo jeito, fui abandonada por todos. Fico imaginando o que pode ter acontecido para o Ricardo sumir dessa forma. Ele se arrependeu? Lara descobriu e deu um ultimato nele? A noite não foi tão especial para ele quanto foi para mim? Isso é algum tipo de castigo por eu ter o abandonado quase no altar? Ele não me ama mais? Meu celular toca e uma ponta de esperança surge. — Alô — digo, sem saber quem é. — Gata? — Agulha? — Sim, sou eu. Que estranho. Beto não atende minhas ligações e o Agulha me liga? Alguma coisa está errada. — O que foi que aconteceu? — pergunto em pânico. — Olha só... Beto não queria te incomodar e tal, mas... — Fala logo, Agulha! — É a Cida. Ela teve tipo um infarto e não está muito bem. — Como assim “tipo um infarto”? — Sei que vocês ficaram bem próximas e achei que deveria saber. A imagem da Cida falando das minhas lombrigas toma conta da minha mente. Seu abraço sempre tão caloroso e aconchegante, sua forma maternal de tratar todos, sua comida tão cheia de carinho e a forma como ela me recebeu, trazem as lágrimas aos meus olhos e uma tristeza profunda ao meu peito. NACIONAIS-ACHERON
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— Como ela está? — Não muito bem. Está na UTI há alguns dias, não há esperança de melhoras. — Estou indo para aí. Pode avisar que estou chegando! Desligo o celular e começo a caminhar de um lado para o outro. Comprar uma passagem em cima da hora, vai custar uma pequena fortuna para minha atual situação financeira. Na verdade, acredito que nem tenho esse dinheiro. Ligo para meu irmão. — Oi, mana. — Pedro! Preciso de ajuda! Explico a situação e o quanto Cida foi importante para mim no período que estive fora. — Arrume tuas malas e fique pronta para ir ao aeroporto. Vou comprar uma passagem no voo mais próximo que tiver e te envio um e-mail com os dados. — Obrigada, Pedro. Agradeço muito por tudo o que estava fazendo por mim. — Isabel, antes de qualquer coisa, preciso perguntar, tem certeza que quer nos abandonar novamente? — Não estou abandonando vocês. Vou te ligar todos os dias se isso te deixar mais tranquilo. — E quanto ao Ricardo? Como explicar ao meu irmão que tivemos uma tórrida noite de amor e ele sumiu? — Isabel? — Meu irmão me chama. NACIONAIS-ACHERON
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— Achei que estávamos nos entendendo. Terça saímos, foi divertido, ele veio aqui para o apartamento e... bom... depois disso ele sumiu. — Não entendo. Alguma coisa deve ter acontecido para ele sumir. Natasha me falou que ele não tem aparecido na empresa, achei que ele estava resolvendo algumas pendências com um novo contrato que queremos fechar, mas agora não faz sentindo. Ele também não tem atendido minhas ligações, como estou muito enrolado com reuniões por aqui, imaginei que nossos horários apenas não tivessem fechando... Respiro fundo e solto sem pensar. — Nós transamos. — Puta que pariu! — Nunca ouvi meu irmão falando palavrões. Longos minutos passam apenas com o barulho da respiração do Pedro na linha. — Arrume suas coisas, vou mandar os dados do voo. — Obrigada. — Isabel? — ele me chama em tom de advertência. — Dessa vez será passagem de ida e volta. Precisamos resolver muita coisa ainda por aqui. — Ok. Desligo o telefone, coloco algumas roupas em minha mochila e espero duas horas até receber o e-mail com os dados. Meu voo sai um pouco antes das nove da noite, vou chegar lá de madrugada.
Sentada mais uma vez no aeroporto, olho para minhas mãos e percebo que elas estão novamente tremendo e meu coração também está acelerado. Diferente de seis meses atrás, hoje sei que dia vou voltar. Tenho cinco dias para ajudar, ou me despedir, da mulher que me tratou com mais amor e carinho do que minha própria mãe. Espero que esse tempo seja suficiente para o Ricardo colocar os pensamentos em ordem, quero muito ter uma conversa sincera e definitiva. NACIONAIS-ACHERON
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Meu voo é anunciado, me dirijo ao portão de embarque com um sentimento estranho no peito. Espero estar fazendo a coisa certa dessa vez. Espero que o Ricardo entenda meu novo sumiço. Entrego meu cartão de embarque para a última conferência e um pequeno tumulto chama a atenção de todos. — ISABEL! ISABEL! — É meu nome — digo, baixinho. Procuro no meio das pessoas e não posso acreditar no que meus olhos estão vendo. Será que mereço que Deus seja tão bondoso e generoso comigo? Ricardo está correndo para o portão de embarque com uma expressão apavorada e cansada. — Vai esperar aquele senhor? — pergunta o funcionário da companhia aérea. Com um sorriso enorme no meu rosto, respondo sem pestanejar. — Vou esperar. Com toda a certeza vou esperar!
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Capítulo 15 Ricardo para muito próximo a mim. Ele está ofegante, seu peito sobe e desce como se tivesse corrido uma maratona. Ele tenta falar, mas precisa parar para respirar profundamente. — Isabel... — respira. — Eu queria saber... — respira. — Pedro me ligou... — respira. Não estou entendendo nada. — Senhorita — o funcionário da companhia aérea chama minha atenção. — Todos os outros passageiros já entraram. A senhorita precisa entrar agora. Olho para o Ricardo e ele respira uma última vez de forma calma e profunda. — Posso ir com você? — Ricardo pergunta, mostrando um cartão de embarque. — Ou tem alguém te esperando lá? — Tenho várias pessoas me esperando lá. Tenho certeza que todos irão te receber de braços abertos, assim como me receberam! Abro um sorriso enorme, tiro o cartão da mão dele e entrego para a última verificação. — Tenham uma ótima viagem — o rapaz fala. Entrelaço meus dedos com os do Ricardo e embarcamos jutos. — Temos um problema — anuncia Ricardo. — Não consegui poltrona na mesma fileira, vamos sentar separados. — Tudo bem. Sei que em menos de cinco minutos estará dormindo mesmo — sorrio e deixo um beijo leve na bochecha do meu ex-noivo. NACIONAIS-ACHERON
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Ele sempre dorme nos voos. Ficava admirada com a capacidade de relaxamento do Ricardo em aviões. Não tenho medo de voar, contudo não consigo relaxar e dormir com a mesma rapidez que ele. Nesse voo a situação é pior ainda. Fico pensando em tudo que preciso conversar com o Ricardo e tento bolar a melhor forma de nos acertarmos. Não quero mais passar dias esperando um sinal dele como passei essa semana. O avião toca o solo de Fortaleza e percebo que ninguém sabe que Ricardo está vindo comigo. Mandei uma mensagem para o Beto com os dados do meu voo e avisando que ficaria com ele uns dias, ele não está preparado para um acompanhante. Espero que dê tudo certo. — Precisa pegar bagagens? — Ricardo pergunta quando estamos saindo do avião. — Não. Está tudo na mochila — respondo e aponto para a bagagem nas minhas costas. — E você? — Não tive tempo de arrumar nada. Vou ter que comprar algumas coisas amanhã. — Começo a rir. Fico imaginando o Ricardo comprando roupas nas singelas lojinhas de Cumbuco. — Qual hotel vamos ficar? Ai! Agora começa a parte difícil de explicar. — Não reservei hotel — digo com cautela. — Vamos ficar na casa de um amigo. — Amigo? Antes que eu possa explicar, Beto me chama. — GATA! AQUI! Olho em direção a sua voz e ele corre para nos encontrar. Beto me abraça com carinho e fico um pouco constrangida com a demonstração de afeto na frente do Ricardo. NACIONAIS-ACHERON
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— Fala a verdade — Beto diz, beijando minha bochecha. — Cida estar na UTI não tem nada a ver com teu retorno, estava com saudades de mim, não é? Quero derreter e sumir no primeiro ralo que tiver por perto. Ricardo faz um pequeno barulho para chamar atenção para ele. Me desenrosco dos braços do Beto e dou um passo para chegar mais perto do Ricardo. — Beto — tento parecer descontraída. — Esse é Ricardo. Ricardo, esse é Beto, o amigo que te falei. — E aí, cara, tudo beleza? — Beto fala descontraído e ofereça a mão. — Beto? — Ricardo pergunta como se tivesse visto um fantasma. — Beto de Alberto Diaz? Alberto Diaz? — Vocês se conhecem? — pergunto, espantada. — Alberto Diaz, Isabel! — Ricardo fala como se eu também conhecesse. Dou de ombros e faço uma careta. — Alberto Diaz, piloto e campeão de Stock Car. Beto é famoso? Viro para ele muito chateada. — Você é famoso e nunca me contou? — Larga mão de ser besta, gata — ele responde, passa o braço nos meus ombros e nos encaminha para a saída. — Sou apenas eu, Beto! Aproveito o tempo que levamos até Cumbuco para me inteirar da real situação da Cida. Agulha tinha razão, não parece nada bom. — Você deveria ter me avisado antes, Beto — cobro. — Se algo pior tivesse NACIONAIS-ACHERON
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acontecido com ela e eu ficasse sabendo somente depois, não iria te perdoar. — Puta que pariu! Você e essa mania de ser besta! — ele fala sem cerimônias. — Que diferença iria fazer? O importante foi a forma que a tratava, de como ajudava quando estava precisando, do carinho e amor que demonstrava sempre que estavam juntas. Correr quando o pior acontece, isso só prova que não foi feita a coisa certa quando era tempo. — Uau! Não consigo me acostumar com seu lado “filosofia de vida” — digo rindo. Me preocupo um pouco com Ricardo. Ele está calado desde que entrou no carro. Tenho até medo da reação dele quando ver o apartamento que dividi com Beto nos últimos seis meses. — Vamos entrar — Beto diz quando chegamos. — Tenho uma surpresa para você. Entro no apartamento e parece que faz anos que estive aqui. Beto fez várias mudanças. No lugar do sofá velho e sujo, tem um sofá novinho que parece muito confortável. Também tem uma mesa com quatro cadeiras, um fogão novo e tudo parece em ordem. — Me senti meio solitário quando você foi embora — Beto justifica. — A ideia de andar pelado por aí não era tão boa? — brinco. — Você mora aqui? — Ricardo nos interrompe. Viro para olhar para sua expressão e posso ver pavor e espanto. — Sim, moro — Beto responde, com a maior calma que já vi. — Algum problema com o meu apartamento? — Não! — Ricardo parece confuso e perdido. — Nunca iria adivinhar que um cara famoso, campeão no automobilismo e milionário moraria num lugar como esse. Beto é milionário? NACIONAIS-ACHERON
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— Nem todo mundo precisa de uma mansão, carrões, roupas de grife e toda essa merda para ser feliz. O clima fica pesado e acredito que Beto está falando mais de mim do que dele. Mudo de assunto. — Posso ser a primeira a usar o banheiro? Quero ir dormir logo para estar descansada quando for visitar a Cida. — Claro, gata! Vou abrir o sofá, ele vira uma cama — diz Beto, todo orgulhoso. Me escondo no banheiro e penso na merda que fiz quando aceitei que o Ricardo viesse comigo. Falei algumas coisas sobre a nova Isabel no nosso encontro, porém tenho certeza que ele não está preparado para vivenciar a nova realidade. Alguém bate de leve na porta e escuto meu nome sendo chamado. — Isabel. É o Ricardo. Abro a porta e tento parecer calma. — Sua vez, pode usar. — Isabel, onde vou dormir? O apartamento tem um quarto e um banheiro. — Na sala comigo! — Ele inicia uma sessão de piscadas incontroláveis. — Fica calmo, não é tão ruim quanto parece. Deixo um beijo na sua bochecha e volto para a sala. — Ele é bem como imaginei — Beto observa. — Tenta ser legal, Beto. Tudo é muito diferente para ele. Beto senta ao meu lado no sofá-cama e passa o braço sobre meus ombros. NACIONAIS-ACHERON
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— Eu sou legal! — Odeio quando tem razão. Ele ri. — Não, não odeia. Você me ama. — Estou atrapalhando alguma coisa? Escuto Ricardo perguntando da porta do quarto. — Não — Beto responde. — Vou dormir. Boa noite, gata. Ele beija minha bochecha e me deixa sozinha com um Ricardo com cara de poucos amigos. — Tem alguma coisa rolando entre vocês que eu deveria saber, Isabel? — Somos amigos, isso é tudo — digo, firme. — Beto me ajudou numa fase bem tumultuada da minha vida e serei sempre grata a ele por isso. — Eu poderia ter ajudado você. Penso antes de falar. — Pode ser que sim. Pode ser que não. Eu precisava sair daquela bolha que me restringia. Nunca teria conseguido com minha mãe me sufocando. — Isabel — ele fala, dá alguns passos em minha direção, mas para no meio do caminho. — Foi horrível para mim. Foram os piores meses da minha vida. Não tenho coragem de dizer que foram os meses mais libertadores, divertidos e necessários da minha vida. Com certeza senti falta do Ricardo, mas não me arrependo de nada que fiz. — Foram necessários, Ricardo — digo e me preparo para deitar. — Vamos dormir, já está muito tarde. Vamos ter muito tempo para ter essa conversa. Aqui o dia começa cedo e amanhã temos muita coisa para fazer. NACIONAIS-ACHERON
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Ricardo parece disposto a deixar nossa conversa para um momento mais oportuno. Ele se aproxima da nossa cama, tira os sapatos, a calça e a camiseta. Babo no seu corpo. Seu olhar encontra o meu. — É melhor eu deixar a camiseta — diz, colocando-a de volta. — Prefiro sem — discordo. Ele não me dá ouvidos e deita com a camiseta. — É melhor irmos com calma — explica. — Tudo isso é muito confuso para mim, não consegui entender nem a metade da situação. É justo. Posso ter me encontrado nesse período que fiquei afastada, mas posso ter feito o Ricardo se perder com a minha fuga. — Posso pelo menos dormir abraçada em você? Ele demora para responder, porém acaba cedendo. — Claro. Seria um desperdício de oportunidade. Deito em seu peito e abraço seu corpo. Parece um sonho estar aqui, em Cumbuco, com Ricardo ao meu lado. Sonhei tantas noites com ele ao meu lado que preciso respirar fundo, sentir seu cheiro, me aconchegar mais e sentir seu calor para ter certeza que hoje, ele realmente está aqui. — Isabel? — Ricardo me chama quando estou quase dormindo. — Oi. — Não posso acreditar que estou aqui com você. — Eu também não. — Pensei várias vezes sobre o dia que nós iríamos nos reencontrar — diz, com calma. — Nunca imaginei que meus sentimentos seriam esses que estou sentindo. NACIONAIS-ACHERON
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— E o que você está sentindo, Ricardo? — pergunto, preocupada com a resposta. — Vamos conversar quando tivermos mais tempo. Já está tarde. Ele beija o topo da minha cabeça e me abraça com força. Acordo com um grande terremoto vindo da pia da cozinha. Beto! Ricardo levanta em um pulo e está mais acordado do que nunca. — O que foi isso? Não consigo não rir. — Pode voltar para a cama. É apenas o Beto e seu jeito delicado. — Bom dia — Beto saúda da cozinha. — Vamos surfar? — Que horas são? — pergunto. — Cinco e meia. O horário de visita na UTI é às onze. Temos tempo de sobra. Levanto e Ricardo corre me cobrir com o lençol. — Está praticamente nua, Isabel! Olho para meu corpo, estou com uma camiseta do Beto que chega perto dos meus joelhos. Como não quero criar uma cena, pego minha mochila e vou ao banheiro enrolada no lençol. Tomo um banho, faço minha higiene matinal, visto meu biquíni, minha camiseta de manga longa de lycra própria para o surfe, amarro meu cabelo em um rabo de cavalo e calço meu chinelo havaianas. Adoro estar assim. O silêncio que está na sala é perturbador. Beto toma uma caneca de café e NACIONAIS-ACHERON
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Ricardo está vestido com calça, sapato e uma cara amarrada. Eles andaram brigando? — Vou indo — Beto fala. — Estarei no lugar de sempre. — Lugar de sempre — Ricardo repete baixinho e bufa. — Algum problema, Ricardo? — arrisco. — Problema? — pergunta, levanta e me encara. — Me diz você se tem algum problema, Isabel. O que devo pensar quando um sujeito diz que posso pegar uma bermuda e camiseta emprestadas e que a mulher, que era para ser MINHA mulher, sabe onde estão e sabe as regras de uso, já que usou muito suas roupas? Lembro-me da Lara vestida apenas com a camiseta do Ricardo. A primeira vontade que me vem à cabeça é jogar na cara do Ricardo o fato dela usar as roupas dele, armar um barraco e explodir de ciúmes. Respiro fundo. A segunda vontade que me dá é de matar o Beto. Pedi ontem que ele fosse legal, expliquei que tudo era diferente para o Ricardo, e ele faz essa merda. Respiro fundo duas vezes. A terceira coisa que penso em fazer é explicar a situação e deixar o Ricardo confortável com a amizade que tenho com o Beto. Essa parece a melhor saída. Pego a mão do Ricardo e o coloco sentado ao meu lado no sofá-cama. Viro meu corpo para ele, quero que ele possa olhar nos meus olhos quando eu explicar. — Como disse ontem, Beto é meu amigo apenas. Quando cheguei aqui, também não tinha roupas apropriadas para vestir, assim como você. Então peguei algumas vezes as camisetas dele para usar. A regra de uso é que você NACIONAIS-ACHERON
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pegue camisetas amarrotadas e devolva lavadas e passadas. Simples assim. Ricardo fica me olhando tentando perceber se estou falando a verdade ou não. Ele sabe quando estou mentindo, sempre fico vermelha quando minto. — Não vou usar roupas de outro cara — diz. — Também não vou para a praia de sapato, calça e camiseta polo. Vou ficar por aqui, quando as lojas abrirem vou comprar algumas coisas. Penso em desistir de ir surfar e ficar com o Ricardo em casa, mas depois penso em tudo o que passei para ser uma nova Isabel. Uma mulher com atitudes, vontades próprias e comportamento decidido. — Tudo bem — concordo. — Volto daqui uma ou duas horas, depende de como o mar vai estar. — Você também vai surfar? — Ele parece receoso. — Sim! — Abro um sorriso enorme. — Amanhã você vai comigo e te mostro tudo o que aprendi. — Tenha cuidado. O mar é tão imenso, traiçoeiro e perigoso, você é tão frágil e delicada. Fico um pouco decepcionada com as palavras do Ricardo. Ainda não consegui mostrar que não sou mais aquela princesinha mimada e frágil que ele conheceu. Vou ter que me esforçar mais.
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Capítulo 16 Parece surreal estar caminhando pelas ruelas de Cumbuco com Ricardo. Ele está um pouco mais relaxado quanto à minha amizade com o Beto. Quando chegamos do surfe, Ricardo se esforçou para manter uma conversa tranquila e perguntou como estavam as ondas. Beto por sua vez, ouviu meus mil pedidos para ter paciência e contou animado que o mar estava perfeito. Perfeito para ele é claro, caí muitos tombos e ralei todo o lado da minha coxa direita. Para mim, inexperiente como ainda sou, as ondas estavam muito fortes. — Onde tem uma loja legal para comprar camisetas? — Ricardo pergunta. — Todas as lojas por aqui são legais. O pessoal é muito simpático e acolhedor. Você não vai encontrar muitas roupas de marcas famosas, como está acostumado. Mas confie em mim, elas desempenham o papel de cobrir o corpo como qualquer outra. Entramos em uma loja, que acredito ter roupas masculinas, e Ricardo fica em choque cada vez que a vendedora fala o valor das peças. Sorrio amplamente. Provavelmente eu fazia a mesma cara. Escolhemos algumas bermudas, camisetas, um tênis e um chinelo havaianas. Estou viciada nesses chinelos de dedo, quero muito que Ricardo também fique. Estamos voltando para casa quando ele toca no assunto Cida. — Como vai ser hoje na visita? — ele pergunta. — Beto falou que o hospital tem dois horários para visitação, um pela manhã e outro na parte da tarde. Normalmente, ele e o pessoal do restaurante se revezam no horário da manhã, só é permitido a entrada de duas pessoas. O horário da tarde fica para alguns parentes que ela tem, irmãs, sobrinhos, NACIONAIS-ACHERON
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primas. — Vou alugar um carro para podermos nos deslocar mais facilmente — explica. — Andei pesquisando, o hospital que ela está, é bem tranquilo de encontrar. — Beto ofereceu o carro e a vaga dele para você na visita de hoje. Cida está em coma induzido, foi feito um procedimento cirúrgico, ele falou em angioplastia coronariana e colocação de stents. Não entendo muito sobre isso, o que entendi é que Cida não respondeu bem no pós-cirúrgico e precisou ser entubada. Muitos dizem que a audição é o último sentido que as pessoas perdem, então ele acha legal que ela saiba que estamos aqui por ela. — Vou estar lá com você. Voltamos para casa, Ricardo toma um banho e troca de roupa. Agora sim ele parece mais familiarizado com Cumbuco.
