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PLATÃO E A ALEGORIA DA CAVERNA A "A ALEGORIA DA CAVERNA" de PLATÃO (428 a.C. - 347 a.C) se encontra no Livro VII da obra "A REPÚBLICA". Nesse livro, Platão cria um vívido retrato de, pelo menos, quatro importantes elementos da sua Filosofia: a Metafísica; a Epistemologia, ou teoria do conhecimento; a Ética e, por fim, a Filosofia Política.
Platão expôs a sua filosofia em forma de diálogos, criando uma atmosfera propícia para que o leitor "participe" do jogo de perguntas e respostas que frequentemente aparecem nos diálogos platônicos. Outra característica dos seus é a presença do seu mestre, SÓCRATES. Sócrates quase sempre conduz os diálogos. Sua presença é uma homenagem de Platão, mas também evidencia como a filosofia platônica estava fortemente interligada com a filosofia socrática. Importante ressaltar que Sócrates deixou nada escrito; ele preferia filosofar através de diálogos ou conversas. Essa dimensão, a do diálogo, é ressaltada por Platão. Podemos afirmar que para a filosofia
socrático-platônica,
o
diálogo
é
a
base
do
filosofar.
Segundo Danilo Marcondes, autor da "Iniciação à História da Filosofia"[1], A Alegoria da Caverna" pode ser dividida em 3 partes:
I - A CENA II - A LIBERDADE III - O SENTIDO POLÍTICO
Representação pictórica da caverna de Platão.
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Trabalharemos, a seguir, com essa divisão.
I - A CENA
Dentro duma caverna, existem prisioneiros amarrados. Eles estão no fundo da caverna e os seus corpos estão praticamente imobilizados. Desde há muito, esses prisioneiros se acostumaram a ver sombras no fundo da caverna; essas sombras são consideradas reais. Também, os prisioneiros ouvem sons atrás de si. Esses sons se originam das pessoas que carregam estandartes e conversam coisas variadas. Atrás dessas pessoas que carregam esses estandartes há uma fogueira, num plano superior, cuja luz projeta as sombras dos símbolos dos estandartes no fundo da caverna. Desse modo, aquilo que os prisioneiros consideram como sendo "A Realidade" é, na verdade, a projeção de símbolos que eles entendem de um modo particular. Assim, um estandarte circular poderia ser entendido como sendo uma "água gelada", porque um dos que carregavam os estandartes falou para outro: "Eis a "água gelada"...
Representação inspirada na Alegoria da Caverna de Platão
II - A LIBERDADE
Alguns prisioneiros se acomodam com essa situação descrita em I. Porém, um dos prisioneiros é despertado pela curiosidade e resolve se libertar das correntes. Comumente, se associa às correntes certos hábitos que favorecem a ignorância, tais 2
como:
acomodação/preguiça,
costumes,
preconceitos,
dogmas,
tradição
etc.
Logo após se libertar, o prisioneiro percebe que só via sombras projetadas na parede. Ele descobre da onde vinham essas sombras. Agora, ele toma os estandartes como sendo a realidade; todavia ele logo descobre que existe uma fonte de luz - a fogueira que estrutura as sombras no fundo da caverna. Podemos entender que a descoberta dos estandartes é a descoberta de uma realidade superior com relação às sombras projetadas no fundo da caverna, descrita pedagogicamente pelo filósofo antigo Platão.
Nosso prisioneiro liberto sofre com a visão da luz produzida pela fogueira, porque ele se acostumou, há muito, a viver na escuridão. Por isso, seus olhos doem. Ou seja, conhecer a realidade machuca os sentidos - no caso, a visão -, fazendo com que o prisioneiro até se afaste da luz. Aqui, podemos fazer um paralelo entre a ignorância e o conhecimento. Na espistemologia platônica, o processo de conhecimento da verdade é algo doloroso e desconfortável. Tão doloroso que alguns preferem nem fazê-lo para evitar sofrimentos. Sofrimento, aqui, pode ser entendido como o desconforto de sentir crenças muito arraigadas destruídas pela verdade. Como se costuma dizer: "a verdade dói", ou ainda, "a ignorância é uma benção". Todavia, para Platão, a verdade é suprema.
Nosso prisioneiro continua a sua jornada rumo para fora da caverna. Fora da caverna ele encontra o mundo verdadeiro com animais, plantas, cores que ele nunca tinha percebido, sons, outras pessoas, enfim, ele encontra a verdadeira realidade que é estruturada pela luz do Sol. Também, aqui, nosso prisioneiro sofre agudamente para encarar a luz solar, mas depois que ele acostuma sua visão, ele consegue se maravilhar com a realidade superior, pois essa representa tudo àquilo que é verdadeiro.
Assim, a metafísica platônica é fortemente marcada pelas noções de realidade e aparência. Para Platão, nossos sentidos só conseguem capturar um mundo de aparências, o mundo dos prisioneiros que estavam dentro da caverna. O mundo fora da caverna, que é iluminado pelo Sol, é o mundo da verdadeira realidade. Na espistemologia ou teoria do conhecimento platônica, a verdadeira realidade não é atingível pelos sentidos, só se pode atingi-la pela alma racional. Temos, assim, uma separação radical entre aparência e realidade na metafísica platônica. A fogueira, que ilumina a realidade da caverna, pode ser considerada a realidade sensível ou inferior, enquanto o Sol, que ilumina a realidade do mundo fora da caverna, pode ser 3
considerado a realidade inteligível ou superior. Importante ressaltar que no dualismo platônico - em que há uma separação radical entre aparência e realidade -, a realidade ou verdade se encontra no Mundo das Ideias ou das Formas, um mundo aonde as verdadeiras ideias existem de fato. Assim, a ideia de "humanidade" existe no Mundo das Formas e é esse mundo, ou realidade, que estrutura o nosso mundo inferior. Nós somos como que cópias imperfeitas dessa ideia de "humanidade", mas participamos, sem dúvida, dessa ideia.
A liberdade permite ver a verdadeira realidade
III - O SENTIDO POLÍTICO
Resumindo, nosso prisioneiro liberto antes pensava