Olhar para Cida deitada no leito, pálida, magra e sem reação é perturbador. Não ter o abraço gostoso e cheio de carinho, o sorriso encantador e não a ouvir falar das minhas lombrigas, trazem certa nostalgia. — Cida, este é Ricardo — falo, acariciando a mão dela. — Estamos aqui para que saiba o quanto é importante para mim. Nunca uma pessoa me tratou com tanto carinho e amor. Você foi fundamental para meus dias de autoconhecimento. Ricardo se posiciona atrás de mim e aperta meu ombro como forma de apoio. Acredito que somente agora ele está percebendo o quanto essas pessoas me ajudaram e fizeram bem para mim. — Minhas lombrigas mal chegaram a Cumbuco e já estão pedindo pela sua comida gostosa. — Tento parecer divertida e segurar as lágrimas que teimam em escapar dos meus olhos. — Não vou ficar tanto tempo dessa vez, é bom que se recupere e volte o quanto antes ao restaurante. Ricardo precisa NACIONAIS-ACHERON
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experimentar as coisas deliciosas que faz. Hoje vou cozinhar para ele e para o Beto, vou fazer algumas coisas que me ensinou. Não será a mesma coisa sem você me apoiando. Contudo, quero que saiba, que todos os ensinamentos, dicas, lições de vida ficaram marcados em mim. Você é uma mãe que nunca tive, uma mulher que sabe o quanto especial e necessário é demonstrar o amor. Vou fazer de tudo para não decepcioná-la. Passo o restante do tempo de visita sem conseguir falar muito. Estou com um aperto em meu peito e uma sensação de perda enorme. Ricardo não fala nada, apenas me abraça e me deixa chorar em silêncio. Tínhamos pensado em dar uma volta por Fortaleza, devido ao meu estado depressivo, voltamos direto para Cumbuco. — Está melhor, Isabel? — Ricardo pergunta quando chegamos a casa. — Estou triste, mas vou ficar bem. — Quer sair para almoçar? — Vamos comer aqui mesmo no restaurante da Cida, a comida é ótima e tenho desconto. Meus ex-colegas de cozinha nos cumprimentam e perguntam da Cida. Digo que no dia seguinte vou deixar a vaga da visita para eles e que vou ficar no restaurante para cobrir suas ausências. — Não entendo como o quadro está tão ruim — digo ao gerente e braço direito da Cida. — Cida nunca teve uma saúde exemplar e não tinha o mínimo de cuidado. Faz anos que ela tem pressão alta, tem um quadro de hipercolesterolemia grave e não faz nenhum tipo de exercício físico. A vida dela se resume ao restaurante. Tentei colocar umas comidas mais saudáveis no cardápio, não adiantou muito, ela não comia as opções saudáveis. — O médico explicou tudo isso. Ele disse que foram os fatores que causaram o agravamento do quadro dela. Não entendo o motivo dela não se cuidar. NACIONAIS-ACHERON
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— Essa é Cida. Cuida de todo mundo, mas não cuida dela. Sentamos em uma mesa do lado de fora e não demora muito para Ricardo começar o interrogatório. — Trabalhou na cozinha desse restaurante? — Sim, aprendi a fazer algumas coisas. Hoje à noite vou fazer hambúrguer para nós. Fica uma delícia. — Você cozinhando... — ele parece não acreditar. — O que mais andou fazendo por aqui? — Tanta coisa. Deixa-me ver por onde começo. Aprendi a surfar, como você já sabe. Trabalhei na empresa de kitesurf da Lila, não fazia muita coisa, ajudava na comunicação com os turistas estrangeiros, quando ela não sabia a língua. Preparava, carregava e guardava o equipamento usado. Aprendi a puxar as redes com os pescadores, faziam isso sempre que conseguia, é mágico ver as redes sendo puxadas cheias. — Virou pescadora, hein? — Os peixes brilham na luz no sol. Vamos fazer isso amanhã! Tem uma lojinha de produtos regionais que trabalhei como vendedora, cobria a folga das outras meninas e dava uma mão quando alguma ficava doente ou tinha algum compromisso importante. — Penso em todas as coisas diferentes que fiz por aqui. — Você já esteve em um porto, Ricardo? — pergunto, empolgada. — O lugar é enorme! Tem contêineres para todo lado, aquilo é uma loucura! — Trabalhou em um porto? — Não. No porto fiz apenas uma visita para conhecimento. Tem um senhor com quem eu jogava futebol no final de tarde que trabalha lá e me convidou a conhecer. Ricardo está com a testa franzida e com a boca em formato de O maiúsculo. — Você jogava futebol com homens? NACIONAIS-ACHERON
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— Sim — digo, sorrindo. — É muito divertido. Hoje vou te levar jogar também, você vai adorar. — Acho perigoso uma mulher jogar com homens. Nossa comida chega e a conversa continua em um ritmo mais lento. Conto sobre minha visita à cachaçaria, à fábrica de chocolates e me lembro da que mais gostei, da empresa que prepara e pinta barcos. — Ricardo! — chamo, animada. — Fui a uma empresa que restaura barcos. Eles fazem toda a reparação e pintura dos barcos. É muito legal! Fiz a visita com o responsável pela área de pintura, ele explicou todo o processo de misturas, de pesquisas para encontrar a cor, textura e durabilidade ideal das tintas. É fascinante! Ele começa com um sorriso tímido e depois seu riso ganha força. Ele praticamente gargalha. Devo estar parecendo uma criança que acaba de encontrar a árvore de natal e todos os presentes tem o nome dela. — Está rindo de mim? — Estou — confessa e continua rindo. — Não percebeu nenhuma semelhança nessa visita? — Não — respondo, sem saber onde ele quer chegar. — Fizemos tudo isso na nossa empresa, Isabel. A única diferença é que lá são carros ao invés de barcos. Faz sentindo. Não percebi a semelhança antes porque entrei uma única vez na parte da oficina, como minha mãe chama, e faz muitos anos. Eu deveria ter uns seis ou sete anos. Todas as vezes que tive na empresa, me limitei a ficar na área administrativa. Minha mãe sempre disse que o restante não era lugar para uma princesa como eu, que não ficava bem uma mulher andar em meio a todos aqueles operários, como ela se refere aos empregados da parte operacional. NACIONAIS-ACHERON
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— Pensando agora, não entendo o motivo de você reclamar do trabalho às vezes. É muito legal! Ele ri mais um pouco de mim. — Reclamo quando temos clientes que mudam de opinião quando o trabalho está finalizado, quando não consigo fechar grandes contratos, quando o faturamento não está como esperado ou quando surge algum imprevisto. No restante, gosto muito do meu trabalho. — Entendi. Convido Ricardo para dar uma volta na praia e ir ao mercado comigo. Quero deixar todos os ingredientes separados para fazer os hambúrgueres antes de ir para o jogo de futebol. Caminhamos lado a lado pela praia e meu ex-noivo se surpreende com a quantidade de pessoas que conheço. — O pessoal aqui é muito receptivo. Me senti muito acolhida por todos. Quando chegamos ao caixa ele insiste em pagar toda conta, assim como fez no restaurante. — Por aqui, dividimos as contas de igual para igual — explico. — Você paga a metade e eu pago a metade. — Era assim com você e o Beto? — Na maior parte das vezes. Nas que eu não tinha dinheiro, eu limpava o apartamento para pagar minha estadia. — Você limpado a casa? Depois de tudo que contou que fez por aqui, não sei como ainda me surpreendo. Voltamos caminhando, carregando as compras. Ricardo queria chamar um táxi, alugar um carro, contratar um helicóptero ou algo do tipo. Tento manter a calma. Eu era como ele, não dava um passo para fora de casa sem carro, imagina carregar as compras do mercado até em casa a pé. NACIONAIS-ACHERON
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Estou guardando as coisas na geladeira e Ricardo está tomando outro banho, quando Beto chega do trabalho. — Querida, cheguei! — anuncia, logo que abre a porta. — Como foi lá, gata? — pergunta, referindo-se à Cida. — Bom e ruim. — Dou de ombros. — É ruim vê-la naquele estado, mas fico feliz por ter vindo, mesmo não podendo ajudar muito, sinto meu coração mais tranquilo. — Coração tranquilo é bom. — Chegou cedo do trabalho — observa Ricardo, voltando do banho. — Onde está trabalhando? — Voltei cedo por causa do futebol. Tenho certeza que ela — diz, apontando para mim. — Não vai perder o jogo por nada desse mundo. — Não vou mesmo — concordo. — Depois vou fazer hambúrgueres para o jantar. Falei para a Cida que iria alimentar vocês dois. — Vai fazer o molho especial? — pergunta Beto. — Com certeza. Sei que é a tua parte preferida! — E batatas fritas? — Sim, Beto. Vou fazer batatas fritas e comprei cerveja. Ele corre me abraçar, beija minha bochecha e fala empolgado: — Se trocar meus lençóis, deixo você dormir mais uma noite na minha cama. Ele percebe que acabou de falar merda, assim que as palavras saem da sua boca. Fico com medo de olhar para o Ricardo. Não sei se será tão fácil explicar que fui para uma boate com o Beto, fiquei bêbada e dormi na cama dele, com ele. — Puta que pariu — Beto resmunga. — Foi mal, gata. NACIONAIS-ACHERON
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Beto me solta do abraço, dá alguns passos em direção à porta cabisbaixo e olha triste para mim. — Vou indo para o futebol, encontro vocês lá. Olho para o Ricardo e ele está petrificado no lugar. — Eu posso explicar — começo. Quase solto “não é o que você está pensando”, seguro minha língua a tempo. — Nos primeiros dias que cheguei aqui, Beto me levou para comprar roupas, depois fomos comer e acabamos indo para uma boate. Queria esquecer que deveria estar casando com você naquele dia. Acabei bebendo demais, fiquei sentimental e queria muito te ligar. Chorei, implorei e entrei em desespero por não poder ouvir tua voz. Havia jogado meu celular fora e Beto não quis me emprestar o dele. Não foi uma cena bonita. Beto ficou com pena de mim e me deixou falar e chorar até adormecer. Não aconteceu nada entre nós, eu juro. Ricardo continua parado no mesmo lugar. Dou um tempo para ele absorver tudo o que falei, depois de vários minutos, fico sem paciência. — Fala alguma coisa, Ricardo. — Preciso de um tempo, Isabel. Vou dar uma volta. Ele se dirige à porta e seguro o braço dele. — Não tem nada com o que se preocupar. Nunca deixei de te amar e nunca iria desrespeitar os meus sentimentos. — Tem que concordar comigo que é difícil digerir que a mulher que era para estar comigo, na nossa noite de núpcias, preferiu estar na cama de um desconhecido chorando abraçada a ele. Colocando dessa forma, realmente tenho que concordar com ele.
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Capítulo 17 É insano o que estou sentindo. Não ter notícias do Ricardo por quase dois dias é loucura. — Não exagera, gata! — Beto diz, sentando ao meu lado depois de me ouvir reclamar por quase meia hora. — Teve notícias dele, só não o viu. Deixa ele ter o tempo dele. Ricardo vai voltar. — Sei o que teus amigos falaram para você! — Eles são confiáveis. — Encaro o Beto e reviro os olhos. — Se eles disseram que ele está hospedado no resort, triste e com cara de paisagem, é porque ele está. — Ele deve estar pensando mil bobagens. — Você explicou para ele? — É claro que expliquei, Beto! Mas pensa comigo, o que você pensaria se tua ex estivesse por aí dormindo na cama com outros homens? Beto fecha os olhos e solta um barulho de agonia. — Desculpa — digo. — Não deveria ter falado isso. — Você sumiu por seis meses, já imaginou o que ele passou, caralho? Beto nunca falou dessa forma comigo, acho que realmente não deveria ter falado da ex-noiva dele. — Desculpa — peço novamente. — Vou lá falar com ele. Vai ficar mais tranquila se eu for? Abro um sorriso enorme e me jogo no corpo dele. NACIONAIS-ACHERON
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— Com certeza! — Deixo mil beijos espalhados pelo seu rosto. — Obrigada! Obrigada! Obrigada! Me animo com a ideia do Beto falar com o Ricardo, mas ao mesmo tempo sinto uma aflição. Eles não são exatamente amigos, só Deus sabe como o Ricardo vai reagir à intromissão do Beto em nosso relacionamento. Depois de cinco minutos que meu amigo sai para conversar com meu exnoivo, a aflição vira pânico. Eu deveria ter criado vergonha na cara e ter ido eu mesma falar com o Ricardo. Troco de roupa e vou para a praia, logo vai começar o jogo de futebol e preciso de alguma coisa para me distrair. Encontro a galera toda reunida conversando e marcando o campo. Mais uma vez o Agulha não está. Faz quase três dias que estou por aqui e ainda não o vi. Se Ricardo não fosse todo certinho, iria convidá-lo para assistir um espetáculo, mas com certeza ele vai ter um pirepaque quando souber que é uma boate LGBT. Escolho o time dos com camisa, mesmo sabendo que o resultado não importa, sei que nosso time é o mais fraco. O time dos com camisa é sempre composto por mulheres, senhores de idade e o pessoal fora de forma. O time dos sem camisa é na maioria os fortinhos e bonitões. O jogo começa. Depois de errar duas vezes o pé da bola, tento me concentrar no que estou fazendo. Sempre descarreguei toda minha aflição e frustração nesses jogos, hoje faço a mesma coisa. Corro, chuto, caio, perco a bola, consigo roubar duas vezes a bola de um cara que diz jogar muito e me divirto. Volto à descontração dos meses que passei aqui em Cumbuco. Divido um lance com um cara que tem duas vezes o meu tamanho, ele sai com a bola e eu caio de bunda no chão. — Ai, droga! NACIONAIS-ACHERON
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Vou ficar com uma mancha roxa horrível e dolorida na bunda. — Isabel! — Ricardo fala apavorado. E me ergue em seu colo. — Se machucou muito? Está doendo? O cara era muito grande! Você não deveria estar... — Estou bem — interrompo o sermão. Não tinha percebido que ele estava observando o jogo. — Vou ficar com um hematoma, mas isso é tudo. Ele caminha para fora do campo, mas continua me segurando em seus braços, aproveito e o abraço. — Ricardo... — começo. — Precisamos conversar — ele completa. Concordo com a cabeça. — Mas não aqui, esse não é o melhor lugar. Olho ao nosso redor. Têm umas trinta pessoas jogando, conversando, caminhando e descansando ao nosso redor. Uma interrupção com certeza irá acontecer. — Vamos voltar para casa — sugiro. — Aquela não é a nossa casa, Isabel. Faltam dois dias para a gente ir para nossa casa. Espero que os hambúrgueres sejam realmente bons, ainda está me devendo um jantar. Sorrio com a forma do Ricardo me convidar para jantar na casa que era para ser nossa, com a expectativa de ter uma conversa franca e direta com ele e com a nova oportunidade que teremos. — Eu poderia te beijar agora — arrisco. O sorriso enorme, brilhante e confiante que recebo, não me deixa dúvidas que ele quer isso tanto quanto eu. Beijo sua bochecha demoradamente, beijo o canto da sua boca e quando chego aos seus lábios, ele me recebe prontamente. Seus lábios acariciam os meus, sua língua me invade e busca pela minha. Somos perfeitos juntos. NACIONAIS-ACHERON
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Tivemos muitos anos de treino, isso nos levou à perfeição. Alguém grita “GOOOLLLLL” e nos tira do nosso mundo particular. — É melhor sentarmos para assistir o restante do jogo — sugiro. — Sentar é uma boa ideia — ele fala, ajustando a bermuda e deixando um beijo leve nos meus lábios. Sentamos na beira do campo. Ricardo segura minha mão e mexe na minha aliança. — Nunca tirou? — pergunta. — Não. — Por quê? — Quando precisei de um tempo para descobrir quem eu sou, a única coisa que eu tinha certeza era o meu amor por você. A aliança representa nosso amor, nossa cumplicidade, nosso vínculo e nossos laços. Não pude me desvincular. Ele abre a mão e mostra a aliança que também ainda sustenta em seu dedo. — Não vou mentir — fala. — Minha primeira reação quando percebi que havia me abandonado, foi tirar a aliança e jogar ela fora. Realmente tirei, mas não consegui jogar ela fora. Não queria aceitar que nossa separação era para sempre. Uma lágrima corre pelo meu rosto e enxugo rápido. — Desculpa, não queria chorar — digo. — Você chora muito agora — ele observa. — Está tudo bem? — Beto me ensinou que não há problemas em demonstrar minhas emoções. Minha mãe sempre falou que chorar é sinal de fraqueza, que ninguém quer uma pessoa chorona ao redor. Beto, por outro lado, diz que é normal, que as NACIONAIS-ACHERON
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lágrimas demonstram que tenho sentimentos e que me importo. — Beto é estranho — Ricardo constata. — Muitoooo! — Falo rindo. — Você gosta dele? A pergunta me pega desprevenida. Penso antes de responder. — Gosto. Gosto muito! Ele é estranho. Me faz limpar a casa, tem tara por lençóis limpos, ocultou que é uma pessoa rica e famosa, não fala sobre a vida pessoal dele, mas ao mesmo tempo me ajudou muito. Ele e a Cida me receberam de braços abertos e me ensinaram muita coisa. Demonstraram um carinho que minha família nunca demonstrou. — Teu pai te ama. — Sim, acho que sim — Penso na forma carinhosa que ele me tratava. — Porém suas demonstrações de afeto nunca passaram de me chamar de princesa e me ostentar para os amigos. Ele nunca tirou um tempo para ler uma história para mim, nunca se preocupou em me ensinar a pintar, desenhar, andar de bicicleta, ser uma pessoa melhor ou qualquer coisa do tipo. Nossa família sempre foi perfeita para quem olha de fora, mas para quem vive nela sabe que é apenas aparência. Ricardo ri. — Não ri, Ricardo. Para mim é importante tudo isso. Ele para no mesmo instante. — Não estou rindo de você e das coisas que me falou. — Ele segura meu rosto entre suas mãos e olha em meus olhos. — Eu nunca faria isso. Estou rindo porque concordamos em ter essa conversa em outro lugar, em outro momento, no entanto... Sorrio. Ele tem razão. NACIONAIS-ACHERON
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— Quem sabe é melhor eu ir despejando tudo o que penso e sinto aos poucos. Estou com medo que no final você suma por dias. Ricardo fica olhando para mim por um tempo interminável sem falar nada, apenas pisca freneticamente. Percebo que essa possibilidade não é tão remota. — E aí casal? Não vão jogar mais? — Beto pergunta e senta ao nosso lado. Ricardo desvia seu olhar do meu, mas nossas mãos continuam entrelaçadas. — Não sou muito bom em futebol. Beto gargalha. — Duvido que seja pior do que ela — fala, apontando para mim. Dou um peteleco em seu braço e faço cara de ofendida. — Beto! — Quê? Só estou sendo sincero — ele se defende. — Quem foi que me ensinou que o resultado não é importante? Que o que vale é me divertir? Que muitas vezes o que planejamos não vai dar certo, mas nem por isso devemos desistir ou não tentar? Quem disse que se estiver nos fazendo bem, devemos continuar tentando? — pergunto. Ricardo começa a rir. — Falou a pessoa que depende apenas de resultados vitoriosos para viver — Ricardo diz. Beto se junta as gargalhadas do Ricardo. — Sou muito hipócrita mesmo! — O que aconteceu com a tua carreira? — pergunto. — Não quero falar sobre isso — Beto responde. NACIONAIS-ACHERON
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— Que novidade! Você nunca quer falar sobre a tua vida pessoal — constato. — Falou a pessoa que fugiu dias antes de casar sem falar o que sentia para o próprio noivo — Beto joga na minha cara. Não vou mentir que a realidade me atinge como uma facada bem no meio do meu peito. — Touché! — concluo. — As conversas de vocês sempre foram assim? — Ricardo pergunta. — Não! Às vezes a gente ficava dias sem conversar — Beto responde. — Estou conhecendo os sentimentos e vontades da Isabel mais nesses últimos dias do que em todos os anos que convivemos — Ricardo diz para o Beto. — Só não entre em desespero. No fundo, bem no fundo, lá bem no fundo, ela é legal — Beto responde entre risos. — Vai se foder, Beto! — digo e dou outro peteleco nele. — Você sabia que ela fala palavrões agora, Ricardo? — Beto pergunta, inabalado com o peteleco. — Percebi. A mãe dela vai surtar — Ricardo responde. — Um conselho — Beto diz. — Não fale sobre o que a mãe dela pensa, fala ou com a forma que quer que a gata se porte. Ela odeia! — Anotado! — Podem parar de falar de mim como se eu não estivesse aqui? — Vamos jogar futebol, quero ter certeza que sou melhor que você — Ricardo fala, me puxando para ficar de pé. Esqueço que estava tentando parecer chateada. Ele querer participar das NACIONAIS-ACHERON
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atividades simples e descontraídas aqui de Cumbuco me trazem um pouco de esperança. Pode ser que ele não seja aquele cara todo certinho, engomadinho, sério e polido que eu imaginava. Entramos no campo e, sem pestanejar, Ricardo e Beto escolhem o time dos sem camisa. Odeio ter que dividir a visão perfeita do corpo do Ricardo com todo mundo, mas como ele está tentando entender minhas mudanças, não falo nada. Apenas me corroo por dentro. Para piorar a situação, Ricardo parece que joga futebol há anos. Ele faz até um gol. Homens devem nascer com o instinto pelo futebol, ele joga muito melhor do que eu. Está praticamente escuro quando resolvemos voltar para casa. Amanhã vou ao hospital ver Cida novamente e me despedir dela. As condições não são as mais favoráveis, é melhor eu estar preparada para nunca mais vê-la. — GATA! GATAAAAAA! Olho para trás e vejo Agulha vindo em nossa direção. — Agulha! Achei que não iria ver você! Ele sai correndo, me pega no colo, dando um verdadeiro abraço de urso e rodopiando comigo em seus braços. — Estava com umas paradas aí — ele fala e me solta. — Tá mais gata do que nunca! Antes do Agulha falar alguma bobagem, apresento o Ricardo. — Agulha, deixa eu te apresentar. Esse é Ricardo. Ricardo, esse é Agulha, amigo do Beto e meu amigo. Os dois trocam um aperto de mãos e não demora para meu amigo entender. — Caralho! Ricardo, o noivo? Não sei o que devo responder. Não conversamos ainda, não tenho ideia se NACIONAIS-ACHERON
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devo confirmar ou não que ele é meu noivo. — Sim, o noivo — Ricardo responde por mim. Meu coração palpita quatro vezes mais rápido. Ele é o NOIVO! — Vocês precisam ir ao espetáculo hoje! Vai ser perfeito ter a tua participação especial! Precisamos mostrar a ele como você dança bem. — Agulha... — falo em tom de advertência. — Essa mulher é um escândalo! Nunca vi uma pessoa sensualizar como ela. — Espetáculo? Sensualizar? Ricardo está completamente perdido. — Não é nada demais — tento abafar. — Nada demais... Sua noiva abalou corações quando estava participando do nosso espetáculo de dança em uma boate LGBT! Ela não contou? E a bomba foi lançada e explodiu sem eu conseguir ter uma atitude para impedir. Continuo olhando para o chão. Não quero ver a expressão do Ricardo. O silêncio que se segue é apavorante. — Não, ela não contou — Ricardo responde, de forma fria e distante. — Foi bom te conhecer, Agulha. Vou entrar, preciso de um banho. Ele vira e caminha em direção a casa. — Ricardo — chamo, ele não olha. — Foi mal, gata. Achei que já tinha contado. — Não, não tinha contado. — Deixo um beijo na bochecha do Agulha. — Vou lá tentar reparar o estrago. NACIONAIS-ACHERON
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Entro na casa e Ricardo está sentando no sofá com a cabeça baixa, pensativo. Sento ao seu lado. — Posso explicar. Não foi nada demais... — Casal, cheguei! — Beto anuncia, entrando pela porta. — Em casa, Isabel. Em casa conversamos — Ricardo deixa um beijo em minha testa e vai tomar banho. — O que foi agora? — Beto pergunta. — Encontramos Agulha. Ele contou sobre minhas participações na boate. — Porra, Isabel! Ainda não tinha contado? Levanto e encaro o Beto. — Você fala como se fosse a coisa mais fácil do mundo falar para o homem que abandonei, praticamente no altar, e estou tentando reconquistar, que participei de um show erótico em uma boate LGBT! — Realmente, é muito mais fácil colocar tudo embaixo do tapete e manter segredos — diz, em tom irônico. Minha boca abre e fecha mais de vinte vezes. Não tenho como discutir com isso. Eu deveria ter contado. Odeio quando Beto tem razão.
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Capítulo 18 As lágrimas caem mais uma vez pelo meu rosto. Não as culpo. Não posso dizer que meus últimos dias foram bons. Entre minha despedida da Cida e o afastamento cada vez maior do Ricardo, não sei qual me deixa mais triste. A despedida da Cida, não sei se será por um tempo, ou para sempre. Os últimos exames mostram um quadro de infecção. Os médicos ainda não conseguiram localizar a infecção, então não é um bom momento. O afastamento do Ricardo, mesmo sendo cada vez mais gradativo, tenho esperança que eu consiga reverter. Ele me prometeu um jantar com uma boa conversa. Estou contando com minha sinceridade para convencê-lo a me dar uma chance. Quero abrir meu coração e mostrar que indiferente do que sou hoje, meu amor por ele continua enorme, firme e forte. — Está tudo bem, Isabel? — Ricardo pergunta. Estamos no voo de volta e estava fingindo dormir. Sei que Ricardo dorme muito no avião, não queria ser mais uma vez chata e insistir para conversar. Ele já deixou claro que vamos ter uma boa conversa em casa. — Estou — respondo, sem conseguir esconder meu aborrecimento. — Toda essa situação me deixa triste. — Entendo. — Ele afaga meus cabelos. — Nunca é fácil deixar uma pessoa. — Imagina duas — falo, sem pensar. — Isabel — adverte. — Eu sei, eu sei. Vamos conversar em casa. O senhor ao nosso lado bufa e sei que estamos atrapalhando o sono da beleza dele. Mesmo que eu queira esclarecer tudo o quanto antes, tenho que NACIONAIS-ACHERON
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concordar com Ricardo, não é um bom lugar para ter uma conversa sobre nosso futuro. É anunciado os procedimentos para aterrissagem e me sinto aliviada. Cada minuto que passa chega mais perto do momento decisivo. Quando estamos autorizados a desembarcar, pego minha mochila e seguimos para a saída do aeroporto. — Pedro vai vir te buscar, Isabel. Ele quer conversar com você. Não consigo esconder minha decepção. Achei que iríamos direto para a casa do Ricardo e poderíamos ter logo a porcaria da conversa. — Passo te pegar às seis para o jantar? — pergunta. Abro um sorriso nada tímido. — Às seis parece ótimo! Mas não precisa passar me pegar, sei o caminho e preciso passar no mercado antes para comprar as coisas para o hambúrguer. — Me fala o que precisa que peço para a cozinheira comprar. Respiro fundo. Ricardo sendo Ricardo. — Seis horas na tua casa, não se preocupe com o restante! — Isabel, aqui! Escuto Pedro me chamando. Olho para a esquerda e o vejo abanando. — É melhor você ir. Vocês também têm muito o que conversar — Ricardo fala. — Tudo bem. Nos vemos à noite. Aproveito que tem muita gente ao redor para ele fazer uma cena e deixo um beijo leve em seus lábios e o abraço com carinho antes de correr para o Pedro. NACIONAIS-ACHERON
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— E aí, maninha? Como foi lá? — Bom, mas triste. Obrigada pelas passagens. — Estarei sempre aqui quando precisar. Caminhamos abraçados para o estacionamento. Estou achando o máximo essa proximidade nossa. — E você e Ricardo? — ele pergunta. — Vamos conversar hoje à noite. — Ele é meu amigo, mas juro que se ele se aproveitar mais uma vez de você e depois sumir, arranco as bolas dele. Solto uma gargalhada. — Não se preocupe, também me aproveitei do corpo dele. Pedro solta um som estrangulado e balança a cabeça negativamente. Acho que é hora de mudar de assunto. — Ricardo falou que você queria conversar comigo. — Sim, precisamos ajeitar as coisas por aqui. Conversei com papai e mamãe, contei que está de volta. Um calafrio percorre meu corpo e meu coração pulsa freneticamente. — E? — É a única coisa que consigo falar. — Papai quer te ver. Não passei teu endereço, mas acredito que seria bom vocês conversarem. — E mamãe? — Ela continua fingindo que não sabe quem é Isabel. NACIONAIS-ACHERON
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O choque faz com que eu ache que entendi errado. — Ela o quê? — Ricardo não contou, não é? Pedro abre a porta do carro para mim e quase me empurra para dentro. Ainda estou meio paralisada. Ele dá a volta no carro e senta ao meu lado. Somente quando estamos fora do estacionamento, ele volta a falar. — Mamãe teve algum tipo de crise nervosa com o teu desaparecimento e esqueceu que tem uma filha. Ela não se lembra de você. Não sei se gargalho ou choro. Tenho certeza que é fingimento. Parece bem a cara da senhora Catarina fugir dos problemas e encobrir os desajustes da nossa família. — Você sabe que ela está fingindo, não é, Pedro? — Não sei o que pensar, Isabel. No começo achei que poderia acontecer, depois de todos os exames e dos médicos afirmarem que não há nada de errado com ela, juro que não sei o que pensar. — Ela está fugindo da realidade, Pedro. Ela nunca se importou conosco. Apenas as aparências, o que a sociedade vai falar e o que vai sair nos jornais importam. Provavelmente não encontrou uma boa desculpa para minha fuga e resolveu fingir que não existo. — Stela também acha esquisita a forma que nossa família interage. — Stela, hein? Vocês estão saindo? — Não é tão simples — Pedro fala, parecendo triste. — O que é complicado? — Deixa pra lá. Vamos arrumar a tua vida antes. NACIONAIS-ACHERON
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Pedro estaciona em frente ao edifício que estou morando e desce do carro também. Ele me ajuda com minha mochila e senta na cama quando entramos no apartamento. — Vamos começar com a conversa com papai? Odeio admitir, mas prefiro começar com a conversa com Ricardo. — Por que não deixamos a conversa com papai para amanhã, ou depois? — Não vai poder fugir para sempre. — Ele suspira pesadamente. — Quer começar com o teu retorno à universidade? — Seria uma boa opção, mas quero começar com a conversa que vou ter com o Ricardo hoje e depois preciso encontrar um emprego. — Não precisa trabalhar, posso pagar tua faculdade, teu aluguel e tuas despesas. — Quero trabalhar. Não quero mais depender financeiramente de ninguém, Pedro. Quero poder fazer as coisas que sempre quis sem que ninguém jogue na minha cara que controla minha vida. — Eu nunca faria isso — ele diz, chocado. — Pode ser que não, mas não vou arriscar. — Tudo bem, eu entendo. Meu irmão se levanta, me abraça e acaricia meu cabelo. — Não quero que suma novamente — continua. — Promete para mim. — Prometo. — Ok. Amanhã, jantar com papai. Passo te buscar às oito. Vou estar com vocês, não se preocupe. — Obrigada — agradeço, mais uma vez antes do meu irmão ir embora. NACIONAIS-ACHERON
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Olho ao redor e verifico que horas são. Ainda tenho quatro horas antes do meu encontro com Ricardo. Desfaço minha mochila, tomo um iogurte e entro para um banho. Quero estar linda e cheirosa para o Ricardo.
Respiro fundo umas dez vezes, ajeito as sacolas no meu colo e crio coragem para tocar a campainha. Não demora muito para Ricardo abrir a porta com um sorriso tímido. Ele está lindo! Meu ex-noivo está descalço, com a camisa quase toda desabotoada e o cabelo bagunçado. — Exatamente às seis! Torci para que estivesse atrasada — diz, abrindo caminho para eu entrar. Meu sorriso murcha e todos os meus sentidos ficam aguçados. A primeira coisa que me vem à cabeça é que ele não está sozinho. — Cheguei em um mau momento? — Pergunto, espichando meu olhar por todos os cômodos visíveis. — Mais ou menos. — Ricardo fecha a porta e me conduz à cozinha. — Dei uma passada na empresa, acabei me atrasando, cheguei faz uns cinco minutos. Queria estar de banho tomado quando chegasse, para te ajudar no jantar. Todo meu corpo relaxa. — Não se preocupe. Vá para o banho. Começo sem você, mas te espero para fazer a montagem. — Ótimo! Não deu tempo para escolher o vinho, você escolhe? Solto uma gargalhada. — Vinho com hambúrguer, Ricardo? Sério? — Pego as cervejas que comprei. — Trouxe cerveja, prometo que a combinação será perfeita. — Ok — diz, mas não parece convencido. — Vou para o banho, volto em um minuto. NACIONAIS-ACHERON
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Começo a separar os ingredientes que vou ocupar, coloco a cerveja gelar e a campainha toca. Não estou com paciência para ser interrompida esta noite. Ricardo falou que era melhor ter essa conversa em casa justamente para não termos interferência, e agora chega alguém? Vou até a porta pisando fundo e abro sem verificar quem é. Dou de cara para uma Lara estonteante. Ela está com um vestido branco abraçando seu corpo perfeito. Seu cabelo escovado está brilhante e com ondas naturais. A maquiagem não é exagerada, mas perfeitas para salientar seus lábios carnudos e seus olhos brilhantes. Percorro o corpo da mulher que um dia considerei minha melhor amiga e me lembro da roupa que vesti antes de vir para cá, jeans surrado, camiseta enorme e meu tênis furado. Um rabo de cavalo alto completa meu visual descolado. Mesmo com toda essa diferença, não me sinto inferior. Minhas roupas fazem parte da nova Isabel. Da Isabel que escolhi ser e de quem não tenho a mínima intenção de me envergonhar. — Lara! Que bom te ver! Forço um sorriso. — Isabel? Tenho certeza que a última pessoa que ela esperava encontrar aqui era eu. Adivinha? Foi essa sensação que tive alguns dias atrás quando toquei a campainha da casa do meu ex-noivo e minha melhor amiga atendeu vestida com uma camisa dele. — Quer entrar? Cacá está no banho, não deve demorar. Repito exatamente as palavras que ela me disse naquele dia. Quero demonstrar que quem está no comando agora sou eu. Lara parece em dúvida do que falar. Ela está pálida e imóvel no lugar. — Chegamos de viagem hoje — continuo. — Ele teve que ir até a empresa e NACIONAIS-ACHERON
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acabou chegando agora. O jantar vai demorar, mas se quiser entrar será bemvinda, afinal é nossa madrinha de casamento. Sinto o veneno escorrer pelo canto dos meus lábios, a sensação é incrível. Cansei de ser a Isabel boazinha. Ela abre a boca e demora uma eternidade até que as palavras saiam da boca dela. — Estavam viajando juntos? Não consigo saber se a fisionomia é de choque, tristeza, desapontamento, decepção ou tudo junto. — Sim. Foi maravilhosa. Estávamos precisando de um tempo juntos em uma praia paradisíaca. — É melhor eu ir — diz, baixo. — Deveria ter avisado que estaria vindo. — Teria sido melhor — confirmo com um sorriso falso. Não espero ela se afastar para bater a porta na cara da minha melhor amiga. Ricardo aparece na sala logo após eu ter fechado a porta. — Escutei a campainha. Quem era? Lembro que no dia que estive aqui, ele correu na chuva atrás de mim. Fico com medo que a cena se repita. — Ninguém — respondo. — Ninguém? — Eram uns garotos vendendo biscoitos. Ele parece achar estranho, mas não questiona. — Vamos começar o jantar? Estou morrendo de fome — Ricardo fala, NACIONAIS-ACHERON
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sorrindo. — Claro. Vamos para a cozinha e começo a temperar a carne e a fazer a mistura para o molho. — Isso parece nojento — ele diz, olhando para a carne crua. — Tem certeza que sabe fazer? Sorrio com a falta de confiança dele nos meus dotes culinários. — Vão ficar deliciosos, você vai ver. Agora preciso que fatie os tomates, vou te mostrar como é. Começo a fatiar e o mostro o tamanho que ficará melhor no hambúrguer. — Nunca imaginei que iria cozinhar para mim — Ricardo observa, tentando não cortar um dedo. — É legal que você queira dividir comigo. — Ricardo — começo. — Quero dividir toda minha vida com você. Muito mais do que isso, quero dividir meus pensamentos, desejo, sonhos, medos, ambições e conquistas. — Paro o que estou fazendo e meu olhar encontra os olhos do Ricardo. — Quero dividir tudo isso e gostaria muito de ter teu apoio. — Achei que já dividíamos tudo isso — diz, triste. — Não, não dividíamos. Estávamos indo para o mesmo caminho que minha família. Um caminho cheio de frustrações, mentiras, aparências e fingimentos. — Da forma que você fala, parece que nada do que a gente viveu foi real. Me pergunto o que foi mentira e o que foi verdadeiro. Solto tudo o que estou fazendo e caminho até Ricardo. O corpo dele vira para o meu automaticamente e passa os braços em volta da minha cintura. — Passamos momentos maravilhosos juntos. Amo estar ao teu lado, mas não NACIONAIS-ACHERON
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vou negar que em muitos momentos, estava sendo uma pessoa que não sou. Ele fecha os olhos e suspira. — Estou com medo. Medo de saber quais momentos você fingiu. — Também estou com medo — admito. — Mas vamos superar tudo isso juntos. Ricardo abre os olhos e seu olhar parece perdido. Seus olhos azuis estão quase verdes e um piscar louco os domina. — Prometa que nunca mais vai mentir ou fugir de mim, por favor — ele pede. Antes que eu possa prometer, lembro que acabei de mentir para ele. — As mentiras que está falando, são de agora em diante? — Não estou entendendo — diz, confuso. — Desde que voltei, estou sendo o mais sincera que consigo. Sei que não tinha contado sobre ter dormido na cama do Beto ou sobre ter dançado na boate, mas foi só porque ainda não havia surgido um bom momento. Porém hoje... Tenho certeza que vou acabar me arrependendo do que vou falar, apenas não posso começar uma conversa sincera e definitiva com uma mentira. — Hoje... — Ricardo fala, esperando a continuação. — Não eram garotos vendendo biscoitos. Era a Lara. Ricardo fecha novamente os olhos e um som sofrido sai da sua garganta. Merda! Eu sabia que tinha algo errado. — O que aconteceu entre vocês, Ricardo? — pergunto, sentindo todo meu mundo desabar. NACIONAIS-ACHERON
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— Não surta! Pelo amor de Deus, apenas não surta até eu terminar de explicar. Minha vontade é sair correndo e fugir para o mais longe que eu conseguir. Não sei se tenho condições de ouvir o que aconteceu entre eles. Contudo, lembro que ele acabou de me pedir para nunca mais fugir. — Prometo que não vou surtar — digo. — Vamos sentar lá na sala, tenho a impressão que será uma longa conversa. Ricardo entrelaça seus dedos nos meus, leva minha mão até seus lábios, deixa um beijo demorado e me conduz até a sala de estar. — Será longa, mas será verdadeira. Prometo.
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Capítulo 19 Sentamos no sofá e Ricardo faz questão de continuar segurando minha mão. Ele vira de lado para me olhar nos olhos e sinto que também não está confortável com a conversa. — Não sei por onde começar — ele respira pesadamente. — Tanta coisa borbulha em minha cabeça nos últimos meses. — Também me sinto assim — confesso. — Parece que a Isabel e o Ricardo que se conhecem desde que nasceram, que viveram uma grande amizade e se apaixonaram perdidamente, não existem. Não posso discordar dele. Me sinto exatamente assim. Não sou mais a Isabel de há alguns meses atrás, não sei o que aconteceu com Ricardo nesse tempo que fiquei fora e se ainda posso dizer que ele é meu. Somente meu. — Quando Lara me ligou dizendo que você tinha surtado e fugido, entendi um pouco a mensagem que tinha me enviado minutos antes. Faltavam poucos dias para nosso casamento, queria acreditar que era apenas nervosismo de noiva. — Ele faz uma pausa e parece que o sofrimento daquele dia está retornando. — Percebi que estava estranha, diferente, nos últimos dias, mas nunca iria imaginar que não queria mais casar comigo. — Ricardo — chamo, tirando minhas mãos das dele e acariciando seu rosto. — Nunca foi porque eu não queria casar com você. Um sorriso triste e melancólico estampa seu rosto. — Não? Vai dizer que a aproximação do casamento não foi um dos fatores que desencadearam essa busca pelo desconhecido? Penso antes de responder. Ele está certo. Fiquei apavorada de apenas transferir minhas frustrações do relacionamento dos meus pais, para o nosso NACIONAIS-ACHERON
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relacionamento. — Não, não vou negar. Queria saber quem era a verdadeira Isabel, como eu seria sem toda aquela proteção e sem todas as regras impostas pela minha mãe. Quando te liguei e comentei sobre coisas que eu gostaria de fazer, você agiu como ela. Apaziguou meus desejos e agiu como se eu fosse uma menina mimada querendo fazer birra. — Fiz isso, não foi? — pergunta, triste. — Sinto muito por aquilo. Repassei nossa conversa um milhão de vezes. Já havia percebido que algo estava errado, queria tentar contornar da forma mais fácil e menos drástica. Achei que depois que casássemos teríamos tempo para ajustar nossas vidas. Não queria te perder. Não conseguia imaginar o que eu poderia fazer para continuar sendo o amor da sua vida. Fiz tudo errado. Ele levanta, caminha pela sala e fica de costas para mim. Quando fugi, não imaginei que ele iria se culpar. Nunca iria colocar a culpa nele. Culpo a mim mesma, por ser tão condizente com minha mãe, por não ter tido tanta força para justificar minhas escolhas e deixar que ela tomasse conta da minha vida. Culpo minha mãe, por ser tão superficial, viver de aparências e não me dar a possibilidade de escolher o que faria bem a mim e a minha vida. Não culpo o Ricardo. Nunca culpei e nunca teria coragem de culpar. Ele foi apenas mais uma vítima da minha mãe. Ele cresceu vivendo com a Isabel que eu era e acreditou que eu realmente era daquele jeito. Levanto e vou até ele. — Por favor, não se culpe — digo e acaricio seu ombro, na tentativa dele voltar a olhar para mim. — Nasci e fui criada conforme minha mãe acreditava ser correto para uma princesa. Não sei nem se posso culpá-la. Não posso acreditar que ela fez isso por mal. Acho apenas que ela pensava ser o melhor, ou a única forma que ela conhecia. — Você realmente odiava a sua vida? NACIONAIS-ACHERON
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— Muito — respondo, sem dúvidas. Ricardo vira para mim, seus olhos estão marejados de lágrimas e um olhar triste me faz ver que ele está sofrendo junto comigo. — Desculpa por não conseguir te fazer feliz. Meu peito dói. Sinto como se tivesse levado uma facada em cheio no meu coração. Passo meus braços pelo corpo do meu ex-noivo, ele me aconchega em seu peito e choro em silêncio. Não quero mentir, mas a verdade machuca a mim e a ele. — Você me faz feliz. Sou feliz quando estamos juntos, mas... — Mas não é suficiente — ele completa. — Não. Não é. — Nunca mais quero mentir para o Ricardo. Ou para qualquer outra pessoa. Quero ser sincera com as pessoas e comigo. — Quero ser feliz por mim. Depender de alguém para ser feliz, não me parece uma felicidade completa. — Estou com medo — fala e acaricia meu cabelo. Me afasto para olhar para Ricardo. Ele está com medo? Eu estou apavorada! — Estou com medo que não precise mais de mim na sua vida — ele continua. — Medo que não perdoe algumas burradas que fiz. Medo de não me encaixar na vida dessa nova Isabel, que afirma ser. — Também estou com medo. Para ser sincera, estou apavorada! Ainda não sei exatamente quem eu sou. Quero fazer muitas coisas e ter certeza que serei feliz. Os meses que passei em Cumbuco foram para me abrir para a vida. Descobri que coisas simples podem trazer felicidade, nem sempre precisamos de luxo, festas glamorosas, roupas caras e cabelos fabulosos! NACIONAIS-ACHERON
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Ricardo ri da forma que tento imitar a voz da minha mãe quando falo cabelos fabulosos. — Mas ainda não descobri se as coisas que sempre sonhei fazer vão ser tão legais como imagino — continuo. — Tenho certeza que amo tênis, chinelo havaianas, cabelos rebeldes, calça jeans, jogar futebol, surfar, camiseta e hambúrguer com batata frita. Porém, não faço ideia se o curso de engenharia química será tão legal, se trabalhar com isso me fará feliz, se vou conseguir ter um salário decente para pagar meu aluguel e se vou conseguir que se apaixone pela nova Isabel. — Gosto da calça jeans — ele fala, tentando descontrair. — Teu cabelo rebelde faz com que eu tenha vontade de afundar meus dedos nele. — Sorrio. — Pensei que devia ser sincero. Desculpa, a conversa é séria. — Fico mais tranquila que goste de calça jeans. Quando a Lara veio aqui hoje, como uma boneca Barbie, fiquei me perguntando se você sentirá falta de mim vestida como uma. Quando termino de falar lembro que estamos falando de mim, mas nada sobre ele. — A mudança na tua aparência, é o que menos me preocupa. Bom, isso mostra que ele não é superficial como minha mãe. Escolho continuar falando de mim, para depois falar sobre ele. Não quero esquecer, ou deixar para trás, nada dessa vez. — Contei a maioria das coisas que fiz nos seis meses que ficamos afastados. Você pode ver e viver como era minha vida. Acredito que as duas coisas que mais me preocupavam, foram esclarecidas. Participei de shows eróticos em uma boate LGBT e dormi com um amigo na mesma cama. — Forço minha mente para lembrar se tem algo mais que esqueci de mencionar. — Na boate, muitas vezes depois do show, eu ficava para aproveitar a festa. Dancei, bebi e me diverti muito no meio da multidão, mas isso foi tudo. Não lembro de nada agora que você não saiba. — Posso fazer uma pergunta? NACIONAIS-ACHERON
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— Claro. — Será sincera? — Sempre! Nunca mais vou esconder meus sentimentos. — Você transou com alguém nesse tempo? Seguro seu rosto entre minhas mãos, fixo meu olhar em seus olhos e falo pausadamente e com firmeza. — Não. Não transei com ninguém. Sei que não perguntou, mas antes que eu esqueça, beijei um cara. — Ricardo fecha os olhos e solta um som estrangulado. — Foram apenas alguns beijos, mas achei que deveria saber. — Como ele era? — pergunta. Logo em seguida, tapa minha boca e faz cara de nojo. — Não! É melhor não me contar. Já é ruim saber, ficar imaginando será pior. — Entendo — digo, lembrando tudo o que imaginei que aconteceu entre ele e Lara. — Esse é o motivo de eu ainda não ter perguntado o que aconteceu entre você e Lara. Ricardo respira fundo, segura minhas mãos novamente e me leva de volta ao sofá. — Vou contar. Apenas quero que me deixe terminar, por favor. — Tudo bem. — No momento que fiquei sabendo que havia me abandonado, fiquei meio sem reação. Parecia impossível que tudo aquilo estava acontecendo. Teu irmão corria de um lado para o outro tentando te localizar. Minha mãe ficou no telefone um tempo interminável desmarcando tudo o que tínhamos contratado, ligando para os convidados, para os músicos, para a igreja, para sei lá mais quem. A organizadora do casamento estava mais preocupada se iria receber pelo trabalho do que qualquer outra coisa. Tua mãe não falava e teu pai ficava paparicando ela. Me senti como se não estivesse no meu corpo. Fiquei observando tudo acontecer ao meu redor, sem conseguir participar de NACIONAIS-ACHERON
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nada. Completamente alienado. Só conseguia pensar em você, em nós. No que eu tinha feito de errado. Olhava para o meu celular a cada minuto, com esperança que você se arrependesse e me ligasse. Não foram dias bons. — Desculpa — murmuro. — Vários dias passaram comigo sem reação. Meus pais ficaram preocupados e chamaram teu irmão e Gustavo para ajudar a me tirar daquele estado. Imaginaram que seria bom eu ter meus melhores amigos ao meu lado. Não deu certo. Eu sentia a tua falta, me culpava e só queria ficar sozinho. Quando completou um mês que havia sumido, percebi que não iria voltar. Lara estava organizando uma festa na piscina da casa dos pais dela, Gustavo insistiu que deveríamos ir, afinal ela era muito próxima a nós. Foi a pior besteira que fiz na minha vida. As lágrimas escorrem pelo meu rosto livremente. Sinto a dor que fiz ele passar e sinto que a dor será pior quando eu souber tudo o que aconteceu. — Bebi muito — ele continua. — Muito mesmo. Todo mundo ficava me olhando e cochichando sobre você ter fugido. Só queria esquecer que você existia. Queria fazer a dor do meu peito sumir. Perdi completamente o controle. Lara se mostrou, desde o início, muito prestativa e solidária com minha dor. Me visitou muitas vezes nesse um mês. Conversava comigo e tentava me tirar do estado deprimente que eu me encontrava. No dia da festa, quando ela falou que eu não estava bem e precisava respirar um pouco, sair do meio daquelas pessoas, acreditei nela. Não vi problema nenhum em acompanhá-la até o interior da casa. Quando chegamos na sala, ela me puxou para a biblioteca — ele faz uma pausa, respira e sua voz fica baixa. — Primeiro ela tentou me beijar. Vaca! É a única coisa que consigo pensar. — Você beijou ela? — Não! — Alívio invade meu corpo. — Mas... Não vou gostar disso, não vou gostar disso, não vou gostar disso! NACIONAIS-ACHERON
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Tenho vontade de sair correndo. — Mas? — Ela pode ser muito persuasiva quando quer. — Ricardo, apenas fala logo o que aconteceu. O suspense está me matando. — Ela fez sexo oral em mim. MERDA! Tento levantar. Ricardo me puxa de volta e me prensa com o corpo contra o sofá. — Você prometeu que iria me ouvir até o final. — Tem mais? Isso não é o suficiente? Não consigo esconder minha tristeza. — Por favor, me escuta — ele implora. Penso em tudo o que passamos juntos, em como Ricardo saiu correndo quando ficou sabendo que dormi na cama do Beto e que havia dançando na boate. Não quero deixar mais nada sem ser dito entre nós. — Tudo bem, vou ouvir. — Empurro seu peito tentando me afastar um pouco, preciso de espaço. — Pode sair de cima de mim agora? Um sorriso malandro ilumina seu rosto. — Não. Gosto de ter você assim, embaixo de mim. — Ele ajusta nossos corpos e fico completamente coberta pelo corpo perfeito dele. — Não vou colocar a culpa na Lara ou na bebida. Estava bêbado, mas consciente, e sou muito mais forte que ela, poderia tê-la afastado. Naquele momento eu odiava você. Queria que sofresse tanto quanto eu estava sofrendo. Queria te tirar da minha cabeça e do meu coração. NACIONAIS-ACHERON
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— O que aconteceu depois? — Quando ela... quando... — ele se atrapalha todo. — Quando estávamos lá, só conseguia pensar em você. Em como sua boca me beija, como seus lábios são macios... — Não faz isso — peço. — Não compara, por favor. — Falei que seria sincero. Não vou mentir. Comparei o tempo todo. Foi horrível. Percebi o erro que fiz no mesmo instante. Pedi desculpas e não deixei que a situação se prolongasse. Usei a Lara como uma válvula de escape, não me orgulho disso. Na hora ela ficou muito enlouquecida, falou coisas horríveis e me mandou embora. Depois de alguns dias me procurou e disse que entendia, que ela tinha exagerado e que era supernatural eu ainda pensar em você. Acreditei nela. Voltamos a conversar bastante. Saíamos para jantar, para ir ao cinema, ela passava aqui em casa com uma garrafa de vinho tentando me animar toda semana. Nunca mais aconteceu nada entre nós, eu juro! Fico olhando para ele. Ricardo não teria motivos para mentir, ele confessou que ela fez sexo oral nele, por que não contaria se algo mais tivesse acontecido? — Como vocês estão agora? — Essa é a parte ruim. — Meu coração para. — No dia que você retornou, ela tentou me seduzir novamente. Quando saí do banho ela estava vestida apenas com uma camiseta minha. Começou a falar de como estávamos nos dando bem, em como ela se sentia atraída por mim e essa bobagem toda. Achei estranho. Foi quando vi você caminhando pela calçada pelas câmeras de segurança. Entendi tudo na hora. Não tive dúvidas, fui atrás de você. Ela tem me ligado e me procurado muito de lá pra cá. — Vocês têm se encontrado? — Uma vez. Tentei explicar que não sinto nada por ela. Lara parece obcecada por mim e tentando de tudo para eu e você não ficarmos juntos. Eu juro, ainda amo a antiga Isabel. NACIONAIS-ACHERON
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— E a nova? — Não sei, não conheço ela bem o suficiente. Olho para você, e mesmo com toda a transformação na tua aparência, consigo ver a minha Isabel, mas quando você fala, parece outra pessoa. É confuso para mim. — Eu entendo. — Quando digo que entendo, realmente quero dizer isso. — O que vamos fazer agora? — Ainda pensando sobre isso — ele diz, abre um sorriso lindo e confiante. — Tenho uma ideia. Pode ser que o Beto tenha me ajudado um pouco nessa ideia, mas gostei dela. Beto ajudando Ricardo a ter ideias? Isso não vai dar certo. — Tenho até medo de ouvir — digo. — Também tenho medo que não dê certo, mas será complicado voltarmos de onde terminamos. Não consigo mais ver Isabel e Ricardo como éramos antes de tudo isso acontecer. Aí está a confirmação que não sou mais sua noiva. Que teremos um longo caminho pela frente e que ele não tem certeza se ainda pode me amar.
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Capítulo 20 Ricardo levanta com um pulo, segura minha mão e me conduz à porta principal. Ele abre a porta, me coloca do lado de fora e fecha, me deixando sozinha. Que diabos ele está fazendo? Que diabos de plano é esse? Segundos se passam sem sinal do Ricardo. Agora tenho certeza que esse plano doido só poderia ter vindo do Beto. Vou matar ele! Em instante, a porta se abre. Um Ricardo lindo, animado e com um sorriso maravilhoso me recepciona. — Boa noite, Isabel! Sou Ricardo. Tenho 24 anos, trabalho em uma empresa de restauração de carros antigos e fui largado pela minha noiva praticamente no altar. Nunca tive outra namorada, beijei apenas uma outra menina quando tinha quinze anos. Gostaria de entrar e fazer o jantar para mim? Sorrio com o plano dele e do Beto. Não sei se vai dar certo, mas parece divertido começar do começo. — Ricardo, sou Isabel. Tenho quase 24 anos, faço aniversário daqui dois meses. Não estou trabalhando no momento. Moro num cubículo e ando muito confusa com o meu futuro. Sou horrível em relacionamentos. Abandonei meu noivo praticamente no altar. Fui uma péssima namorada! — Não, você não foi uma péssima namorada. — Como você sabe? Estamos nos conhecendo hoje? — pergunto, divertida. — Sei porque ninguém com um rosto lindo como o teu, seria uma péssima namorada. Quase gargalho. NACIONAIS-ACHERON
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— Beijou duas mulheres até agora e foi largado no altar? — Faço cara de pensativa. — Com essa cantada horrível de rosto lindo, entendo o motivo. Ele tenta parecer ofendido. — Vai fazer o jantar ou não? Tenho cerveja. — Adoro cerveja! Ele pega minha mão e me puxa para dentro. Vamos direto para a cozinha e voltamos aos preparativos dos hambúrgueres. Ricardo tenta montar o dele e a pilha de alimentos cai para um lado. — Como eles conseguem levar até a mesa sem despencar tudo? — Você precisa arrumar com cuidado — explico, ajeitando as camadas. — Não é apenas socar tudo aí. Ele se aproxima, sinto seu peito nas minhas costas e fico encurralada entre o balcão e o corpo perfeito dele. Não tenho para onde fugir. Não que eu esteja reclamando, mas imaginei que iríamos mais devagar. Não quero camuflar todos os nossos problemas com sexo. — Esqueci de mencionar, não transo no primeiro encontro. Na verdade, a imagem da Lara ajoelhada em frente ao Ricardo, fazendo sexo oral nele, é muito vívida. Preciso de tempo para esquecer. — Toda regra tem exceção. Sinto seus lábios na ponta da minha orelha. A respiração é curta e quente. Minha pele arrepia. Suas mãos seguram meus quadris e ele me vira de frente para ele. Seu olhar está vidrado em mim e a vontade de beijá-lo chega a ser dolorida. — Não tenho certeza dos meus dotes no quesito beijo, prometo fazer o meu melhor — diz e sua boca cobre a minha. NACIONAIS-ACHERON
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Seus lábios são gentis, sua língua me invade com calma e aproveito nosso segundo primeiro beijo. Amo beijar o Ricardo. Nossas bocas são perfeitas juntas. Puxo ele para mais perto e ele se afasta sorrindo. — Minha ex-namorada sempre dizia que nosso beijo era perfeito, mas tenho que confessar, esse foi muito melhor. Faço cara de dúvida quando entendo a brincadeira. — Não tenho certeza se esse foi o melhor beijo que já recebi — disparo. Percebo que o corpo do Ricardo fica tenso. Seus olhos estão bem aberto e o rosto fica pálido. Esclareço qualquer dúvida que ele possa ter. — Meu exnoivo era um excelente beijador. Acho que vamos ter que nos beijar mais para eu decidir se prefiro o dele ou o teu. Toda a tensão e medo são drenados do corpo do Ricardo. Tenho certeza que ele pensou no cara que falei que havia beijado. Prefiro tirar qualquer dúvida antes de criar mais problemas. — Preciso falar sobre o cara que beijei. Ricardo fecha os olhos e um som estranho sai da sua garganta. — Foi o Beto, não foi? Suspiro alto. Respiro fundo e tento mais uma vez. — Quantas vezes preciso dizer que não houve nada entre mim e Beto? Beijei o Agulha algumas vezes. — A expressão de surpresa no rosto de Ricardo me preocupa um pouco. — No final do show que fazíamos tinha um beijo. Sempre considerei um beijo artístico, técnico, sei lá como chamar. Contei para você, porque achei melhor que soubesse por mim. Imaginei que poderia acontecer do Agulha abrir o bocão e falar de uma forma que pudesse parecer mais que uma parte do espetáculo. Ricardo me olha desconfiado, analisa meu rosto e parece ainda não estar muito certo do que pensar. — Beijo técnico? Ele por acaso enfiava a língua na tua boca? NACIONAIS-ACHERON
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— DEUS! Não! Claro que não. Tá doido? Um sorriso lindo aparece no rosto do meu ex-noivo. Ele deixa um beijo leve em meus lábios, pega a bandeja com nossos hambúrgueres e me puxa pra sala. — Pensei que poderíamos comer aqui na sala de estar mesmo. Fico feliz que ele não queira comer na sala de jantar com toda a formalidade que estamos acostumados. — Acho perfeito! — Tiro meus tênis, pulo no sofá e abro minha cerveja. — O que mais quer me contar sobre você no nosso primeiro encontro? Senti falta das conversas que tinha com o Ricardo, antes de ser meu namorado, ele foi meu melhor amigo. Porém, hoje, nossa conversa é melhor ainda, mais leve, divertida e agradável. — Aí o Gustavo resolveu que deveríamos tentar fazer escalada — ele completa. Faz uns trinta minutos que estou ouvindo as ideias mirabolantes do Gustavo, para tirar Ricardo da tristeza de ter sido abandonado no altar pela ex-noiva malvada. — Escalada? Você? — Pois é. Morro de medo de altura. Ele achou que eu iria ter tanto medo que ia esquecer a tal ex malvada. Fico imaginando a cena e não consigo não rir. Está sendo divertido falar do nosso relacionamento como se fôssemos outras pessoas. — Deu certo? — pergunto, curiosa. — Consegui subir uns oitenta centímetros — ele diz, sério. — Oitenta centímetros? NACIONAIS-ACHERON
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Minha barriga dói de tanto rir. — Quando conseguir parar de rir, pode me ajudar a levar os pratos para a cozinha. Já está tarde, amanhã preciso trabalhar cedo. Levanto e o sigo, levando meu prato. — O que vai fazer amanhã? — pergunta. — Vou procurar um emprego. Preciso trabalhar. Também quero ir até a universidade para ver como funciona o pedido de reingresso. E, com certeza, vou ficar o dia todo olhando para meu celular. Você sabe o que dizem sobre as vinte quatros horas após um primeiro encontro, não é? Quero ter certeza que deixei uma boa impressão. Ricardo me puxa para o corpo dele e seus lábios provocam os meus. — Podemos jantar juntos, aí posso te passar essa certeza. — Vou jantar com Pedro e papai. Ainda não o vi depois do meu sumiço, não posso ficar protelando. — Ele me aconchega em seu peito e beija o topo da minha cabeça. — Sabia que mamãe finge que não lembra que existo? — Posso conversar com ela, se quiser. — Agradeço muito a oferta, mas acho que preciso resolver isso sozinha. — Tenho certeza que ela lembraria de você se soubesse que estamos nos reaproximando novamente — ele diz. Afasto seu corpo do meu e olho séria. Quero que ele entenda o que penso sobre isso. — Aí está o problema! Não quero que minha mãe me aprove somente por estar com você! Ela deve gostar de mim porque sou sua filha! Nenhuma mãe deve gostar de seus filhos apenas em situações que elas aprovam! — Minha voz começa a ficar alguns tons mais alto e estou começando a perder o controle. — Sou tão péssima filha assim que preciso ser algo que não sou? NACIONAIS-ACHERON
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Ricardo me puxa novamente para seu peito. — Não é isso, Isabel. Tenho certeza que ela te ama, ela é apenas diferente em demonstrar seus sentimentos. — Quero te pedir uma coisa. — Fico com medo da reação dele, mas preciso que ele concorde. — Podemos manter nosso relacionamento somente para nós? Seu corpo fica tenso e demora uma eternidade até ele falar. — Quer manter segredo que estamos namorando? — Namorando? Uau! Não sabia que tínhamos voltado a namorar. — Não estamos namorando? — Ele parece perdido. — É nosso primeiro encontro — tento parecer divertida. — Não achei que iria me pedir em namoro tão rápido. Ricardo coloca meu rosto entre suas mãos e seu olhar fica fixo no meu de uma forma profunda. — Não vou deixar você sumir novamente. Não importa se estamos começando do começo, se vamos retomar de onde paramos ou se temos muita coisa ainda para ajustar. Estamos juntos nessa e não vou deixar que nada me afaste de você novamente. Posso me tornar um pouco possessivo, grudento e territorial. É melhor se acostumar com isso. Ricardo parece chateado, zangado talvez. Ele nunca falou comigo da forma firme e direta que está falando agora, fico um pouco preocupada. Deixei muita coisa para trás para me tornar a pessoa que sou hoje. Gosto da Isabel leve, livre e solta que me tornei. Não preciso de alguém em cima de mim novamente. — Não quero ser um fantoche nunca mais na minha vida — digo, firme. — NACIONAIS-ACHERON
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Preciso organizar a minha vida da forma que eu quiser e achar melhor. Não estou te excluindo dela, mas também não vou aceitar que tome decisões por mim. Não quero que nosso namoro seja o motivo da minha mãe me aceitar, meu pai me amar ou de eu conseguir um emprego. Sabe quantas entrevistas fiz desde que voltei? Acha que não sei que seria chamada em todas se por um acaso a notícia do nosso namoro se espalhasse? — Qual é o problema de ter ajuda para conseguir um trabalho? Você nem mesmo precisa trabalhar. Posso pagar tuas despesas e tua faculdade. Isso é tão frustrante. Saio do seu aperto e começo a caminhar pela cozinha. Não quero brigar no nosso segundo primeiro encontro, então tento explicar, mais uma vez, da melhor forma. — Quero uma vez na minha vida poder apenas ser eu, Isabel! Odeio que as pessoas me tratem diferente porque sou Isabel Arantes, filha do ex-prefeito, homem todo poderoso e respeitado, dono da metade da cidade e motivo de portas se abrirem. Se todos souberem que voltamos, além de tudo isso, vai ter a influência do teu sobrenome. Você sabe o que tua família representa para a cidade. Todos simplesmente amam teu pai. É inegável que o currículo político dele, como deputado estadual e fundador do centro de reabilitação para dependentes químicos, trouxe muito respeito e admiração. — Paro de caminhar e olho para Ricardo. Ele parece chocado. — Quero conseguir por mim mesma. — Não entendo. Muitos dariam tudo para ter as facilidades que você tem. — Concordo, mas não eu. Isso tudo vem com uma grande cobrança. Não quero pagar o preço. Não vou voltar a ser a princesinha do papai e seguir as regras impostas. — Não iria te impor regras — ele defende-se. — Sério? Se voltássemos a namorar abertamente, não precisaria ir a eventos beneficentes chatíssimos? Usar roupas desconfortáveis, maquiagens exuberantes, ostentar joias? Eu não precisaria ser agradável com pessoas fúteis que me enojam e sorrir sempre que algum membro importante da sociedade falasse merda? NACIONAIS-ACHERON
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— Isabel... — Promete que não vou mais precisar ir aos chás das “Velhas Gagas” com a tua mãe e fingir que estou muito interessada no curso de pintura de telas ou na última moda lançada em Paris? Ricardo respira fundo, abre e fecha a boca várias vezes, mas nenhuma promessa sai da boca dele. Ele sabe que eu iria ter que me afundar novamente naquele mundo de ostentação e futilidades. — Isso é frustrante. — Muito frustrante — concordo. — Por favor, entenda o meu lado. Quero apenas um pouco de privacidade na nossa vida. É tão difícil assim? — Não sei se a palavra é difícil, mas é... — ele tenta encontrar uma outra palavra. — ... é difícil entender como vamos funcionar se não vamos poder sair de mãos dadas, ir à restaurantes, ao cinema, não ter você ao meu lado quando eu precisar comparecer a eventos, não poder te beijar em público ou qualquer coisa que namorados fazem. Entendo o lado dele, o problema é que ainda não estou preparada para abrir mão da minha liberdade. Sei que provavelmente vou ter que ceder em alguns pontos, mas quero estar com minha cabeça e vida alinhados no momento que isso acontecer. — Você falou que estamos nos conhecendo hoje, que esse é nosso primeiro encontro, tente manter isso em mente. Se não fosse eu sua nova namorada, você iria apresentá-la tão rápido aos teus pais e a todos? Ricardo caminha devagar até mim, ele está com um olhar estranho, profundo, vidrado. Ele puxa meu corpo para o seu e me segura firme. — Se ela fosse tão gostosa quanto você, com certeza eu iria demarcar meu território. — Então é isso? A tua preocupação é em demarcar território? Não seria mais fácil mijar ao redor de mim? NACIONAIS-ACHERON
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Ele bufa. — Não é isso, Isabel! — Então o que é? — Não sei, ok? Não sei como lidar com a situação, com a nova Isabel e com todos os sentimentos que estou sentindo. Para ser sincera comigo, e com ele, também não sei como lidar com tudo isso.
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Capítulo 21 Olho mais uma vez para meu irmão suplicando por ajuda. Não posso acreditar que isso está acontecendo. No início, meu pai pareceu realmente feliz por me ver, mas depois apenas as cobranças vieram. Estamos na sobremesa e ele continua perguntando se não pensei na minha mãe antes de fugir e envergonhar a nossa família. Entendo que ele é o marido dela, que a ama, mas em momento algum perguntou se estou bem, se estou feliz. As únicas coisas que quer saber é se eu não poderia ter imaginado o quão ruim seria minha fuga perante à sociedade, à mídia e como isso seria negativo para nossa família. — Pelo menos pensou que a família do Ricardo poderia muito bem querer acabar com a sociedade na empresa, Isabel? — papai pergunta. — Sabe que aquela empresa é o futuro do teu irmão e do Ricardo! — Pai, acho que está exagerando. Nossas famílias são amigas e unidas muito antes da Isabel e do Ricardo terem um envolvimento romântico. — Meu irmão sai em minha defesa. — E posso cuidar de mim. Poderia muito bem fazer outra coisa. — Não tente diminuir o que sua irmã fez, Pedro! Sua mãe parece em outro mundo nos últimos meses. É difícil ver minha esposa dessa forma. Tudo dentro de mim parece querer explodir. Não fiz tudo isso para ter que aguentar mais e mais cobranças. Tudo continua sendo sobre aparência e status. Tudo se resume ao que minha mãe pensa e quer. Meu pai nem me deixou explicar meus sentimentos e o que me motivou a fugir. Levanto com cuidado e tento manter a voz baixa. — Por que o senhor não faz como a mamãe e finge que não existo? Minhas opiniões, ideias e vontades não importam mesmo. Não acho que vai fazer uma grande diferença. NACIONAIS-ACHERON
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Quando vou virar para sair, ele segura meu pulso. — Senta agora, Isabel! Ou juro que vou fazer como ela e tirar a tua participação na empresa. — Faça isso! Estarei na empresa por volta das onze da manhã para assinar a documentação. Tenha os papéis prontos. Solto meu braço e caminho apressadamente em direção à saída. Escuto meu irmão me chamando, não paro. Entro no primeiro ônibus que está passando no ponto de ônibus e respiro aliviada. Sei que estou como sócia da empresa apenas por estar. Meu irmão e Ricardo têm 15% cada um, tenho apenas 5%. Eles têm cargos importantes e de chefia na empresa, eu apenas sou a filha do proprietário. Minha vontade é correr para a casa de Ricardo e me afundar no abraço aconchegante que ele tem. Mas preciso manter minhas decisões. Falei que queria ser independente e tomar as rédeas da minha vida, não posso correr pedindo ajuda no primeiro obstáculo que encontro. Vou para casa tentar dormir, amanhã será um novo dia, novas oportunidades vão surgir. Preciso estar disposta a abraçar minha nova vida.
Chego na empresa às onze horas em ponto. A recepcionista parece apavorada ao me ver. Provavelmente, acreditou que eu nunca teria coragem de voltar após o que fiz para minha família e para Ricardo. — Papai está aí? — pergunto, sorridente. — Está sim, Isabel. Vou ver se ele pode te atender agora. Sento e espero poucos minutos até que ela retorne. — Todos estão te esperando na sala de reuniões. Não haviam me informado que estavam te esperando. Desculpa, Isabel. Todos? Merda! Não estava pensando em ter um grande espetáculo com a NACIONAIS-ACHERON
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minha saída da empresa. Caminho devagar e tento manter a calma. Não faço parte de tudo isso aqui mesmo. Ter um percentual na sociedade sempre me pareceu mais simbólico do que qualquer coisa. Respiro fundo e abro a porta. — Isabel! Meu irmão é o primeiro a me ver e levanta para me abraçar. — Oi, Pedro! — O abraço de volta e assim que nos afastamos, faço questão de cumprimentar meu pai, meu ex-sogro, Ricardo e um senhor que reconheço como advogado da família, com um aperto de mão profissional. — Espero que tenha dado tempo para fazer toda papelada. Ricardo não parece feliz. Seu olhar com certeza mataria alguém se tivesse esse poder. Ele está tão lindo, mesmo me fuzilando. Seus olhos estão de um azul céu maravilhoso e combinam perfeitamente com sua pele bronzeada. A visão do corpo dele jogando futebol em Cumbuco invade meus pensamentos, tenho vontade de lamber cada pedaço do seu corpo. — Deu tempo sim — meu pai responde. — Eu e Carlos havíamos concordado em passar a administração da empresa para Ricardo e Pedro após o casamento. Como você foi egoísta o bastante e não pensou nas consequências... — Não estou aqui para discutir sobre o cancelamento do casamento — corto rápido. — Basta me dizer onde devo assinar. Ricardo bufa e Pedro respira fundo. — Mana, eles vão dividir a empresa igualmente entre mim e Ricardo. Você não vai mais ter nenhum direito legalmente. Consegue entender isso? Pedro parece decidido a me convencer do contrário. Ele explica os detalhes do novo contrato nos mínimos detalhes. Acho mais do que justo eles dividirem a empresa igualmente entre os dois. NACIONAIS-ACHERON
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— Entendo e acho mais do que justo. Nunca fiz nada para merecer os lucros. Estou feliz por vocês dois. — Olho para Ricardo e volto meu olhar para Pedro. — Vocês merecem, parabéns! — Ela deve estar louca! Ouço meu ex-sogro, Carlos, resmungar. — Tudo bem — Pedro, concorda. — Conversei com Ricardo e fazemos questão de pagar pelos teus 5%. — Agradeço muito a vocês dois, mas não preciso do dinheiro. Arrumei um trabalho e vou conseguir voltar aos estudos somente no início do ano que vem, então até lá, consigo pagar minhas despesas. — Arrumou um trabalho? — Ricardo não consegue esconder a felicidade na sua voz. Ele sabe que é importante para mim. — Qual é a empresa? — Vou ser auxiliar de cozinha em um restaurante lá perto de casa. — Isso só melhora — Carlos, desdenha. — Você não pode trabalhar de auxiliar de cozinha, Isabel! — meu pai praticamente grita. — Por que não? É um trabalho como qualquer outro. Digno e importante... — Pra mim já chega — Carlos interrompe. — Ela é apenas uma garota mimada querendo chamar nossa atenção. Vamos assinar os documentos, assim ela pode brincar de cozinha. Olho para Ricardo e quase sorrio. Espero que agora ele tenha entendido o motivo de eu não querer contar para todo mundo que estamos tentando nos reconciliar. Com certeza, as nossas famílias iriam interferir novamente. Vários documentos são passados para mim, não leio. Rubrico e assino sem pestanejar. Quando todos assinam, meu pai começa a dar os parabéns aos homens da família. Ele fala em fazer uma grande comemoração para que todos saibam quem está à frente da empresa de agora em diante. NACIONAIS-ACHERON
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Parabenizo meu irmão e Ricardo, estou feliz por eles, e me despeço do restante. Estou saindo quando Ricardo levanta e me chama. — Isabel, podemos conversar por um minuto no meu escritório? A sala fica em silêncio. Pelo jeito, somente Pedro sabe que já nos encontramos e viajamos juntos. Pela cara de pavor do meu pai e de espanto do meu ex-sogro, eles estão esperando uma grande briga e uma recusa da minha parte. — Claro! — Por que não saímos para o almoço e deixamos eles conversarem? — Pedro nos ajuda. Os olhares voltam para Ricardo, eles esperam uma confirmação de que é isso mesmo que ele quer. — Isso seria bom. Peço alguma coisa para comer depois. Ricardo não espera mais nenhum minuto, ele segura meu braço pelo cotovelo e me conduz em direção ao corredor. Tento falar alguma coisa, ele interrompe. — Na minha sala. Entramos e ele fecha a porta. Viro para encontrar ele me olhando com amor. — Você sabe o quanto difícil é não poder te beijar, te proteger e te abraçar em uma situação como a de hoje? Abro um sorriso e me aproximo com calma. — Sei. Também é difícil para mim. — Encosto meu corpo no dele e levo minhas mãos ao seu peito. — Fiquei lembrando do teu corpo suado, da tua pele bronzeada, da tua boca... NACIONAIS-ACHERON
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— Isabel... Sorrio com sua tentativa de aviso. Ele parece tão excitado quanto eu. Nunca transamos no escritório dele. Antes eu era a princesinha, não poderia fazer algo assim. Agora, não preciso me preocupar com minha reputação, já ferrei com ela mesmo. Abro o primeiro botão da camisa dele. Ricardo não tenta me parar. Abro o segundo e levo minha boca até sua pele. Beijo e arrasto meus lábios. Quero saborear ele todinho. Tiro sua camisa e jogo em qualquer lugar. — Odiei sair da tua casa ontem, com você chateado comigo. Fiquei pensando sobre tudo o que conversamos. — Beijo seu pescoço, faço um caminho de beijos e contorno o bico do seu peito com a língua. Ricardo geme. — Não foi um bom final para um primeiro encontro. Trabalho para abrir seu cinto e a calça. Ricardo segura os cabelos da minha nuca firme e puxa minha boca de encontro com a dele. Eu amo beijar esse homem! Deus! O que sua língua faz comigo, não pode ser normal. O desejo pulsa entre minhas pernas. — Espero que não tenha nada contra sexo no segundo encontro — diz, mordiscando minha orelha. — Sobre isso — falo, preocupada. — Não foi porque era nosso primeiro encontro. Ricardo me afasta o suficiente para poder olhar em meus olhos. — Qual foi o motivo? Quase me arrependo de ter falado, mas preciso ser sincera. — Fiquei imaginando a Lara... Ele me silencia com um beijo de tirar o fôlego. Seus lábios são macios, mas NACIONAIS-ACHERON
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exigentes. Sua língua desliza com delicadeza, porém é incansável. Seus dentes pressionam com firmeza e o desejo volta com força total. — Nunca mais pense ou fale dela quando estivermos assim — ele sussurra, entre beijos. — Somos apenas nós dois. Não quero lembrar daquele dia e não quero que você duvide do meu amor e desejo por você. Seguro sua ereção com firmeza e massageio por cima da cueca. — Podemos tentar me fazer esquecer — sugiro. Ricardo me presenteia com um sorriso malicioso. — Aqui? Agora? — Claro! Tenho certeza que sua ex-noiva se arrepende de nunca ter deixado o lado princesa delicada pra lá nessas horas. Sinto suas mãos por baixo da minha bunda, ele me ergue e eu passo minhas pernas pelo seu quadril. Ricardo caminha comigo agarrada a ele e me larga na mesa. Ele segura a barra do meu vestido, estilo camiseta e começa a tirar. — Deixa o vestido. — Ele me olha sem entender. — Deixa o tênis e minha calcinha. Podemos ser surpreendidos a qualquer momento, é melhor não arriscar — explico e pisco para ele. Ele parece entender meu ponto. É para ser uma rapidinha cheia de adrenalina e emoção. Suas mãos me puxam para mais perto e fico bem na beirada da mesa. Posso sentir a ereção cutucando minha entrada. Seus dedos me provocam e ele abre um sorriso delicioso. Por que nunca fiz isso? Por que ser tão recatada, delicada e contida? Ricardo abaixa sua calça junto com sua cueca o suficiente para liberar sua ereção. Ele afasta minha calcinha para o lado e sem aviso, me invade. Solto um grito sem querer. Ele debruça seu corpo sobre o meu e me silencia com um beijo. NACIONAIS-ACHERON
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— Quieta — pede, entre beijos e mordidas. — Alguém pode querer vir ver o que está acontecendo. Uma corrente de eletricidade passa pelo meu corpo. A excitação só aumenta. Puxo ele para mais perto, para mais fundo. Estou amando a forma meio dura e descontrolada que ele está entrando em mim. Sempre amei o sexo entre nós, mas hoje, hoje é diferente. Hoje não tenho segredos com ele, não tenho ressalvas, não tenho nenhuma voz dentro de mim dizendo que devo me comportar. — Não há lugar melhor do que dentro de você — ele diz e volta a me beijar. A emoção toma conta de mim. Ele tem razão, não importa onde estamos, ter ele dentro de mim, torna o lugar perfeito. O momento inesquecível. — Eu te amo, Ricardo — consigo dizer antes de explodir em um orgasmo intenso. Ricardo intensifica os movimentos e praticamente rosna na minha boca quando encontra a libertação. — Uau! É a única coisa que vem em minha cabeça. Meu corpo está mole embaixo do corpo dele e minha mente vazia. — Vou sair de você e levantar. Devo estar te machucando. — Estou bem, Ricardo. Não sou tão frágil. — Ainda bem! Teria te quebrado ao meio se fosse frágil — diz e beija meu pescoço. A respiração irregular e o sobe e desce do seu peito começam a ficar menos perceptíveis. — Precisamos nos mexer. — falo, sem mexer um dedo. — Alguém pode entrar na tua sala. NACIONAIS-ACHERON
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— Não tenho a mínima vontade de sair daqui. Sempre quis transar na minha mesa. — Por que nunca falou para tua ex-noiva? Ele levanta com cuidado, me olha receoso e parece pisar em ovos quando fala. — Nunca achei que ela iria topar. — Ainda bem que está comigo agora! Amei transar na tua mesa! — Sorrio, levanto e começo a arrumar minhas roupas. Ricardo fica encostado na mesa me observando. — Posso pensar em pelo menos uns vinte lugares que poderíamos fazer. Tenho certeza que vocês nunca fizeram. Ele ajusta a cueca e a calça e faz cara de sofrimento. — Droga, Isabel! Já estou pronto de novo. — Já? O sexo entre nós sempre foi muito bom, mas não tinha ideia desse nosso lado devasso e insaciável. Caminho lentamente até ele, passo meus braços pelo seu pescoço e coloco minha boca bem perto da dele. — Têm ou não têm vantagens em namorar uma pessoa nova? Em não ter a mesma namorada a vida toda? Ele segura minha cintura, crava os dedos em mim e fala bravo. — Não me provoca! O telefone toca e Ricardo bufa antes de atender. — Oi — diz e escuta. — Aqui? — Ele revira os olhos e bufa novamente. — Pede para ela esperar um pouquinho. Já vou atender. NACIONAIS-ACHERON
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Quando ele solta o telefone, pega meu rosto entre as mãos e olha diretamente nos meus olhos. — Lara está na recepção querendo falar comigo — explica e espera minha reação. Não falo nada. — Gostaria muito que ficasse aqui comigo e depois eu te levaria para almoçar. O que acha? Seria bom ficar e ver o que minha “melhor amiga” tem para falar com meu noivo — ou melhor, ex-noivo — mas, por outro lado, preciso demonstrar que confio nele. Estou pedindo que ele confie em mim, que me dê espaço, que aceite minhas mudanças e que mantenha nosso relacionamento em sigilo, não custa demostrar um pouco de fé nele. — Confio em você! Tenho que ir para casa trocar de roupa e me preparar para o meu primeiro dia de trabalho. Começo às quatro. Conversamos mais tarde. — Tem certeza? Não quero que fique imaginando... — Confio em você — interrompo e repito com mais convicção. — Conversamos mais tarde. Deixo um beijo leve em seus lábios e viro para sair. — Te amo, Isabel! — Diz, antes de eu abrir a porta. Sorrio. Sei que ele não pode ver meu sorriso, por isso não me importo por ser um sorriso cheio de superioridade, triunfo e prepotência. Lara não tem a mínima chance de se dar bem. Não hoje depois do que acabamos de fazer. Ricardo tem meu cheiro, meu gosto, meu prazer na pele dele. Saio sorrindo e encontro Lara na recepção. Ela me olha com espanto e parece ter visto um fantasma. — Isabel? — Oi, Lara! Ricardo está te esperando, ele é todinho teu — falo e pisco. NACIONAIS-ACHERON
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Deixa ela entrar na sala cheia de confiança. É o que dizem, quanto maior as expetativas, maior o tombo.
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Capítulo 22 Meu nervosismo começa a passar quando percebo que a cozinha que estou, não é tão diferente da cozinha da Cida. Claro, aqui o cardápio é um pouco mais cheio de carnes, e com menos peixes e frutos do mar, mas as diferenças se restringem apenas ao cardápio. Assim como em Cumbuco, tenho um colega atrapalhado que derruba coisas pelo chão e queima o dedo a cada cinco minutos. Tenho uma colega de mal com a vida, que reclama de tudo e bufa cada vez que alguém chega perto dela. Também tem o cozinheiro camarada que está me ajudando e me orientando no meu primeiro dia. Gostei do Bruno, o cozinheiro, de cara! Ele deve ter no máximo quarenta anos, é alto, muito alto, magro, pele branca como a neve e com duas bochechas rosadas, bem rosadas. Imagino que deve ser pelo calor excessivo dos fogões. Ele me explica cada tarefa que espera que eu faça e sempre completa com, “não se preocupe, qualquer coisa é só chamar”. O chef, que comanda a cozinha, não parece tão amigável como Bruno. Todos parecem ter medo dele. Não sei se é pelos seus gritos ou pelo seu tamanho. Tenho quase certeza que ele pesa mais de cento e vinte quilos! O cara é enorme! — Isabel? — Pulo com a forma que o chef grita meu nome. — Esse é o último pedido. Depois pode ajudar na louça e ir para casa no horário. As horas extras não estão liberadas, custam muito caro! Concordo com a cabeça e fico um pouco aliviada por ele não ter mais nada para me dizer. Gostaria de saber como me saí em meu primeiro dia de trabalho, mas não acho que saber pelo chef seria uma boa ideia. Ele parece saber apenas latir. Separo os ingredientes para o próximo prato, confiro duas vezes para que tudo esteja perfeito, e me junto a uma colega de trabalho que fica NACIONAIS-ACHERON
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exclusivamente com a parte de lavar a louça. — Posso ajudar? — pergunto. — Com certeza! A máquina de lavar está mais uma vez estragada. Não que eu conte muito com ela — ela suspira e me alcança um pano. — Aquela porcaria vive estragada... Ela continua falando sobre a máquina e seus mil e um defeitos, sorrio de vez em quando, para mostrar que estou ouvindo e absorvo tudo ao meu redor. Auxiliar de cozinha não teria sido minha primeira opção de trabalho, mas não tenho como ficar escolhendo muito. Logo meu dinheiro vai acabar e não posso me dar ao luxo de passar o dia de folga em casa. Olhando agora, para cada um dos meus colegas, não é tão ruim. Eles me receberam bem, sem grandes problemas ou atritos. O restaurante não é chique e nem badalado, mas é legal. É servido em torno de cento e trinta jantares nas noites de quarta-feira, sexta-feira, sábado e domingo. Além dessas noites, vou trabalhar na quarta-feira durante o dia, para ajudar no recebimento e organização dos alimentos. Acredito que não vou ter problemas com horários e nem com o trabalho, tudo parece ter corrido bem hoje. Quando o relógio marca onze horas, me apresso para sair. Não quero ultrapassar meu horário e dar motivos para ter problemas no meu primeiro dia. Tiro as roupas obrigatórias para entrar na cozinha, coloco um casaco fino e saio para a escuridão. A distância entre meu apartamento e o trabalho dá em torno de quatro quadras, o que é mais um ponto positivo, pois vou economizar com transporte, indo caminhando, e com comida, jantando no restaurante. Não consigo chegar até o final da primeira quadra quando uma mão segura minha cintura e me puxa de encontro a um corpo duro e definido. Grito o mais alto que consigo. NACIONAIS-ACHERON
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— Oi — meu agressor sussurra no meu ouvido. — RICARDO! — Levo a mão ao meu peito e tento controlar minha respiração. — Quer me matar de susto? Ele ri e me vira para abraçá-lo. — Você disse que iríamos conversar mais tarde — justifica. — Não perderia teu primeiro dia de trabalho por nada desse mundo! Ricardo me oferece um botão de rosa vermelha e um bombom. — Para mim? O que andou aprontando? Ele gargalha. — Vou fingir que não ouvi — diz e deixa um beijo em meus lábios. — Parabéns pelo trabalho! O sentimento de paz interior me domina. Nunca imaginei que Ricardo iria me apoiar e entender que preciso seguir com as minhas próprias pernas. — Isabel, não quero ser estraga prazer, mas é melhor a gente ir lá para casa para você tomar banho. Teu cabelo tem um cheiro de fritura horrível. Tudo bem, quem sabe ele me apoie, mas não esteja preparado para tudo o que vem com meu novo trabalho. — Vou tomar banho sim, mas na minha casa. — Por quê? — Porque é a minha casa. Porque estou cansada, querendo um longo banho e uma cama quentinha. Porque amanhã você tem que acordar cedo e eu quero dormir até o meio dia... — Por que você está chateada que a Lara foi até a empresa? Penso antes de responder. Não vou negar que passei a tarde todinha pensando NACIONAIS-ACHERON
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o que ela foi fazer na empresa, o que queria falar com Ricardo e o que aconteceu, porém, esse não é o motivo de eu querer ir para a minha casa ao invés da dele. Estou gostando de ter o meu canto, as minhas coisas e alguns momentos somente meus. — Não, Ricardo. Não estou chateada. A culpa não é sua por ela ter ido lá te procurar. Será sua culpa se ela continuar voltando e voltando, sem parar. Ele fecha os olhos e geme. — Sobre isso... Todos os meus instintos ficam ligados. — Sobre isso? — Vamos ter um evento beneficente, fui escolhido como homenageado por toda história da minha família e... — E? Ele respira fundo e solta tudo de uma vez. — Ela foi me comunicar e se ofereceu para ser minha acompanhante, uma vez que não tenho mais uma noiva. Merda! Lara é mais cobra e traiçoeira do que imaginei. — Você aceitou a oferta dela? Ricardo olha para os dois lados, pisca incontrolavelmente, demonstrando seu nervosismo, e não olha para mim quando fala. — Não acho uma boa ideia conversamos sobre isso aqui, no meio da rua. Vamos lá para casa. — Não faz sentindo sairmos daqui, que são poucas quadras do meu apartamento, e ir para a tua casa, que é do outro lado da cidade. NACIONAIS-ACHERON
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— Tudo bem, mas entra no carro. Não quero que fique caminhando por aqui tão tarde da noite. Não discuto, entro no carro. — Como você sabia qual era o restaurante e o horário que iria terminar meu trabalho? — Você voltou a usar o celular, ele tem GPS. Foi fácil encontrar o número do telefone do restaurante na internet, ligar e perguntar até que horas iria trabalhar. — Tenho que mudar o número — digo, mais para mim do que para ele. — Não precisa fazer nada. Pedro transferiu tua conta de telefone para débito na conta particular dele. Eu teria feito isso, se não achasse que você iria ficar muito chateada e fosse ficar claro que estamos juntos novamente. Não vou argumentar, depois vejo isso com Pedro. Ricardo estaciona o carro e não espero ele abrir a porta para eu descer. Caminho procurando minhas chaves e Ricardo me segue. Quando chegamos ao apartamento, não perco tempo, vou direto ao ponto. — Aceitou ou não a oferta dela? Ricardo segura meu braço e me puxa para sentar no colo dele na cama. — Você falou que confiava em mim, então fiz o que achei ser a melhor coisa. O pânico começa a tomar conta do meu corpo. Se fosse algo bom, ele não estaria cheio de dedos para me contar. — Só fala a verdade, Ricardo. — Falei que não podia ir com ela porque estou saindo com outra pessoa. — VOCÊ O QUÊ? NACIONAIS-ACHERON
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— Estou saindo com outra pessoa! — Ele aperta o abraço e beija meu pescoço. — Não falei o nome da minha nova namorada. Ainda é meio recente, mas é bom que Lara saiba que não estou disponível. Não sei se dou risada ou se choro. — Não preciso dar detalhes do meu novo relacionamento para ela. Minha nova namorada é um tanto quanto estranha, diferente e com um cheiro enjoativo. Não sei se vai dar certo... — Estranha? — pergunto, divertida. — Achei que estaria surtando, por eu ter falado que estou de rolo com alguém, você está rindo. Sim, definitivamente, minha nova namorada, é estranha. Levanto do colo dele e começo a arrumar minhas coisas para tomar banho. — Não vou surtar. Se achou que essa era a melhor saída, vou confiar em você. Quando é esse evento? — Daqui um mês. — Não tenho certeza se estaremos prontos para assumir nosso namoro daqui um mês. Já pensou nisso? — Pensei. Contudo, acho que temos coisas mais importantes para ajustar. Solto o pijama que havia separado para colocar após o banho e volto para perto de Ricardo. — Obrigada por me entender. — Não consigo te entender ainda, Isabel. Apenas estou tentando. Estou morrendo de medo que tudo isso não dê certo e que fuja novamente. Meu peito dói e meu coração se contorce. Fui eu quem colocou todo esse medo e essas dúvidas no Ricardo. Precisamos NACIONAIS-ACHERON
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construir um relacionamento muito mais forte e sólido do que tínhamos antes. Um relacionamento que não seja baseado em aparências, beleza e na opinião dos outros. Um relacionamento que possamos ser nós mesmos. — Obrigada por tentar — agradeço. — Já que estou sendo tão querido e compreensivo — ele fala, dengoso. — Posso tomar banho com você? Gargalho. Acho que Ricardo nunca viu o tamanho do meu banheiro. — Deu uma olhada no tamanho do meu banheiro? Nem em sonho caberíamos os dois lá dentro.
Acordo com o barulho insistente do meu celular. São apenas nove da manhã e Pedro já ligou umas cinco vezes. Alguma coisa deve estar errada. — Oi, Pedro. — Até que enfim, Isabel! — Comecei trabalhar ontem, fui dormir tarde. — Tinha esquecido — fala, mais calmo. — Como foi o trabalho? — Foi legal. Pelo menos não envenenei ninguém. — Que bom — diz, não muito animado. — Precisamos conversar. O tom de voz deixa claro que alguma coisa aconteceu. — O que foi agora? — Ontem, no jantar, papai falou sobre teu retorno e sobre ter passado a empresa para o meu nome e o nome do Ricardo. Mamãe fingiu não estar ouvindo, mas quando ele disse que Ricardo pediu para falar com você e vocês pareciam amigáveis, ela pediu para eu marcar um encontro entre vocês NACIONAIS-ACHERON
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hoje. Acho que é nossa chance de arrumar as coisas, pelo menos uma parte das coisas, na nossa família. Então é isso? Se eu voltar a ser uma ótima namorada, uma noiva excelente e uma esposa incomparável para o Ricardo, serei novamente a filha de Catarina Arantes? Todos os nossos problemas serão solucionados e ela vai lembrar que tem uma filha novamente? — Você poderia fazer isso por mim, Isabel? Faço qualquer coisa para ter você de volta lá em casa. — Não vou voltar morar naquela casa, Pedro. Ele suspira alto. — Um café no fim da tarde é tudo o que peço. Por favor, por mim. — Ok, posso almoçar com ela hoje. No final da tarde tenho que trabalhar. — Muito obrigado. Passo te pegar ao meio-dia. Te amo. Ele não deixa tempo para respostas, desliga como se tivesse medo que eu mude de ideia. Levanto e vou para o banho. Esse encontro já está me dando calafrios. Depois de tomar banho, comer uma fruta e estar pronta para reencontrar minha mãe, mando uma mensagem para o Ricardo. Vou almoçar com mamãe. Se não tiver mais notícias minhas, é melhor comunicar a polícia. Em menos de cinco minutos recebo uma resposta. Não tem graça, Isabel! Estou com um cliente, mas se precisar, me liga. Te amo. NACIONAIS-ACHERON
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Releio a mensagem umas dez vezes. É estranho estarmos trocando mensagens e tendo mais contato agora, do que tínhamos antes. Antes nossos encontros eram sempre sobre grandes eventos, idas ao clube, encontros de família e qualquer coisa ligada a aparecer em público. Agora, nosso relacionamento é sobre nós. Sobre estarmos juntos, sobre nos apoiarmos no dia a dia e sobre a vontade de ter um ao outro como companhia, sem nos preocuparmos em ficar apenas entrelaçados em uma cama minúscula ou no sofá. Ao meio-dia em ponto, Pedro chega para me buscar. — Você vai assim? Olho para minha roupa. Calça jeans, camiseta, All Star e rabo de cavalo. — Sim, vou. — Teria como colocar alguma coisa mais social, mais feminino, mais delicado? — Não. Não vou fingir ser alguém que não sou mais. Ele parece decepcionado, mas não discute. Somente por esse motivo, não discuto quando percebo que o almoço será no restaurante do clube. Se tivessem perguntado minha opinião, esse seria o último lugar que eu escolheria. Nossa mãe está conversando com algumas amigas na entrada do restaurante, entre elas, Lara conversa animadamente com as senhoras da alta sociedade. Respiro fundo e tento manter a calma. Não posso fazer uma cena, prometi para Pedro que iria me esforçar para ter um almoço agradável. — Isabel! — Lara fala, chamando atenção das mulheres. — Quem bom te ver novamente! Juro, se falsidade tivesse uma fisionomia, seria a cara da Lara! NACIONAIS-ACHERON
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Minha mãe vira e me analisa dos pés à cabeça. Sua expressão de desaprovação e nojo é algo que pode ser percebido de quilômetros. Coloco um sorriso no rosto e cumprimento todas com educação. Pedro explica que tem pouco tempo para o almoço e pede licença para irmos sentar. Ele é meu herói! — É claro, vocês devem ter muito o que conversar — Lara diz. Ela segura minha mão e faz cara de compreensão. — Mas, Isabel, se precisar desabafar, pode contar comigo! Não deve ser fácil saber que seu ex-noivo está com outra mulher tão rápido. Minha mãe e Pedro soltam um grito de pavor no mesmo instante. — Eu vou matar o Ricardo! — Pedro bufa. — Vocês não estão se reconciliando? — Minha mãe completa. Tenho vontade de rir. Era só o que me faltava, Lara querer que eu fique com ciúme do meu próprio namoro com o Ricardo! Vai sonhando... Olho para minha mãe e percebo que apenas eu estou com vontade de rir. Acho que a chance de uma reaproximação, entre mim e mamãe, acaba de ir por água abaixo.
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Capítulo 23 Assim como meu pai, dona Catarina Arantes passa o almoço inteiro falando como fui irresponsável quando não pensei na imagem da família e larguei tudo. — E agora, volta como se nada tivesse acontecido, querendo acabar com o restante de dignidade que ainda temos. — Trabalhar, voltar à faculdade e morar sozinha é acabar com a dignidade? — pergunto. — Pelo amor de Deus! Você não pode estar falando sério! — ela diz, incrédula. — Isabel, tenho certeza que podemos virar a situação. Você precisa apenas de algumas horas em um SPA com manicure, pedicure, depilação, hidratação corporal, um bom corte de cabelo e uma roupa fabulosa para que Ricardo te perdoe. Minha filha, seu pai disse que ele nem parecia tão chateado com você. — A senhora acredita que devo casar com um homem que apenas se importa com minha aparência? — Mamãe... — Pedro diz, tentando advertir que a resposta não é tão simples. — Quem fez essa lavagem cerebral em você? — pergunta. — Como pode ter esquecido tudo o que te ensinei durante todos esses anos? E lá vem ela com o manual para ser uma ótima namorada, uma noiva excelente e uma esposa incomparável. Ela continua falando e falando. Não tenho mais paciência. — Mamãe — chamo, firme e decidida. — Vou fazer faculdade de engenharia. Amo calça jeans, tênis e chinelo de dedo. Vou continuar trabalhando de auxiliar de cozinha. Odeio pérolas, saia lápis e cabelos fabulosos. Quero um homem que não veja apenas minha aparência física, NACIONAIS-ACHERON
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quero alguém que me ame e me aceite por completo. Sinto muito, muito mesmo, que minhas decisões acabaram afetando a vida de todos vocês, mas não vou desistir agora. Não suportava a vida que levava antes. Tenho quase vinte e quatro anos e EU vou tomar todas as minhas decisões de agora por diante. Vocês aprovando ou não. — Isabel... — meu irmão tenta me acalmar. — É isso mesmo, Pedro. Quero que ela saiba como sou agora. Não vou voltar a ser como eu era antes nem por ela, nem por papai, nem por Ricardo, nem por ninguém. É isso, dona Catarina Arantes, essa é a sua nova filha. Moro num apartamento minúsculo, sou auxiliar de cozinha, aspirante a universitária, uso roupas confortáveis, estou pouco me fodendo — falo e percebo minha mãe se contraindo. — Sim, agora falo palavrões! Estou pouco me fodendo para o que a sociedade pensa sobre minhas roupas, meu trabalho, meu cabelo ou sei lá o que eles julgam ser importante. Quero ser feliz! É pegar ou largar. Pode me aceitar como sou ou continuar fingindo que não existo! — Pedro meu filho querido, estou com uma dor de cabeça horrível, pode chamar o motorista para me levar para casa? Não tenho mais nada para conversar com essa pessoa. Então é isso, ela prefere continuar fingindo que não existo. Não vou negar que uma pontada de decepção atinge meu peito. É triste ser rejeitada pela própria mãe. Lágrimas invadem meus olhos. Não penso duas vezes, levanto e saio. Não tenho mais nada para fazer aqui. Saio do clube e penso em ligar para o Ricardo. Seguro o celular e me pego ligando para o Beto. — Oi, gata! E aí, como vão as coisas? Entro no primeiro ônibus que passa. — Péssimas! NACIONAIS-ACHERON
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— O que aconteceu? Conto para ele sobre o encontro com meu pai, sobre ter sido excluída da sociedade da empresa, sobre o almoço com minha mãe e a forma como ela estava pronta para me aceitar de volta se eu voltasse a ser seu fantoche e a noiva de Ricardo. — Tua mãe não é fácil — Beto diz, após me ouvir por muitos minutos. — Mas você também não, gata! Estou começando a ficar com pena do Ricardo! — Eu? Está dizendo que EU não sou fácil? Que eu deveria esquecer tudo o que quero e voltar a ser um fantoche na mão dela? — Não, mas não custava dizer que você e o Ricardo estão juntos novamente. Com certeza seria mais fácil para ela aceitar as mudanças. — Beto, adoro quando você NÃO tem razão! De jeito nenhum quero ser aceita pela minha mãe porque namoro com alguém que ela aprova! Quero que ela me ame e aceite porque sou feliz! — Entendo. Eu só... eu... esquece! Você tá certa. — Obrigada! — Resolvo mudar de assunto. — E a Cida, como ela está? Beto me atualiza do quadro da Cida, que teve uma grande melhora e que provavelmente terá alta se continuar assim. Ele fala do pessoal da vila e diz que está torcendo por mim. Termino a ligação e desço no primeiro ponto de ônibus. Preciso pegar o ônibus certo para voltar para casa e ir trabalhar. Ficar andando de um lado para o outro não vai me ajudar em nada.
Saio do trabalho e encontro o Ricardo me esperando do lado de fora. — Vai ficar me esperando todas as noites? — Provavelmente — diz, abrindo um sorriso lindo. NACIONAIS-ACHERON
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Ele se aproxima e percebo uma mancha escura no seu olho direito. — O que aconteceu? — pergunto, passando a mão sobre o hematoma. — Quem fez isso? — Estou bem, Isabel. — Ele segura minha mão e me puxa em direção ao carro. — Vamos? — Ricardo, quem fez isso? Ele prende meu corpo contra o carro, respira fundo várias vezes e pisca incontrolavelmente. Ele está nervoso. — Pedro. Tento empurrar o corpo do Ricardo. Vou matar o Pedro! — Está tudo bem. Juro — ameniza. Tento mais uma vez empurrá-lo. Não tenho sucesso. Ele me segura firme e beija meu pescoço, meu maxilar, passeia as mãos pelo meu corpo... — Fica calma. Deus, você fica linda toda braba querendo me defender — diz e mordisca minha orelha. — Eu entendo ele, Isabel. Faria a mesma coisa se achasse que meu melhor amigo transou com minha irmã, viajou com ela e depois começou a namorar com outra pessoa. — Mas eu sou a outra pessoa! — Mas ele não sabe. Droga! Não pensei em tudo o que esse namoro escondido poderia causar. — Vou contar para ele — digo. — Pedro vai entender meus motivos. Puxo Ricardo para mais perto e beijo o hematoma. Arrasto meus lábios por todo seu rosto e mordisco sua orelha. Ganho um gemido leve de recompensa. Trago seu corpo para mais perto e me esfrego nele sem pudor. NACIONAIS-ACHERON
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— Não tenho certeza. Ele contou sobre o almoço de vocês. Acho que ele contaria para tua mãe. Pedro quer muito que a família de vocês volte ao normal. — Minha família nunca foi normal! Ele ri e volta a arrastar seus lábios pelo meu pescoço. — Pode ser, mas sabe o que não é normal? O desejo que sinto por essa nova Isabel. — Seus lábios ficam mais exigentes e seu corpo pressiona mais o meu. — Amava a Isabel princesa, arrumadinha, bonequinha de porcelana, perfeita. Mas a nova Isabel... Deus! A nova Isabel é segura... sexy... Seguro sua nuca e trago seus lábios aos meus. Beijo com paixão, com desejo, quase com agressividade. Amo esse casal que estamos nos tornando. Amo poder dizer e fazer tudo o que tenho vontade. Amo não precisar ficar me contendo. Amo que ele me veja como uma mulher. Uma mulher que tem desejos, sonhos, ambições e tesão. Uma mulher com iniciativa, forte, determinada, ousada e que sabe o que quer. Ele libera minha boca. — Vamos lá para casa, por favor — pede. — Não. — Não? — Não. — Abro meu melhor sorriso malicioso. — Quero fazer isso dentro do carro. Ele geme. — Tem certeza? — Absoluta! — Vamos sair daqui. Não quero que perca teu emprego. NACIONAIS-ACHERON
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Ricardo não precisa falar duas vezes. Entro no carro e espero ele fazer a volta e sentar no banco do motorista para atacá-lo novamente. Minhas mãos o provocam sobre a calça, beijo seu pescoço e suspiro de desejo. Abro o botão da calça e uma ideia louca passa pela minha cabeça. — Aonde devo ir? — pergunta. — Tem uma rua sem saída perto do apartamento onde moro. É escura o suficiente e não tem movimento. Ele balança a cabeça e murmura: — Não acredito que vamos fazer isso! Espero ele dar partida para abrir completamente a calça e cair de boca. Literalmente de boca no Ricardo. — Deus! Isabel! Não sei nem se estou indo pro lado certo. Ricardo parece realmente perdido. A Isabel de antes, nunca faria uma coisa dessas. A Isabel de agora, está achando emocionante, excitante e o máximo! Passo minha língua da base até o topo e chupo lentamente. Escuto uma freada. — Droga — ele pragueja. — Vai ter que ser aqui mesmo. Ricardo para o carro e ergue meu rosto. Seu olhar é pura luxúria e desejo. Beijo seus lábios enquanto tento me livrar da minha calça. Meus tênis dificultam meu trabalho, mas com muita persistência, consigo tirar. Passo minhas pernas em volta da cintura do meu ex-noivo e vou descendo devagar, muito devagar, pelo seu comprimento. Os sons de prazer que ele solta me estimulam cada vez mais. É delicioso! Ele segura firme meu quadril com uma mão e a outra manipula minha nuca. Meu pescoço fica exposto, ele não perde tempo, beija, mordisca e chupa com vontade. Não posso dizer que é confortável, sinto o volante nas minhas costas o tempo todo, mas a adrenalina é excitante demais. Imaginar que podemos ser pegos, NACIONAIS-ACHERON
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que alguém pode estar nos observando, que nosso desejo é maior que qualquer coisa, me leva a um pico de prazer extremo. Rebolo com mais força, mais rápido, mais sincronizado e o aperto dentro de mim. Estou perto, muito perto... — Isabel... Me perco no prazer. Meu corpo convulsiona, treme e parece febril. Ricardo me aninha em seu peito e beija meu cabelo. — Que diabos estamos fazendo? — pergunta, rindo. — Sexo sem restrições, reservas ou controle. — Era tão ruim assim antes? Ele não pode estar me perguntando isso de verdade. Levanto meu rosto com cautela e falo com calma, não quero que essa conversa vire uma grande discussão. — Podemos conversar lá em casa? É meio perigoso ficar aqui, exposto desse jeito. Ricardo concorda com a cabeça. Levanto do seu colo e ele dá partida no carro após colocarmos nossas roupas. Fico pensando em como falar sobre tudo o que sentia e o que sinto agora sem criar atritos. Chegamos em casa e opto por sentar no banquinho da mesa. Quero ficar cara a cara com Ricardo sem ter o corpo dele perto do meu como distração. — Senta aqui — falo e aponto para o outro banco. Ele senta. Seguro suas mãos no meu colo e meu olhar é direto para o azul de seus olhos. — Achei que havia deixado claro meus sentimentos por você, mas percebo que você ainda tem dúvidas, Ricardo. NACIONAIS-ACHERON
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— Não sei se é uma questão de duvidar do nosso amor. Porque se em algum momento eu duvidasse, não estaria dando uma segunda chance para nós. Mas é estranho, Isabel. Não sei os pontos que devo mudar, me adaptar ou melhorar. Fico perdido em como devo agir. A Isabel de antes nunca teria transado em um carro, no meio de uma rua escura. — A Isabel de antes morria de vontade de transar em um carro no meio de uma rua escura. Porém, ela morria de medo de admitir e ser considerada inadequada. Você sempre me tratou com tanto cuidado, com tanta proteção, como se eu fosse algo que poderia quebrar. Eu tinha receio de falar abertamente sobre algumas coisas. — Você não respondeu minha pergunta. — Não, Ricardo. O sexo entre nós nunca foi ruim. Bem pelo contrário, sempre amei estar com você. Lembra da nossa primeira vez? — Meu sorriso não esconde que amei nossa primeira vez. — Se eu fechar os olhos posso sentir o cheiro das velas aromáticas, escutar o som do mar, sentir o vento bater no meu corpo e o teu toque arrepiar minha pele. Consigo sentir todo o amor que teve envolvido, o respeito, o carinho, o prazer... — Mas? Sorrio da forma que ele pergunta. — Mas... — hesito antes de continuar. — Gosto de ballet e futebol. Gosto de scarpin e tênis. Gosto de vestidos leves e calça jeans. Gosto de vinho e cerveja. Gosto de trufa branca e hambúrguer com batata frita. Gosto de amor e sexo. Enfim, gostar que às vezes você me pegue de uma forma mais bruta, carnal e forte, não quer dizer que não gosto quando fizemos o amor mais doce e delicado do mundo. Um sorriso tímido começa a surgir nos seus lábios e atinge seu olhar. — Quero ter você das inúmeras formas que posso — continuo. — Quero estar conectada com teu corpo, coração, alma e desejos. Não quero ter segredos, vontades reprimidas ou reservas entre nós. Quero viver intensamente, viver tudo o que posso. E o mais importante, quero fazer isso NACIONAIS-ACHERON
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com você. Apenas com você. — Isso não quer dizer que você quer tentar aquelas coisas de dominação e submissão, de bater durante o sexo, amarrar e esse tipo de coisa, não é? Gargalho. — Tivemos nosso primeiro sexo no carro e você já está pensando em me espancar? — Ele ri tímido. — Me diz que você nunca sonhou em transar em cima da tua mesa, em transar dentro do carro, em esquecer a delicadeza, em me tocar em lugares públicos. Em transar no elevador, em banheiros de boates, em praias nem tão desertas, em me pegar com força e... — Droga, Isabel! — Ele levanta em um pulo e me puxa para o corpo dele. — Pega algumas roupas. Você está indo para casa comigo. — Mas... — Agora! A determinação no olhar do Ricardo não deixa margem para discussão. Não que eu tenha vontade de discutir, meu príncipe encantado em modo ogro, é sexy pra caralho.
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Capítulo 24 Sinto os lábios do Ricardo em minha pele. Ele passeia pelas minhas pernas com muita calma. Seus beijos são delicados, doces e gentis. Mesmo que eu saiba que ele gosta, tanto quanto eu, dos nossos sexos loucos e brutos, sei que ele sente falta de fazer amor calmo e tranquilo. Me remexo um pouco quando seus carinhos chegam em minhas costas. O toque dele é algo que me enlouquece. Sempre amei. — Tão doce — diz, entre beijos. — Tão delicada. Tão minha. Sorrio com a forma dele sondar que realmente estamos bem, que somos um casal, que as loucuras do dia a dia não estão conseguindo interferir no nosso relacionamento. Cenas da noite anterior invadem minha mente. Nunca imaginei que eu realmente teria coragem de transar em um banheiro de bar, mas foi perfeito. A batida da música ensurdecedora do lado de fora, me levaram a um orgasmo louco e inebriante. Não estávamos calmos, delicados e tranquilos enquanto Ricardo se afundava dentro de mim, enlouquecidamente, contra uma porta de banheiro imunda. Ricardo beija meu ombro, respira minha pele e se aconchega em mim. Viro para ele, passo meus braços pelo seu pescoço e entrelaço minhas pernas em sua cintura. Nossos movimentos são mais lentos do que nunca. É quase torturante. Busco sua boca e minha língua o acaricia com carinho, busca uma sintonia somente nossa e demonstra todo o amor que sinto por ele. Embora eu tendo mudado muito, Ricardo parece entender que o respeito NACIONAIS-ACHERON
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mútuo é o que conta. Ele nunca me julgou quando exponho minhas vontades mais absurdas em relação a viver a vida. Tenho seu apoio incondicional no meu trabalho, no curso que escolhi para iniciar no semestre que vem, nas roupas que agora uso, em minha forma de expor meus desejos e paixão por ele. — Amo ter você dentro de mim — falo, expondo meus pensamentos. — Indiferente da forma que seja. Te amo, Ricardo. — Isabel... A forma como ele fala meu nome, sussurrado, com ternura, é como uma forma de carícia. Paro de pensar e apenas me deixo levar pelo momento. Chegar ao prazer com ele, é algo ímpar. Cada momento entre nós é único. É especial. Ricardo desaba ao meu lado, me aconchego melhor em seu peito e presto atenção no batimento cardíaco, em seu respirar ofegante e no deleite de ter ele tão carinhoso após o sexo. — Isabel — diz, beijando o topo da minha cabeça. — Podíamos... Ele é interrompido pela campainha. — Está esperando alguém? — pergunto. — Não. Meus pais estão viajando, Pedro e Gustavo sempre ligam antes de vir. Ninguém mais vem aqui. A menos que... — ele para de falar e solta um som estranho. — A menos que? — Incentivo ele continuar. O silêncio dele confirma minhas suspeitas. — Lara! — chuto. — É uma possibilidade — diz. NACIONAIS-ACHERON
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A campainha volta a tocar. O que essa mulher quer aqui em pleno sábado de manhã? Ela está começando a me tirar a paciência! — Posso ignorá-la — ele sugere. Por mais tentadora que a ideia de a ignorar é, a vontade de saber o que essa traidora quer com o meu Ricardo é maior ainda. — Tudo bem, acho que deve ver o que ela quer. Vou ficar aqui no quarto se você não se importar. — É claro que não me importo — diz e me abraça mais forte. — Por mim, você poderia morar aqui nesse quarto. Não iria me importar de trazer comida e água. — E o resto? — Eu sou o resto — fala e gargalha. A campainha volta a tocar. Estou começando a achar que alguém morreu. — Já volto. Não saia daqui! Ele beija meus lábios e levanta. Fico observando ele caminhar pelo quarto, colocar uma calça de moletom e uma camiseta. Parece um sonho ter ele de volta na minha vida. Na vida que escolhi para mim, não a que foi imposta pela minha mãe. Ricardo assopra um beijo antes de sair do quarto e não perco tempo. Levanto, coloco minha camiseta e vou para o corredor. Em momento algum falei que não iria bisbilhotar a conversa dos dois. Só consigo começar a ouvir, quando eles chegam à sala. Espio e vejo Lara vestida maravilhosamente, com um vestido floral que marca suas curvas NACIONAIS-ACHERON
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perfeitas. Seu cabelo, como sempre, está escovado e fabuloso, como diria minha mãe. Mas o que chama minha atenção é sua expressão preocupada. — ... você sabe que pode contar comigo sempre, Ricardo — ela fala, segurando a mão dele. — Fiquei tão preocupada quando vi as notícias. Não consigo imaginar como deve ser para você. Ele faz um gesto para ela sentar em frente a ele, mas ela escolhe sentar ao lado dele e continua segurando a sua mão. Aproveitadora! — Acabei de acordar. Não vi as notícias, mas também não me importo. Nunca liguei para fofocas. Do que eles estão falando? — Nunca iria te abandonar em um momento como esse. Minha proposta para te acompanhar ao evento da semana que vem, continua valendo. Ainda mais agora que não está mais saindo com a pessoa que estava conhecendo. Meu estômago revira. Não sei se é pelo fato dela achar que ele está livre e desimpedido ou pelo fato dela levar a mão dele entrelaçada a dela até o peito. Ou melhor, até os seios. Ela é mais dissimulada do que imaginei. — Lara, como disse antes, acabei de acordar. Não sei o que está sendo divulgado, mas ainda estou saindo com uma pessoa. — Ricardo solta a mão de Lara e levanta, colocando distância entre eles. Fico um pouco mais apaixonada por ele. — Agradeço muito a sua preocupação com a minha reputação, mas sei me cuidar. Está tudo sob controle. — Ricardo, sei que é difícil admitir quando estamos com problemas. É normal querer esconder e procurar uma válvula de escape. — Lara levanta e vai atrás dele. Que mulher mais insistente. — Mas você não precisa disso. Se jogar na vida noturna, procurar prostitutas e querer fugir da realidade com drogas, não é a solução. NACIONAIS-ACHERON
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Meu coração para. Não consigo puxar ar suficiente para oxigenar meu cérebro e conseguir entender de que merda ela está falando. A gargalhada do Ricardo me tira do meu estupor. — Lara, pela última vez, estou bem. Não há nada com o que se preocupar. Drogas? Vida noturna? Prostitutas? Do que ela está falando? Volto para o quarto. Lara deve ter batido na porta errada. Ricardo nunca foi de usar drogas, ter uma vida noturna agitada, muito menos apelar para prostitutas. Não que eu saiba, pelo menos. Deve ser algum plano para ela ficar com ele. É isso! Ela está armando alguma coisa. Começo a rir sem parar. Não sei como pude, mesmo que por uma fração de segundos, imaginar Ricardo numa vida tão degradante como a que ela descreveu. Meu Ricardo não é assim. O som da chegada de uma mensagem no celular dele chama minha atenção, sem pensar, o pego e leio. Que diabos está acontecendo? Como pode fazer isso com minha irmã? A mensagem é do Pedro. Desde que ele bateu no Ricardo, após saber que ele estava conhecendo outra pessoa, tentei apaziguar os ânimos. Não contei que essa outra pessoa era eu, mas falei que estava tudo bem e que o amava. Disse que estávamos tentando resolver nossa situação e que Ricardo estava se mostrando muito receptivo após o meu sumiço. Pedi ao Pedro para ele não se preocupar, para não deixar o relacionamento meu e do Ricardo interferir na amizade e nos negócios dele. No fundo, acho que Pedro imaginou que eu era a pessoa. NACIONAIS-ACHERON
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Agora, relendo a mensagem, tenho certeza que ele sabia que era eu. O problema é que a história da Lara começa a não parecer tão absurda. Meu celular começa a tocar, o silencio e corro fechar a porta do quarto antes de atender. — Alô — atendo. — ISABEL! — Pedro grita do outro lado da linha. — Aonde você está? Levo um minuto para decidir o que responder. — Em casa. — Não, você não está em casa — diz, parecendo mais calmo. — Você está no Ricardo, não é? Penso em mentir, não consigo. É difícil admitir, mas quero meu irmão perto de mim. Quero ter ele me ajudando a entender o que está acontecendo. — Estou. — Estou indo para aí. Tudo vai ficar bem. Não faz nenhuma besteira, por favor. Quanto mais Pedro fala, mais me convenço que algo está errado. Não pode ser apenas uma invenção da Lara. Meu irmão não ficaria tão preocupado somente com alguma fofoca. — Não vou fazer nada até você chegar — digo. — Nem olhar a internet? — Merda! Tá na internet? — Isabel? Promete que não vai olhar. — Prometo. — Te amo — ele diz e desliga. Minha vontade de olhar os sites de fofoca da cidade chega me coçar. NACIONAIS-ACHERON
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Tento me distrair. Não quero cair na tentação e olhar os sites, muito menos voltar para a sala e ver o que Lara continua fazendo aqui. Vou para o banheiro, faço minha higiene matinal e amarro meu cabelo em um coque alto e bagunçado. Quando termino de me vestir, Ricardo entra no quarto. Ele caminha em minha direção com um sorriso lindo, como se nada tivesse acontecido. — Tinha planejado ficar o dia todo na cama com você — diz, beijando meu pescoço e me puxando para o seu corpo. — Nunca tivemos essa liberdade de ficarmos tanto tempo juntos. — O que Lara queria? — pergunto. Sinto o corpo dele ficar tenso. — Se oferecer novamente para ir comigo ao evento. — Só isso? — Não quero falar sobre a Lara. — Ricardo volta a beijar meu pescoço e acaricia meus cabelos. — Vamos tomar café da manhã e voltar para a cama. — Pedro está vindo para cá — conto. Ricardo me solta e me olha desconfiado. — Pedro? Por quê? — Ele te enviou uma mensagem. Meu ex-noivo me solta e corre pegar o celular. — Droga! — É a única coisa que diz quando termina de ler. — Tem alguma coisa para me contar? — pergunto. Antes dele responder a campainha começa a tocar e os punhos do Pedro batem na porta da frente com insistência. NACIONAIS-ACHERON
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— Isabel... — Ricardo diz e se aproxima novamente. — Indiferente do que aconteça, apenas lembre-se que te amo. — É melhor abrir antes que ele derrube a porta — falo. Ele beija meus lábios com carinho. — Amo você, nunca duvide disso — repete e sai do quarto.
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Capítulo 25 Quando escuto o barulho de algo quebrando na entrada da casa, saio correndo. Os gritos começam. Não consigo identificar de quem são as vozes até chegar à sala. A cena que encontro é assustadora. Tem caco de vidro espalhado, sangue no sofá e uma mulher tentando tirar meu irmão de cima do Ricardo. Pedro distribui socos em um Ricardo amontoado em um canto. Meu ex-noivo está em posição fetal, com os braços protegendo o rosto, e não faz menção nenhuma de que pretende revidar. — Chega, Pedro! — A mulher continua dizendo e tentando o afastar. — Para! Chega! Demoro alguns segundos para me juntar a ela e conseguir tirar meu irmão de cima do Ricardo. Pedro está transtornado quando se afasta e me olha. Sua camisa está toda amassada, suja de sangue e desabotoada. A respiração é ofegante e suas mãos continuam fechadas em punho, ao lado do corpo, tremendo muito. Ele alterna seu olhar de mim para Ricardo e se dirige a ele quando fala. — Nunca mais chegue perto dela. Você entendeu? — Ele para para respirar. — Nunca mais encoste um dedo na minha irmã. Nunca mais fale com a minha irmã. Na verdade, é melhor você nunca mais olhar para ela. Isso só pode ser algum tipo de brincadeira. Pedi para Pedro me deixar resolver minha situação com o Ricardo e agora ele, além de voltar a bater no meu ex-noivo, está exigindo que nunca mais volte a falar comigo. É isso mesmo? NACIONAIS-ACHERON
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— Pedro — chamo. Meu irmão me olha e seu olhar passa de fúria a carinho em segundos. — O que está acontecendo? — Ele não merece você. Vamos, vou te levar para casa. Olho para Ricardo, agora ele está sentado no chão com a cabeça baixa entre as mãos. Sua camiseta está rasgada e algumas manchas de sangue são visíveis. Ele não se mexe, não se defende, não olha para mim. Lara estava certa? Não posso acreditar nisso. Caminho em direção ao Ricardo e me ajoelho ao seu lado. Me detenho um pouco antes de passar a mão em seu cabelo e levantar seu rosto para ele olhar para mim. Seu lábio está cortado e alguns manchas vermelhas estão pelo seu rosto. — Oh, meu Deus! — Levo meus dedos ao seu lábio e tento limpar o sangue. Ele vira o rosto. — Estou bem. Não se preocupe. Olho para o meu irmão que está observando a cena com reprovação. — Por que fez isso? Agora é a vez de Ricardo puxar meu rosto para olhar para ele. — Estou bem. Vá com ele. Ele deve estar de brincadeira comigo? Isso é tudo o que ele tem para me dizer? — Mas... — começo. NACIONAIS-ACHERON
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— Conversamos depois, Isabel. — Qual a parte de não chegar perto dela você não entendeu? — Pedro pergunta. — Vá com eles, por favor. Apenas faça o que teu irmão está pedindo. Não quero ir e deixar Ricardo aqui. Porém, não quero ficar e provocar a ira do meu irmão. Com o pensamento de ligar para Ricardo depois, deixo um beijo leve em seus lábios e levanto para seguir meu irmão, e a mulher que não deixou o seu lado nem por um minuto, até o carro. — Você está bem? — A acompanhante do meu irmão pergunta quando estamos quase chegando ao meu apartamento. Ninguém falou uma palavra o caminho inteiro. — Não. Não estou. — Estou aqui para ajudar — ela diz. — Se precisar de uma amiga para conversar, Isabel, pode contar comigo. — E você é? — pergunto surpresa. Como uma pessoa pode se oferecer para ser minha amiga, para ouvir meus problemas, se não faço ideia de quem ela seja? Ela vira para trás e abre um sorriso sincero. — Desculpa, acabei não me apresentando. Ouço tanto falar de você, que parece que já te conheço há algum tempo. — Ela estende a mão e seu sorriso fica maior. — Sou Stela, amiga do seu irmão. Caralho! Dessa vez meu irmão se superou! Stela é linda! Sua pele morena, quase negra, os cabelos cacheados, o corpo escultural e o maior e mais bonito sorriso que já vi, fazem de Stela uma grande candidata a mulher de parar o trânsito. NACIONAIS-ACHERON
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Meu sorriso não é tão radiante como o dela, mas tento passar alguma alegria em conhecê-la, apesar das circunstâncias. — É um enorme prazer te conhecer, Stela — falo, apertando sua mão. — Queria te agradecer por tudo o que fez no meu apartamento. Obrigada! Meu irmão fala muito de você. Ela solta minha mão e olha para Pedro. — Ele fala? Pedro bufa. — Fala — confirmo. O carro para e percebo que estamos em frente ao edifício onde moro. — Vamos descer e pegar algumas coisas tuas — Pedro diz, saindo do carro. Eu e Stela nos olhamos sem entender nada. Damos de ombro e descemos. — Algumas coisas para quê? — pergunto. — Não vou deixar você aqui sozinha — meu irmão explica, enquanto subimos as escadas. — Não quero dar chance do Ricardo te encontrar. Espero estar dentro do apartamento para começar a falar. Tento manter a calma e minha voz em um tom baixo e tranquilo. — Não vou sair daqui. Essa é minha casa. Não sei exatamente o que está acontecendo, porque você não me explicou. Preferiu chegar socando Ricardo e exigindo que ele nunca mais fale comigo. Mas não vou apenas me esconder e deixar que você decida o que devo ou não fazer. — Isabel... — Pedro começa. Interrompo. — Nada de Isabel isso... Isabel aquilo. Ou você me explica o motivo de estar agindo como louco, ou vou voltar para a casa do Ricardo e deixar ele me explicar. NACIONAIS-ACHERON
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Pedro bufa, Stela afaga suas costas e eu me dirijo à porta. — Tudo bem. Senta que eu explico. Volto e sento na cama. Pedro e Stela optam por sentar nos bancos. — Não sei se está sabendo — meu irmão começa. — Mas o pai do Ricardo está pensando em se candidatar novamente a deputado. Você sabe como a vida da família toda fica uma loucura e vira alvo de notícias. Ontem um site publicou fotos do Ricardo em uma boate consumindo, o que eles deram a entender, uma quantidade abusiva de bebida alcoólica com ecstasy. Eles também publicaram fotos dele em cenas de sexo nada apropriadas. Tento associar as coisas que meu irmão está dizendo com o Ricardo que eu conheço. O meu Ricardo nunca usaria drogas, não vai para boates e toma quantidades excessivas de álcool, não fica expondo sua vida sexual por aí. Na verdade, o meu Ricardo, pelo o que eu sei, só teve experiência sexuais comigo. E com a Lara... Nada disso faz sentindo. — Eu quero ver as fotos — digo. Meu irmão olha de mim para Stela e parece não saber o que fazer. — Ela tem o direito de ver — Stela conclui. Ele pega o celular e digita por alguns segundos. — O site está temporariamente fora. — Ele vira a tela do celular para eu ver. — Estranho. Não acho tão estranho quando tem a carreira política do pai do Ricardo em jogo. — Você salvou as fotos? — pergunto. NACIONAIS-ACHERON
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— Não. Por que eu faria isso? — Pedro parece ofendido. — Por mais que eu o odeie no momento, ele é meu sócio, meu amigo e o marido que um dia eu sonhei para a minha irmã. — São esses os motivos que me fazem pensar que tem alguma coisa errada, Pedro. Você conhece o Ricardo desde que ele nasceu, ele não é assim. Ele nunca esteve com outra mulher além de mim. — Opto por omitir o sexo oral que Lara fez nele. — Ele nunca foi de beber em exagero. E sobre as drogas... ah! Vamos lá, você sabe que isso é ridículo! Pedro levanta, caminha de um lado para o outro no meu minúsculo apartamento, para de frente para a única janela que tem e fala o que eu preferia nunca ter escutado. — Você não entende, Isabel. Ele é outra pessoa desde que você o abandonou. Nunca o vi naquele estado. Não tem ideia de como teu sumiço afetou Ricardo. Foram meses realmente conturbados. Lembra do Zimbo? Como eu poderia esquecer do Zimbo? Zimbo foi um garoto da nossa escola que perdeu os pais e a irmã em um acidente de carro. Ele nunca aceitou, uma vez que era ele quem estava dirigindo. Em menos de um mês passou de um garoto alto-astral, estudioso, de bem com a vida para um fantasma que vivia nas sombras, bêbado, drogado e que não se importava com mais nada. O centro de reabilitação, que o pai do Ricardo abriu enquanto era deputado, foi a salvação de Zimbo e de muitos outros garotos da cidade. Todos os amigos se mobilizaram para que ele fosse um dos primeiros a ser aceito na instituição. — Ele nunca se tornaria um Zimbo. — Pode ser que não. Porém, em muitos dias, quase podia ver a história se repetindo. Meus olhos enchem de lágrimas. NACIONAIS-ACHERON
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Pedro tem razão, não consigo imaginar o sofrimento que causei ao Ricardo. — Não conheço Zimbo — Stela fala, calmamente. — Não conheço Ricardo muito bem, mas não acho que é o momento de julgar ou, simplesmente, abandoná-lo. Se ele ficou tão mal com o sumiço da Isabel, o afastamento dela agora não vai piorar a situação? Não seria melhor ela demonstrar apoio? Pedro vira e olha para Stela como se ela estivesse criado um chifre no meio da bunda. — Não vou deixar Isabel se expor no meio dessa confusão toda! — Mas... — tento. — Não, Isabel. Apenas, não! Decido não discutir com Pedro. Primeiro preciso conversar com Ricardo, entender o que está acontecendo e saber o que vou fazer, para depois, querer defender as minhas atitudes. Não posso, e não preciso, comprar uma briga, se ainda nem sei pelo que estou brigando e se realmente vale a pena lutar. — Tudo bem, Pedro. Não vou me expor. Meu irmão respira fundo e parece aliviado. — Obrigado — diz, vindo ao meu encontro e me puxando para um abraço. — Vou estar sempre aqui para te ajudar e te defender. Você é minha irmãzinha. Me despeço dos dois com a promessa de não deixar Ricardo entrar em meu apartamento se ele aparecer por aqui hoje. Como preciso ir para o trabalho em poucas horas, acredito que essa promessa será simples de cumprir. Provavelmente, Ricardo irá aparecer no meu trabalho para me buscar. Hoje, saio depois da meia-noite, tecnicamente, quando voltarmos para casa, já será amanhã.
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A certeza que eu tinha, quando imaginei que Ricardo iria me buscar no trabalho no sábado à noite, se transforma em agonia, angústia e desespero. Faz uma semana que toda a confusão aconteceu e não consegui ver, falar ou encontrar o Ricardo. No sábado mesmo, tentei ligar, ele não atendeu. Mandei mensagem, ele não respondeu. Fui até a casa dele, não havia ninguém. Fui à empresa, a recepcionista me traiu e chamou meu irmão. Pedro não gostou nada de me ver na empresa procurando por Ricardo. Me passou mais um sermão e tentou me fazer prometer que iria me afastar e não procurar por Ricardo. Dessa vez não pude prometer. Não posso deixar essa história como está. Preciso saber o que aconteceu, ou o que está acontecendo, e resolver de uma vez por todas a situação entre mim e Ricardo. Não consigo aceitar que esse foi o nosso fim. O problema é que não sei o que fazer. Giro o celular pela milionésima vez entre meus dedos, ajeito melhor o travesseiro embaixo da minha cabeça, para conseguir ver o dia lindo que está lá fora, e resolvo pedir ajuda. Stela deixou o número do celular na noite que esteve aqui com Pedro e falou que eu poderia ligar a qualquer hora, para qualquer coisa. Não consigo pensar em uma ajuda melhor. — Alô — ela atende no terceiro toque. — Stela, é Isabel. — Vou direto ao ponto. — Você consegue as fotos do Ricardo que estavam na internet? O link do site continua fora do ar, mas alguém deve ter salvo. Preciso ver. Quem sabe assim eu consiga acreditar que isso tudo está acontecendo. Um silêncio absoluto se prolonga por segundos. — Vou ver o que consigo e te envio. — Obrigada. NACIONAIS-ACHERON
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Preciso ver as fotos! Desde que não tive mais notícias do Ricardo, foi como se eu tivesse entrando em algum ciclo de luto. Tive a fase da negação, da raiva e da carência. Agora, preciso entender e, quem sabe assim, entrar na fase da aceitação. Não vou negar que espero ver fotos com uma qualidade horrível de montagem que não vão me deixar em dúvida que não é verdade. Ricardo não é como Pedro disse que desenharam nas fotos. Ele não pode ser. Não vou suportar se ele for. E se ele for? Meu celular apita anunciando a chegada de uma mensagem. Meu coração dispara quando vejo que é da Stela. Respiro fundo e clico em abrir. As imagens tomam forma, rolo para ver todas. PUTA QUE PARIU! Isso só pode ser algum tipo de brincadeira.
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Capítulo 26 Olho mais uma vez para as fotografias, quero ter certeza que não estou imaginando coisas. Avalio cada uma delas e sem nenhuma dúvida, levanto em um pulo. Preciso tomar uma atitude. Preciso fazer alguma coisa. E fazer urgente. Primeiro passo: tomar um longo e demorado banho. Segundo passo: dar um jeito no meu cabelo. Terceiro passo: escolher uma roupa linda e descolada. Quarto passo: fazer uma maquiagem discreta e que não me deixe com cara de Barbie. Quinto passo: conseguir um convite para o evento beneficente de hoje à noite. Sexto passo: acabar com essa putaria. Ainda não estou entendendo muito bem o que Ricardo está pensando, mas não vou deixar ele sozinho agora. Ele acreditou em mim, me apoiou e me perdoou por abandoná-lo, ou pelo menos, acredito que ele tenha perdoado. Nem em sonho vou deixar ele enfrentar tudo e todos sozinho. Sei que a minha decisão de ir ao evento de hoje à noite, vai mudar muita coisa em minha nova vida, mas não consigo pensar em outra opção. Não tenho tempo para pesar todos os prós e contras de ir a uma festa insuportável e que nada tem a ver com o meu novo estilo. Contudo, quero estar lá pelo Ricardo. Quero que ele saiba que pode contar comigo e que nunca mais vou abandoná-lo. Ricardo se esforçou muito para se adaptar ao apartamento do Beto, ao meu apartamento, ao meu trabalho de auxiliar de cozinha, às minhas roupas, à minha aparência, aos meus novos objetivos de vida, a mim. Devo esse voto de confiança a ele. Devo meu apoio incondicional. Devo a NACIONAIS-ACHERON
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demonstração do meu amor por ele. Saio do banho e começo a secar meu cabelo, já imaginando que vestido vou colocar para o evento. Quero um vestido que mostre que não sou mais a princesa perfeita que era antes, porém quero mostrar que não sou apenas uma jovem rebelde e sem noção que fugiu para chamar atenção. Preciso mostrar toda minha força, determinação e personalidade. O problema é que não tenho nada assim. Minhas roupas antigas de festa são todas escandalosamente exageradas e caras. Elas gritam princesinha fútil e mimada. Não tenho nada que Pedro pudesse pegar na casa dos meus pais e me trazer. Preciso da Stela. — Isabel? Você está bem? — ela atende o telefone receosa. — Sim! Mas preciso de ajuda. Explico meu plano para ela e Stela fica eufórica. — Tenho a pessoa perfeita para te ajudar! Passo aí em vinte minutos, esteja pronta. Coloco uma roupa confortável e separo alguns produtos de maquiagem que Stela havia enviado para o meu apartamento junto com as roupas. Não sei onde estamos indo e se vou ter tempo de voltar para casa antes do evento. Enquanto espero por Stela, ligo para o restaurante e explico que não vou poder trabalhar hoje. O proprietário não gosta muito da ideia e diz que vai descontar do meu salário. Não tenho como argumentar. Entendo ele perfeitamente. Qual chefe iria gostar que sua funcionária faltasse ao trabalho para ir a uma festa? Tenho que dar graças a Deus que ele não falou em demissão. Stela aparece para me buscar com o carro do meu irmão. Amigos, sei. — E aí, Isabel, animada? NACIONAIS-ACHERON
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— Nervosa seria uma definição mais apropriada — respondo, entrando no carro. — Vou te levar na melhor costureira que você já conheceu, apenas mantenha a mente aberta. Stela fala a cada cinco segundos que não é para eu ficar preocupada, que o bairro é seguro, que nada vai nos acontecer. O bairro onde mora a tal costureira é classe média-baixa, ou melhor, classe baixa. A fama do lugar não é nada boa, mas por incrível que pareça, não estou preocupada ou com medo. Stela estaciona em frente a uma casa pequena e simples. A pintura está começando a descascar e o portão de entrada parece enferrujado. Estranho quando entramos sem bater, sem nos anunciar, ou avisar os moradores que estamos aqui. — A sala de costura é aqui atrás, pode vir. Entramos em uma sala que um dia foi uma garagem. Uma senhora gorducha e sorridente nos recebe. — Essa é a moça? — ela pergunta. Stela confirma. — Vai ser fácil fazer um vestido para ela. Ela é linda. — Obrigada — agradeço. — Não quero nada muito chique. Nada de bordados, pedrarias, brilhos ou esse tipo de coisa. — Simples e bonito? — Exatamente! Simples e bonito — respondo. Passamos os próximos minutos escolhendo o tecido, a cor, o modelo e começo a ficar apreensiva. Ninguém vai conseguir fazer um vestido em tão pouco tempo. Quando ela termina de tirar minhas medidas, um senhor aparece com um bule NACIONAIS-ACHERON
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de café. O cheiro é divino! Ele beija a testa da senhora que está na máquina de costura, antes de soltar a bandeja com as canecas e abrir os braços para Stela. Sou pega de surpresa quando minha mais nova amiga se joga em seus braços e beija todo o rosto do senhor. — Obrigada! Obrigada! Obrigada! — diz, entre os beijos. — O teu café é o melhor do mundo, pai! Pai? Esse é o pai da Stela? Essa é a mãe dela? Essa é a casa dela? Estou em choque! Não sei bem o motivo de estar tão chocada, mas não consigo esconder. Stela parece meio deslocada. — Esqueci de comentar que a melhor costureira do mundo é minha mãe! Minha boca está aberta, porém nenhuma palavra sai dela. Lembro quando perguntei ao Pedro se ele e Stela estavam saindo e ele disse apenas que era complicado. Agora eu entendo. Minha mãe iria surtar se meu irmão namorasse com uma mulher de uma família tão simples e humilde. Sem mencionar a cor da pele da Stela. Pagaria uma grana alta para ver a dona Catarina Arantes tomando café de um bule de alumínio, em canecas divertidas, em uma garagem que virou sala de costura em um bairro pobre. Pagaria, se tivesse grana. — Você deveria ter me avisado antes, Stela! — repreendo-a. Levanto e vou até a senhora, ofereço minha mão e me apresento de uma forma mais apropriada. — Sou irmã do Pedro e amiga da sua filha. Stela está me ajudando muito, ela é um anjo que entrou na vida do meu irmão, e agora na minha. — Não porque é minha filha, mas minha Stela é um doce! — diz, toda NACIONAIS-ACHERON
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orgulhosa. O pai da Stela sorri para mim e assim como fez para ela, abre os braços oferecendo um abraço. — Pai! — Stela diz, constrangida. — Está tudo bem — digo. — Faz tempo que não recebo um abraço de pai. A tarde passa voando. Enquanto a mãe da Stela costura, o pai dela nos empanturra com café, biscoito e bolo caseiro. A família parece uma família de verdade. A casa pequena não deixa espaço para cada um ficar no seu canto, todos conversam e interagem o tempo todo. Nesse tempo que fiquei na casa, já entrou uns três irmãos da Stela, umas quatro cunhadas e uns cinco sobrinhos. Todos chegam sem avisar, entram sem bater e pegam um pedaço de bolo sem que ninguém ofereça. O pai da Stela parece feliz com isso. — Mandei uma mensagem para Pedro — Stela avisa. — Ele está vindo para cá. — Ele conseguiu o convite extra? Havia pedido para Stela convencer meu irmão a conseguir um convite para mim para o evento de hoje. Até o momento ainda não sei como vou entrar na festa. — Ele não disse. Ela entra no quarto e se aproxima verificando minha maquiagem. Estou no quarto dela fazendo alguns retoques e esperando ansiosa pelo vestido. — Tem certeza que quer fazer isso? — pergunta, receosa. — E se você chegar lá e ele estiver com a Lara? Ou não te der atenção? Ou não querer falar com você? São probabilidades, uma vez que ele tem me evitado desde sábado passado. NACIONAIS-ACHERON
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— Vou arriscar! A mãe de Stela entra no quarto com o vestido. — Está pronto. Respiro fundo, pego o vestido e, sem cerimônias, tiro minha roupa e coloco o vestido preto. O caimento é perfeito! O tecido dá uma leveza e ao mesmo tempo valoriza meu corpo. O modelo escolhido foi um frente única, com uma larga faixa marcando minha cintura e uma saia com metros extras de tecido. Não tem bordados, pedrarias, brilhos, frescura. É simples e elegante. Meu tênis All Star, escondido embaixo da saia que vai até praticamente o chão, completa meu visual. Não há joias extravagantes. Não há sandálias altíssimas e desconfortáveis. Não há cabelos fabulosos. Sou apenas eu, a nova Isabel. — Não tenho nenhuma joia de verdade — Stela diz. — Podemos pedir para teu irmão trazer. — Não precisa. Estou bem assim. Não quero adicionar mais nada ao meu visual. O brinco pequeno de pérola, que ganhei do Ricardo nos meus 15 anos, e a aliança de casamento são as únicas coisas que sinto que são parte de mim. Meu irmão chega meia hora antes do horário previsto para o início do evento. — Me diz que você conseguiu um convite extra para mim — suplico. — Você será minha acompanhante — ele esclarece. — Não vou deixar você fazer, seja lá o que pretende fazer, sozinha. Sinto uma pontada de culpa. Stela foi tão legal comigo hoje. Conseguiu as fotos, pediu para a mãe dela fazer o vestido, me ajudou e apoiou o tempo NACIONAIS-ACHERON
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todo nesse plano maluco, e agora, não vai poder ir ao evento porque meu irmão vai ter que me levar ao invés de levá-la. — Obrigada, Pedro. — agradeço e o abraço. — Vou dar um jeito de compensar Stela por tirar o lugar dela. — Eu não ia levar a Stela. Me afasto para olhar para ele, não tenho certeza se entendi bem, e é quando vejo Stela nos observando da porta do quarto com os olhos cheios de lágrimas. — Stela... — não consigo terminar a frase. Ela tenta disfarçar, coloca um sorriso tímido no rosto e se aproxima. — Está tudo bem, Isabel. É melhor vocês irem ou vão se atrasar. Pedro tira a carteira do bolso, junta um maço de dinheiro e oferece a Stela. — Para tua mãe, pelo vestido. — Não precisa, Pedro. Ela fez com carinho. — É o trabalho dela, Stela. Não quero discutir sobre isso. Mesmo que eu não queira que meu irmão fique pagando pelas minhas roupas e despesas, não tenho como discordar sobre o pagamento do vestido. A família de Stela parece precisar muito de um dinheirinho extra, nem em mil anos iria aceitar o vestido de graça. Nos despedimos de todos com beijos e abraços. Pedro parece muito confortável com a família da Stela. A mãe dela me faz prometer que irei voltar para um almoço de domingo, não consigo dizer que não. — Falei com o Ricardo — Pedro diz, um pouco antes de chegarmos ao local do evento. Fico tensa. — Fazia uma semana que ele estava fugindo de mim. — O que ele disse? NACIONAIS-ACHERON
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— Não muita coisa. Pediu desculpas por qualquer mal que tenha causada a você e a nossa família. — Só isso? — Ele vai sozinho hoje. — Bom. — Nem tudo parece perdido. — Stela me falou que você viu as fotos. Era a Lara na foto... — Pedro parece constrangido ao citar uma das fotos que circularam do Ricardo. — Sim, era a Lara. Não tenho como negar. Na foto, boa parte da biblioteca da casa dos pais da Lara aparece, Pedro conhece o lugar tanto quanto eu. Mesmo não aparecendo o rosto dela, os cabelos cor de mel, com ondas perfeitas, cobrindo as partes íntimas do Ricardo e o corpo ajoelhado em frente ao meu ex-noivo, sentado em uma poltrona, não deixam dúvidas que ela está fazendo sexo oral nele. — Sinto muito. — Eu também. — Por que você quer tanto ir hoje? Você não precisa provar para ele que está bem. Quase gargalho com a dedução do meu irmão. Ele está achando que estou indo ao evento para esfregar na cara do Ricardo que estou bem, mesmo depois das fotos que foram divulgadas na internet. Pobre Pedro! — Eu já sabia da Lara, Pedro — falo com calma. — Esse não é o motivo de eu estar aqui hoje. — Não? Então qual é? Abro um sorriso radiante. — Chegamos! — anuncio quando ele estaciona em frente ao enorme e NACIONAIS-ACHERON
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pomposo clube. — Confie em mim. Não espero meu irmão ou o manobrista abrirem a porta do carro para eu descer. Desço e sou recebida por uma chuva de flashes. Que Deus me ajude!
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Capítulo 27 Meu irmão desce correndo do carro e vem ao meu encontro. Ele entrelaça nossos braços e abre um sorriso tímido. Pedro sempre foi discreto e na dele. Nunca gostou de chamar a atenção. — Vamos entrar logo, Isabel — ele pede. — Não gosto dessas coisas e você também não. Pedro tem razão, não gosto de todo esse alvoroço. Acho de uma futilidade sem tamanho essas fotos que são tiradas na entrada dos eventos apenas para mostrar quem foi com quem, que modelo e marca eram as roupas dos convidados, o valor das joias usadas e toda essa merda. Mas hoje, hoje faço questão de segurar minha mão, que ostenta a aliança que Ricardo me deu quando firmamos o nosso noivado e compromisso, bem visível para as fotografias. Quando tenho certeza que a aliança chamou atenção suficiente, e foi fotografada, seguro a mão do Pedro, abro o maior sorriso que consigo e respiro fundo. — Vamos entrar. Preciso localizar o Ricardo. O local já está lotado. Todos desfilam de um lado para o outro com sorrisos falsos e cumprimentos forçados. Preciso lembrar de todas as coisas que vivi até agora, das coisas que aprendi com a antiga e a nova Isabel. Várias cenas passam pela minha cabeça. Falei para a Cida que ela sabia o quanto especial e necessário é demonstrar o amor, por isso estou aqui. Lembro que Beto disse que muitas vezes o que planejei poderia não dar certo, nem por isso eu deveria desistir ou não tentar, não posso desistir sem tentar. Quase posso me ver sentada no aeroporto, no dia da minha partida, pedindo silenciosamente que um dia Ricardo pudesse me perdoar, não posso esquecer o quão bem ele aceitou meu retorno. Lutei para NACIONAIS-ACHERON
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ser uma Isabel forte, decidida e independente, é hora de mostrar quem me tornei. Percorro o espaço com um olhar atento e minucioso até encontrar Ricardo conversando com um grupo de pessoas, Lara é uma delas. — É claro que essa traidora estaria ao lado dele — penso alto. — Isabel — meu irmão fala como advertência. — Não faça nenhuma besteira, por favor. — Fazer besteira? Eu? Meu tom cínico não passa despercebido pelo meu irmão. — Você vai fazer, não é? — Observe e aprenda. Caminho com determinação em direção ao Ricardo. Lara vê minha aproximação e chega mais perto de Ricardo. Tão perto que vejo seus seios rasparem no braço dele. É sujo que ela quer jogar? Não tem problema, também posso ser uma boa jogadora. Quanto mais me aproximo, mais meu estômago parece querer sair pela minha boca. Respiro fundo uma última vez, abro meu melhor sorriso e interrompo a conversa. — Oi, amor! Desculpa o atrasado — digo entrelaçando meu braço ao do Ricardo e deixando um beijo leve em seus lábios. — Boa noite, pessoal. — Cumprimento o restante do grupo de forma casual. Não sei quem está com a cara mais apavorada! Ricardo parece que viu um fantasma. Lara me fuzila com o olhar. Escuto alguns “oh!” do restante do grupo e Pedro, bom, Pedro está a alguns passos de distância, com o olhar baixo, a mão na testa e balançando a cabeça em NACIONAIS-ACHERON
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negação. — Isabel? Olho em direção ao senhor que falou meu nome de forma interrogativa. É o atual prefeito da cidade e amigo do meu pai. — Senhor prefeito, que bom revê-lo. — Não sabia que havia voltado — ele continua. Percebo que é o que todos do grupo estão pensando e indagando de forma silenciosa. O grupo é composto basicamente de figuras importantes da sociedade, mais algumas fofoqueiras de plantão e da pessoa que achei que seria mais difícil conversar essa noite, a proprietária do jornal local. — Não faz muito tempo que estou de volta. Logo que cheguei, Ricardo e eu viajamos por alguns dias, depois tive que reorganizar minha vida. — Olho para Ricardo e abro um sorriso sincero. Ele continua meio em choque. — Ainda estou organizando algumas coisas, mas não poderia deixar de comparecer a um momento tão importante na vida do meu noivo e da família dele. — NOIVO? — Lara praticamente grita. Olho o rosto de cada um no grupo, antes de direcionar meu olhar para Lara. — Sei o quanto se esforçou para suprir as “necessidades” do Ricardo, Lara — dou ênfase quando digo necessidades. Tenho certeza que todos viram as fotos, se ainda não tinham ligado a imagem a pessoa, agora não há dúvidas. — Porém, não precisamos mais de seus serviços. Algo me diz que Lara tem alguma coisa a ver com as fotografias vinculadas. Não tenho como provar, mas não vou deixar que minha imagem e a do Ricardo seja jogada na lama enquanto ela passa por boa moça. Volto a olhar para todos. A proprietária do jornal sorri diabolicamente. É isso aí! Marquei um ponto, um grande ponto! NACIONAIS-ACHERON
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— Preciso ajustar alguns detalhes antes da homenagem — Ricardo diz, voltando a realidade. — Peço licença a todos. Isabel? Ele não espera uma resposta, segura meu cotovelo e me afasta do grupo indo em direção a uma área com menos pessoas. — O que você está fazendo aqui, Isabel? Ricardo parece chateado, aborrecido, insatisfeito, irritado, tudo, menos feliz e aliviado. — Você não gostou de me ver. — Não é uma pergunta, mesmo assim, ele responde. — É claro que não! Ricardo começa a piscar incontrolavelmente. Ele está nervoso, muito nervoso. — Quem te trouxe? — pergunta. — Pedro. — Fica aqui. Vou encontrar ele e pedir para que te leve para casa. Antes dele conseguir se afastar, falo firme e com convicção: — Não vou a lugar algum. Você perguntou o que estou fazendo aqui, pois vou te responder. — Meu noivo volta a virar para mim e se aproxima. — Estou aqui porque não vou te abandonar nunca mais. Estou aqui para salvar nosso relacionamento e nosso amor. Estou aqui porque quero mostrar meu apoio incondicional. Estou aqui, porque aqui, é meu lugar. Ao seu lado. Ricardo fecha os olhos, passa a mão várias vezes pelo cabelo, espreme os olhos e solta alguns sons estrangulados e indecifráveis. — Por favor, vá para casa. — Não. NACIONAIS-ACHERON
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Ele olha para mim com carinho. — Isso é sério, Isabel. Vá para casa. Prometo que passo lá depois do evento. — Passa lá depois? Do mesmo jeito que conversamos depois da cena que Pedro fez na tua casa no sábado passado? Você tem fugido de mim a semana inteira, Ricardo! — Você não entende... — Eu vi as fotografias — falo, interrompendo. Seus olhos se arregalam. — Isabel, eu... — Senhor Ricardo? Olho para a moça com um sorriso encantador que está logo atrás do Ricardo, ele vira para olhar também. — Sim? — As homenagens vão começar. Sua presença está sendo solicitada junto ao mestre de cerimônias. — Tudo bem. Estou indo — Ricardo responde apreensivo. — Devo colocar mais um lugar na mesa que o senhor irá ficar para sua noiva? — Sim. — Não. Respondemos quase juntos. Ricardo ainda tem muito o que me explicar quanto algumas fotografias e sua atitude de se afastar depois que elas foram publicadas, mas vim até aqui para NACIONAIS-ACHERON
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demonstrar meu apoio e estar ao seu lado, não vou aceitar ser descartada. Afasto o corpo do Ricardo com delicadeza e olho firme, mas carinhosamente, para a moça e uso minha melhor voz de persuasão. — Meu noivo está um pouco apreensivo, não quer dar trabalho. Seria ótimo se você conseguisse mais um lugar à mesa. — Não será problema — ela responde sorrindo. — Podem me seguir? Tinha esquecido o quanto chato são esses eventos. A mesa que estamos é composta pelo prefeito, presidentes de associações beneficentes e autoridades locais. Tento parecer o mais feliz e animada que consigo. Ricardo continua quieto e pensativo. Quando decidi vir ao evento, sabia que não teria muitas chances e oportunidades para esclarecer as fotografias e a situação do nosso relacionamento, por isso tento acalmar meu coração todas as vezes que sinto Ricardo distante. Apenas foco no olhar sincero que ele me deu antes do meu irmão soltar a bomba em cima de nós no sábado passado. A imagem dele dizendo que indiferente do que acontecesse, não era para esquecer que ele me amava, é o que me mantém confiante e determinada. Ainda estamos no prato principal quando o foco da conversa sai da linda homenagem prestada à família do Ricardo e volta para mim. — Você disse que estava reorganizando sua vida, Isabel. Fiquei curioso sobre o que anda fazendo — diz o prefeito chamando a atenção de todos da mesa. — Te conheço desde menina, nunca imaginei que sua vida precisaria ser reorganizada. Não tenho vergonha do meu novo lar, do meu trabalho de auxiliar de cozinha, do meu novo estilo de vida ou dos meus planos para o futuro. Contudo, não acho que eles têm alguma coisa a ver com a minha vida para eu ficar me expondo. — Estou com alguns projetos novos de trabalho e vou voltar a estudar. Ricardo está me ajudando muito e dando todo o apoio que preciso nessa fase NACIONAIS-ACHERON
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— explico sem muitos detalhes. Pela primeira vez na noite, Ricardo parece satisfeito com minha resposta. Ele segura minha mão sobre a mesa e me oferece um sorriso tímido. — Seu pai deve estar orgulhoso — observa o delegado da cidade. Orgulhoso não seria a palavra, mas minha mãe sempre me ensinou que é de mau gosto discordar das pessoas, então apenas sorrio. O restante do jantar passa sem maiores problemas. Tenho certeza que todos perceberam que há alguma coisa errada entre mim e Ricardo, mas como tenho certeza que todos sabem da minha fuga e viram as fotografias, sei que eles não estão surpresos ou chocados com as diferenças que estão vendo na nossa forma de agir de antes e de agora. Estamos saindo quando Lara se aproxima e chama pelo Ricardo. Essa mulher não desiste nunca? — Podemos conversar por um minuto, Ricardo? — Claro — ele responde prontamente. — Um minuto. — Se importa de ir a um lugar mais reservado? — ela pergunta e me lança um olhar venenoso. Agora é a hora de saber o que Ricardo está pensando. Se ele me deixar aqui, plantada esperando, para ir conversar com Lara, vou saber que posso tê-lo perdido para sempre. — Isabel está cansada, não acho que é um bom momento — ele faz uma pausa, puxa meu corpo para junto do dele e sua voz muda drasticamente. — Até porque, a última vez que quis ir a um lugar mais reservado, não deu muito certo. Toda a cor do rosto da Lara some. — Você contou para ela — ela diz não acreditando. NACIONAIS-ACHERON
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— É claro que contei. — Ela já sabia antes das fotografias serem publicadas — ela conclui. — Nunca menti ou omiti nada da Isabel — Ricardo explica. — Ela foi a primeira pessoa para quem eu contei. — E mesmo assim estão juntos? — Um sorriso debochado e sinistro estampa o rosto de minha ex-melhor amiga. Juro que queria que o Ricardo resolvesse essa história sozinho, mas não tenho sangue de barata para aguentar as provocações da Lara. — Sim, estamos juntos — falo, me aproximo e é minha vez de estampar o sorriso debochado e sinistro. — Você deu uma olhada nas outras fotografias? É melhor prestar atenção. A dica é forte o suficiente para que ela saiba que todas as outras fotografias são de nós dois. Escuto um gemido de frustração atrás de mim, quase gargalho. Ricardo deve estar querendo me matar! Sem esperar uma resposta, até porque o “O” gigantesco que a boca da Lara forma já é uma resposta suficiente, viro e engancho meu braço no do Ricardo. — Vamos? Estou tão cansada — falo genuinamente. Ricardo me conduz alguns passos antes de desabafar. — Definitivamente não sei o que fazer com essa nova Isabel. — O que acha de dar mais material para novas fotos? — Isabel... Abro meu melhor sorriso e deixo um beijo leve em seus lábios antes de entrar no carro. Com certeza não me importaria de fornecer mais cenas quentes para novas fotografias, mas antes precisamos esclarecer o motivo do Ricardo ter NACIONAIS-ACHERON
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me afastado por uma semana inteira.
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Capítulo 28 Ricardo escolhe a casa dele para a nossa conversa. Sento no sofá e tiro meus tênis enquanto ele começa a desfazer a gravata borboleta. — Estava linda essa noite — ele observa. — Mesmo de tênis? — Mesmo se estivesse de pé no chão. — Ele vai até a cozinha e volta com uma cerveja e uma taça de vinho. — Precisamos conversar. Ricardo toma um gole do vinho, senta ao meu lado e parece apreensivo. Pego a cerveja, puxo meus pés para cima do sofá e viro meu corpo para ele, demonstrando toda minha atenção. Dessa vez vou esperar ele falar. — Sou toda ouvidos. — Algumas fotos não sei explicar — ele começa. — Não faço ideia de como tiraram fotos minhas desmaiado com drogas ao meu lado. Não uso drogas, Isabel. Nunca usei. — Eu sei. — As fotos que Lara aparece fazendo... — ele para, respira e pisca muito. — As fotografias com a Lara são do dia que te contei. Juro que foi a única vez. — Eu sei. Reconheço a biblioteca da casa dela em qualquer lugar. Fiz muito trabalho de aula lá quando éramos mais jovens. — As outras... — ele para novamente. — As outras acredito que não preciso explicar. Sorrio amplamente. NACIONAIS-ACHERON
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— Acredito que não. Mesmo não sendo a mesma Isabel de muitos anos, posso me reconhecer como a nova Isabel. As imagens em que nós aparecemos juntos não são tão nítidas e de tão boa qualidade como a que Ricardo está na biblioteca da casa da Lara, mesmo assim, posso me reconhecer e reconhecer todos os lugares que estivemos juntos nas últimas semanas. Eles publicaram fotografias do dia que transamos no carro, da nossa aventura no banheiro imundo do bar, do dia que masturbei Ricardo por baixo da mesa em um restaurante qualquer, dos nossos amassos contra o carro dele atrás do restaurante que trabalho, do dia que passamos dos limites em uma pista de dança de uma boate em uma cidade vizinha... resumindo, praticamente todas as nossas aventuras sexuais, estavam no site. O site nos mostra em várias situações distintas, em cada uma delas estou com o cabelo de uma forma diferente ou mal apareço. Tenho quase certeza que foi de propósito, foi assim que eles fizeram parecer que eram várias mulheres e não a mesma. — Será que outras pessoas também te reconheceram? — Ricardo pergunta, me tirando dos meus pensamentos. — E quem se importa? — Eu me importo, Isabel! Ricardo levanta e começa a caminhar de um lado para o outro. Por que ele se importa tanto? Essa merda já está se tornando drama demais. Estou ficando de saco cheio. Entendo que não é um bom momento para cenas tão explícitas de intimidade e sexo, já que o pai do Ricardo está pensando em se candidatar novamente para deputado, mas também não é o fim do mundo. Muitos políticos têm seus nomes associados a corrupção, desvio de dinheiro, não cumprimento das propostas de campanha e coisas muito piores, e assim NACIONAIS-ACHERON
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mesmo, se elegem. Não vejo motivo para tanto drama e preocupação. — Ricardo, senta aqui — digo fazendo gesto para ele sentar ao meu lado. Com muita relutância, ele volta para o sofá. — Entendo que tudo isso pode prejudicar a imagem do teu pai, mas... Ele não me deixa terminar de falar. — Você acha que estou preocupado com a imagem do meu pai? — Ele parece surpreso. — Não é por isso todo esse drama? — É claro que não! — Ricardo praticamente grita. Ele me abraça e afunda meu rosto em seu peito. — Amo meus pais, você sabe disso, mas se estivesse preocupado com eles, não teria te aceitado de volta. Eles nunca vão perdoar o teu sumiço, toda a dor e sofrimento que passei. Eles não entendem e nunca vão entender o amor que sinto por você. Meu peito se aperta. É maravilhoso o ouvir confessar que ainda me ama, porém dói saber que os pais do Ricardo, pessoas que um dia considerei minha própria família, não vão aceitar nosso relacionamento. — Por que você se afastou? Preciso saber o motivo. — Para te proteger. Não queria teu nome associado àquelas fotografias. Não queria que tivesse que passar por tudo isso comigo. Achei melhor que pensassem que eu estava saindo com muitas mulheres, bebendo e seja lá Deus o que mais insinuaram, do que explicar que eu e minha noiva gostamos de algumas loucuras às vezes. Se a situação não fosse tão idiota e bizarra, juro que eu iria rir. Ele me chamou de NOIVA! Mas estou muito puta da vida para rir. Ricardo não pode estar falando sério. NACIONAIS-ACHERON
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— Você tá de brincadeira comigo, né? Ele me afasta o suficiente para olhar no meu rosto e parece mais confuso do que nunca. — Pelo amor de Deus, Ricardo! — continuo. — Você acha mesmo que me importo? Se eu me importasse nunca teria saído em busca de algo novo. Nunca teria fugido na véspera do nosso casamento. Nunca teria dançado em uma boate LGBT. Nunca teria procurado um emprego de auxiliar de cozinha. Nunca teria... nunca teria feito tanta coisa. Minha única preocupação agora, é ser feliz. É fazer coisas que me fazem feliz. É estar ao lado de pessoas que amo e que me trazem um sorriso ao rosto. É não deixar nada para amanhã. — Mas, Isabel — ele me interrompe. — Todo mundo nessa cidade olha aquela porcaria de site. Todo mundo... — Grande merda! — Dessa vez é minha vez de interromper. — Da forma como você fala parece que moramos em uma grande cidade e o site é algo comparado como sei lá... Globo.com, Pure People, New York Times... e como se nós dependêssemos de uma imagem pura e imaculada para viver. Faz uma semana que as imagens foram postadas, não perdi meu trabalho, ninguém deixou de vender pão para mim na padaria, consigo pegar o ônibus tranquilamente para me deslocar... — Não tem graça, Isabel — Ricardo chama minha atenção quando começo a divagar e a sorrir. — Meio que tem graça sim. — Gargalho. — A única pessoa que me preocupa é você, e pelo que me lembro, não estava reclamando no momento que tiraram as fotografias. — Deus! O que vou fazer com você? — Ricardo pergunta me puxando para o seu colo. — Ser feliz! — Simples assim? NACIONAIS-ACHERON
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— Simples assim. Passo meus braços pelo seu pescoço e o puxo para um beijo. Estava com saudades de sentir seus lábios em mim, suas mãos tocando meu corpo, sua respiração em minha pele. Beijo com calma e sem pressa. Sei que é disso que ele precisa agora. Ricardo me ergue e me leva para o quarto, me coloca delicadamente sobre a cama e começa com beijos pelos meus pés. — Como ficamos agora? — pergunta. — Ficamos sem controle, nus e cheios de luxúria. Ele ri, mas para com os beijos e seu olhar encontra o meu. — Você falou na frente de muita gente que é minha noiva. — Falei. Sabia que a cobrança para assumir nosso relacionamento perante todos iria chegar. Na verdade estava contando com isso. — Então? — Então é melhor que seja verdade, Ricardo. Posso passar por vadia, louca, princesinha e mimada, mas não quero ser a mentirosa da cidade. O sorriso gigantesco do Ricardo ilumina o quarto todo. Ele praticamente arranca o vestido do meu corpo e não é mais gentil com seu smoking. — Eu te amo — diz entre beijos. — Eu também te amo, mas, pelo amor de Deus, vamos combinar de não fugirmos mais um do outro? Passei uma semana inteira alucinada tentando entender o que você estava pensando, fazendo... Paro de falar quando percebo que foi horrível ficar uma semana sem notícias NACIONAIS-ACHERON
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do Ricardo, não posso nem imaginar como foi para ele ficar os quase seis meses que sumi. — Não faz isso, Isabel — ele pede. Ricardo parece ler meus pensamentos. Ele me aconchega em seu peito, encosta todo seu corpo no meu e beija o topo da minha cabeça. — Precisamos superar o primeiro noivado, a tua fuga, as frustrações e as diferenças. Precisamos iniciar... — Não, Ricardo. Não concordo. Tentamos isso antes, não vai dar certo. Precisamos é confiar mais um no outro, conversar mais e aprender com nossos erros. Não podemos deixar tudo o que vivemos para trás. Nossa história é linda. Não quero fingir que sou outra pessoa. A ex-noiva malvada era eu, ou melhor, sou eu. Porém hoje, hoje sou mais decidida, mais independente, mais determinada e mais realizada. O conhecimento de quem eu sou e do que quero fazer, vai ajudar, e muito, no nosso relacionamento. Depois de tudo o que passamos, sinto que estamos mais fortes e unidos. Ricardo segura meu rosto entre as mãos e me olha com o azul mais brilhante que seus olhos poderiam estar. — Se vamos retomar de onde paramos, quer dizer que o nosso casamento está próximo? O sorriso genuíno, esperançoso e fofo do Ricardo quase me faz dizer que sim. Porém não podemos esquecer de tudo o que passamos nos últimos meses e precisamos alinhar nossas diferenças. Meu noivo tem se mostrado muito compreensivo com minhas mudanças, mas precisamos saber se vamos nos encaixar bem no dia a dia. — Se vamos retomar de onde paramos, quer dizer que te abandonei praticamente no altar, fiz mudanças drásticas na minha vida, tenho um trabalho assalariado e muitos objetivos de vida para correr atrás. — Então... NACIONAIS-ACHERON
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— Então estamos superando as diferenças do nosso relacionamento, as nossas diferenças e nos apoiando em nossas metas e sonhos, pois descobrimos que nosso amor é maior que tudo. — Isso não é um não para o nosso casamento — ele conclui. — Não, não é um não. Também não é um sim — explico. — Tenho muita coisa ainda para descobrir sobre mim e sobre o que eu quero. Preciso de um tempo para ajustar minha vida, mas prometo nunca mais fugir. Você estará ao meu lado para sempre, em qualquer circunstância. Ricardo se movimenta rápido, paira em cima de mim e prensa meu corpo contra o colchão. Seus lábios ficam muito próximos dos meus, quando acho que ele vai começar a me beijar, ele resolve continuar a conversa. — Estamos começando a progredir. Também prometo não te excluir das minhas decisões. Não fiz uma boa escolha quando decidi te afastar por essa semana inteira. De hoje em diante, você estará ao meu lado para sempre, em qualquer circunstância — ele repete minhas palavras. Por enquanto, essa promessa é tudo o que precisamos. Estarmos juntos, para sempre, e participando das decisões e da vida um do outro, é tudo o que sonhei. Relacionamento não é só demonstrações de afeto nos finais de semana, eventos, jantares em família, exibição em lugares públicos, sorrisos amorosos e encontros no clube. Relacionamento é apoio mútuo, superação nas dificuldades do dia a dia, respeito, participação na vida um do outro, respeito, companheirismo, aceitação, diálogo e, muitas vezes, renúncia. — Para mim, parece ótimo! — concluo. — Para mim, parece bom e um grande progresso. Ótimo vai ser quando estiver pronta para casar e for minha esposa — Ricardo deixa claro. Será que um dia vou estar pronta para casar? NACIONAIS-ACHERON
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Capítulo 29 Resolvo prender meu cabelo em um rabo de cavalo alto. Ricardo não falou onde vamos jantar, apenas disse que passaria me buscar às seis e que tinha uma surpresa. Ele anda cheio de surpresas nos últimos meses. A primeira, depois da noite do evento, foi a forma como nosso relacionamento está fluindo. Agora sim parecemos namorados de verdade. Namorados que se amam, mas que às vezes discordam, brigam e precisam de muita paciência para superar as diferenças. Estamos nos esforçando muito para nos adaptar um na vida do outro. Ricardo ainda tem o hábito de tentar fazer tudo ficar mais fácil para mim, me tratar como algo a ser mimado, mas como discordar quando isso incluir me presentear com o emprego dos meus sonhos? Nunca imaginei que o melhor emprego estaria bem de baixo do meu nariz! Faz três meses que sou auxiliar da engenheira na empresa de restauração de carros do meu noivo e do irmão. Estou amando! Trabalho na parte da oficina, como minha mãe chama, e a cada dia percebo que engenharia é minha profissão. Estar em meio ao processo, aprender como tudo funciona e como a escolha dos materiais certos usados podem tornar o resultado bom ou não na restauração, é sensacional. Minha mãe teria um colapso se me visse de macacão, não só andando, mas trabalhando junto com todos os operários, como ela se refere aos empregados da parte operacional. O reingresso à faculdade não está sendo fácil, nunca tive tantas matérias envolvendo cálculos, desenhos e mais cálculos, mas nunca imaginei que seria fácil. NACIONAIS-ACHERON
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Outra surpresa muito legal, foi quando, no meu aniversário, abri a porta da casa do Ricardo e dei de cara com uma festa surpresa. Nunca tive uma festa de aniversário surpresa! Mais surpresa ainda fiquei quando vi Beto no meio dos nossos amigos. Isso sim foi surpresa! Ricardo convidou Beto para passar alguns dias conosco, ele aceitou e foi uma semana cheia de adrenalina, estrondos na cozinha, acordar cedo e filosofias de vida. Enfim, uma semana com a cara do Beto. Acabamos ficando os três na casa do Ricardo. Meu noivo parece entender minha amizade com Beto, mas não a ponto de entender o suficiente para deixar Beto ficar no meu apartamento quando tem apenas uma cama minúscula. Meu amigo se divertiu muito testando todos os carros que estavam sendo restaurados na empresa. Como um bom piloto que se preze, não deixou nem o Dodge Challenger do Ricardo parado. Meu irmão é que não gostou muito de toda essa empolgação do Beto. Pensando bem, acho que Pedro não gostou foi de toda empolgação que Beto causou na Stela. Pedro e Stela ainda são um enigma para mim. Eles continuam afirmando que são apenas amigos, mas tenho certeza que se fosse pelo irmão, eles estariam casados, com direito a filho, cachorro, gato, periquito e tudo mais. E eu que achei que o problema era o Pedro. Não entendo a resistência da Stela, já tentei conversar com ela, sempre recebo apenas um “é complicado, Isabel”. Todo relacionamento é complicado! Qual relacionamento é fácil, descomplicado, perfeito e um mar de rosas? Meu celular toca e volto à realidade. — Oi, Beto! NACIONAIS-ACHERON
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— E aí, gata, como vão as coisas? — Tudo tranquilo. Estou terminando de me arrumar para ir jantar com Ricardo. — Beleza. Liguei para saber como está e... — ele hesita um pouco antes de continuar. — ...para te lembrar que, muitas vezes, pensar demais não é bom. — Do que está falando? — Quero que pegue o livro com a tua história e leia alguns trechos de como você é feliz agora. No meu aniversário, finalmente, Beto me deixou abrir o segundo presente que ele me deu, junto com o travesseiro novo e fofinho, para comemorar a estreia do show na boate LGBT. Eu tinha razão, parecia um livro. Era um livro com páginas em branco. No começo não entendi, mas lembrei que no dia que era para eu estar casando com Ricardo e acabei na cama com Beto, chorando e contando todas as minhas frustrações, medos e ambições, falei que queria escrever minha própria história. Beto estava me dando isso, um lugar para escrever minha própria história. — Essa conversa está estranha — digo. Ele gargalha. — Você sempre pensou que sou estranho. — Mas nunca disse! Tudo bem, pensando agora, posso ter deixado escapar uma ou duas vezes que ele era estranho. — Vou deixar você terminar de se arrumar. Beijos, gata. — Se cuida, Beto. Desligo o telefone bem na hora que Ricardo chega. NACIONAIS-ACHERON
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Ele está lindo! Acho que nunca vou me acostumar com a beleza do Ricardo. Não é só a beleza física, é a forma como ele é por inteiro. Meu noivo é a pessoa mais compreensiva, altruísta, confiável, apaixonado e atencioso que conheço. — Está pronta? — Sim. — Confortável? Quando ele me convidou para sair, pediu que eu me vestisse de uma forma confortável. Estou sempre confortável. Nunca mais vou usar roupas que não me sinto bem. — Muito! Aonde vamos? — Surpresa! — Você anda cheio de surpresas. — Confia em mim — pede, mas parece nervoso. Ricardo fica mais nervoso a cada momento. Percebo ele piscando muito, enquanto dirige. Ele pediu para eu confiar nele, estou tentando, mas é difícil quando compreendo que estamos indo ao clube. Raramente frequentamos esse lugar. Meus pais ou os pais do Ricardo estão sempre por lá, e mesmo que todos estão tentando ser civilizados, a harmonia ainda não é uma coisa que impera no nosso relacionamento familiar. Fico mais apreensiva quando percebo que estamos indo para os fundos do clube, e não para o restaurante. O lugar é remoto e não há muita coisa por lá, apenas as salas de máquinas, caldeiras e um heliponto. — Para onde estamos indo, Ricardo? Ele dirige mais um pouco em silêncio e somente quando estaciona ao lado de um helicóptero, responde: — Voltando ao início de tudo. NACIONAIS-ACHERON
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Demora poucos segundos para eu entender o que ele quer dizer. Estamos voltando ao nosso início. Ao início da nossa vida a dois efetivamente. Até a nossa primeira vez juntos. Até aquele dia, éramos apenas dois adolescentes brincando de namorar, depois da conexão tão íntima e perfeita que tivemos, passamos a ser dois jovens sonhando com o felizes para sempre. Meu sorriso chega doer minhas bochechas de tão grande, largo e potente. — Nós vamos para a praia agora? — Não consigo, e não quero, conter minha animação. — Sim, nós vamos. O trajeto até a praia, onde tivemos uma das melhores noites das nossas vidas, leva um pouco mais de meia hora de helicóptero. Ricardo parece ter tudo cronometrado e preparado. O mesmo quarto está nos esperando, com a mesma decoração. As velas perfumam e iluminam o lugar, o som do mar se mistura com nossas respirações aceleradas, o vento invade o local e bate no meu corpo trazendo todas as lembranças daquele momento. Impossível não lembrar de como feliz eu estava naquele dia. O quanto completa, amada e desejada, Ricardo me fez sentir. — Amo esse lugar — digo, avançando até a grande varanda. — Amo todas as lembranças boas que criamos juntos nele. Olho para a praia parcialmente iluminada. Esse lugar é lindo. — Eu sei. E é com isso que estou contando. Viro para olhar para o Ricardo, ele ficou no meio do quarto, não me NACIONAIS-ACHERON
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acompanhou até o lado de fora. Meu noivo está ajoelhado, segurando uma pequena caixa com uma aliança linda e brilhante. Meu coração começa a bater incontrolável dentro do meu peito, minha respiração acelera mil vezes e lágrimas correm sem restrição pelo meu rosto. — Ricardo... — Isabel, espero, sinceramente, que depois de tudo o que vivemos, de todo o amor, compreensão, companheirismo, união e respeito que demonstramos ter um pelo outro, você esteja pronta para casar. Te amo mais do que pode imaginar, quero você ao meu lado para sempre. — Ricardo, eu... — Não faz isso, Isabel — ele pede, piscando muito. — Apenas me diz, está pronta para casar? Ou não? Começo a rir e caminho até ele. — Pensei em falar palavras bonitas e românticas como as suas, mas já que está tão apressado... sim! SIM! Estou pronta para casar. Ricardo respira aliviado e levanta para me abraçar. — Eu te amo, te amo, te amo — diz entre beijos. Seguro a barra da sua camiseta e tiro como em um passe de mágica. Quero sentir todo o amor e cumplicidade que senti na primeira vez que estivemos aqui. Passeio minhas mãos pela pele bronzeada do Ricardo, beijo seu ombro, seu peito e volto a beijar seus lábios carinhosos e tão meus. Ele nos conduz até a cama, me deita delicadamente e começa a me despir. Ele tira um tênis e deixa um beijo. O outro tênis e mais um beijo. Puxa minha calça e faz um caminho de beijos até a minha barriga. Minha pele arrepia. NACIONAIS-ACHERON
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Com muita calma, ele tira minha blusa e olha com admiração para meu corpo. — Minha esposa. Senhora Ricardo Torres Garcia. Até que enfim. — Sua esposa? Ainda não — falo não querendo apressar as coisas. — Não precisamos correr com isso. Não quero aquela loucura que virou o planejamento do nosso primeiro casamento. Foi desgastante, Ricardo. Podemos sentar, conversar e planejar com calma uma cerimônia mais simples e que combine mais conosco. Prometi que não vou mais fugir e te abandonar, reafirmo minha promessa, mas me dê algum tempo. Ricardo volta a beijar minha barriga e faz um caminho até encontrar meus lábios. Suas mãos acariciam minha pele e seu corpo quente envolve o meu. Uso a sua aproximação para aproveitar o corpo perfeito do meu futuro marido. Toco cada centímetro de pele exposta e decido que ele ficou com a calça tempo demais. — Isabel — ele chama, se afastando um pouco. — Quando você diz que precisa de um tempo, de quanto tempo estamos falando? — Não se preocupe com isso. Não quero um casamento cheio de convidados, com um vestido exclusivo, decorado com flores exóticas, comida feita por um renomado chef de cozinha e... — Isso eu entendi — ele interrompe. — O que quero saber, é se você considera duas horas tempo suficiente? Pânico toma conta do meu corpo. Do que diabos ele está falando? — Duas horas? Ele parece constrangido e preocupado. — É, duas horas. Sei que os convidados vão entender se a gente se atrasar um pouco, mas não queria abusar da paciência deles. Empurro o Ricardo e sento na cama. NACIONAIS-ACHERON
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— NÓS VAMOS CASAR DAQUI DUAS HORAS? — Acho que Beto tinha razão. Ele disse que você poderia achar duas horas pouco tempo. Você não odeia quando ele tem razão? Ricardo não parece entender a gravidade da situação. Como e onde vou conseguir um vestido de noiva em duas horas? — Caralho, Ricardo! Como vou estar uma noiva apresentável em duas horas? Um sorriso triunfante ilumina o rosto dele. — Cuidei disso! — Ele verifica o relógio e avisa: — Em quinze minutos, Stela vai vir te ajudar! — Vamos casar daqui duas horas, Stela irá aparecer em quinze minutos e ao invés de você me falar, me deixou acreditar que iríamos ter uma noite romântica de sexo? Ele me abraça e afaga meu rosto. — Ok! Não planejei e cronometrei tudo tão bem como imaginei. Prometo que ainda vamos ter uma noite romântica de sexo, uma vida cheia de amor e descobertas e muito tempo para entrar em pânico, mas tudo isso, será como senhor e senhora Ricardo Torres Garcia. O resto, é... apenas detalhes. Ele tem razão. Beto tinha razão. Nunca vou ter controle e certeza sobre tudo. Não preciso pensar, planejar e organizar cada passo nos mínimos detalhes. Muitas coisas só vou descobrir que me fazem feliz quando acontecerem. Felicidade é o que importa, o resto são apenas detalhes. E agora, nesse momento, o pensamento de casar e ter o Ricardo para sempre na minha vida, me faz muito mais do que feliz. NACIONAIS-ACHERON
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Estou completa, realizada e pronta para casar. — Dessa vez Beto não tinha razão — falo, animada. — Duas horas é tempo suficiente!
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Epílogo Acredito que todo noivo fica nervoso. É impossível não entrar em pânico quando você fica, sozinho, de frente para os convidados, sendo observado, com cara de paisagem, esperando a noiva entrar, sem ao menos ter certeza que ela irá entrar. Isabel prometeu nunca mais me abandonar. Sei que posso confiar nela. O que temos hoje é bem diferente do que tínhamos há quase um ano atrás, mesmo assim, estou mais do que nervoso. Diria que estou a ponto de ter um colapso nervoso. Olho para cada um dos nossos amigos que hoje são nossos convidados e padrinhos. Não são muitos, mas são os verdadeiros, os que importam. Cada um deles representa uma fase da nossa vida. Temos menos de dez convidados, apenas Pedro, Stela, Gustavo, Beto, Cida e Simone estão acomodados na fileira de cadeiras em frente ao altar improvisado no restaurante da pousada. Desses seis, somente Pedro e Gustavo eram convidados para o nosso primeiro casamento. Eles são os únicos que nos acompanharam desde o início e fizeram de tudo para que pudéssemos superar nossas diferenças e estarmos aqui hoje. Pedro de uma forma mais enérgica e menos passiva, mas entendo meu amigo, era da irmã dele, da princesinha do seu castelo, mesmo que Isabel odeie admitir isso, de quem estávamos tratando. Beto e Cida, entraram na vida da Isabel de uma forma permanente. Eles cuidaram, auxiliaram e a guiaram em todo seu caminho de descoberta. Serei grato a eles para sempre. As histórias que eles contam, deixam claro que eles sempre acreditaram em nosso amor e na nossa reconciliação. Tanto Beto como Cida, nunca ensinaram nada a Isabel que eu soubesse fazer. Quando ele resolveu ensinar ela a surfar, se certificou que eu não soubesse. Antes de Cida ensiná-la a NACIONAIS-ACHERON
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cozinhar, perguntou se eu sabia cozinhar. Podem parecer gestos simples, mas são as coisas simples que formam o todo. Stela entrou nas nossas vidas como uma lufada de ar fresco e puro. No meio de toda confusão que virou minha vida após o sumiço da Isabel, somente uma pessoa como Stela para mostrar que nem tudo estava perdido. Sempre calma, centrada e otimista, estava disponível para palavras carinhosas e de apoio quando eu e Pedro pensávamos em fazer loucuras para encontrar Isabel. Se eu não fosse completamente apaixonado, fissurado e de quatro pela Isabel, pediria a Stela em casamento. Não entendo o que Pedro está esperando para tomar uma atitude firme e mostrar a ela que eles são perfeitos juntos. Simone é a mais nova amiga de Isabel. Depois de tudo o que Lara aprontou, não imagino uma amiga melhor para minha futura esposa. Conheço Simone desde que a contratamos na empresa há dois anos, ela é a engenheira chefe e supervisora da Isabel, as duas formam uma bela parceria. Mesmo que eu nunca tenha admitido que as suposições da Isabel de que as fotografias foram armação da Lara, tenho uma intuição ruim quanto as antigas amigas dela. Nenhuma parecia realmente verdadeira. Com certeza, Isabel está bem melhor com Stela, Cida e Simone ao seu lado. Escuto passos se aproximando e uma onda de alívio me atinge. Em pouco segundos, Isabel, vestida de noiva e com um sorriso tímido, toma conta do ambiente. Agora não é uma onda que me atinge, é um grande e enorme Tsunami. Ela está perfeita! Minha esposa é a mulher mais linda que já vi na minha vida. Isabel sempre foi espetacular, mas depois de todas as mudanças, o ar leve, feliz, exultante e satisfeito, torna ela a mulher mais esplêndida que existe no mundo. Nenhuma roupa, maquiagem, cabelo ou essas coisas todas que as mulheres se preocupam, podem trazer tanta beleza como a felicidade. Recebo Isabel no altar e nossos convidados se aproximam. Pedi ao padre uma NACIONAIS-ACHERON
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cerimônia simples, não sei se é o que ele está fazendo, não consigo ouvir uma palavra do que ele está dizendo, estou focado apenas no rosto da minha noiva e nos seus lábios quando ela diz “sim, eu aceito”. Não sei se estraguei o protocolo ou não, apenas seguro ela nos meus braços e a beijo intensamente. Nossos amigos explodem em gargalhadas. Não me importo. Espero que eles mantenham o humor quando eu dizer que não vamos poder participar do nosso próprio jantar de casamento, porque sou egoísta suficiente para não querer dividir a Isabel com ninguém. — Te amo, Isabel — reafirmo meu amor por ela. — Te amo, marido! Droga! A palavra marido parece um afrodisíaco potente nos lábios da minha esposa. — Vamos voltar para o quarto e continuarmos de onde paramos antes do casamento — sussurro em seu ouvido. — E os convidados? — Vamos ter fortes emoções amanhã, acho que eles vão esquecer nossa falta de educação. Pego Isabel no colo e caminho em direção a saída sob um coro de gritinhos e assobios. — O que temos planejado para amanhã? — pergunta. — Convidei a ex-noiva do Beto para juntar-se a nós para o café da manhã. Os olhos da Isabel parecem que vão saltar do seu lindo rosto. — Por que fez isso? — Porque sou o homem mais feliz do mundo e quero que todos também sejam. NACIONAIS-ACHERON
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— E eu que pensei que não poderia te amar mais. E é com essa frase que sei que o nosso sonho da juventude se tornou realidade: Felizes para sempre juntos!
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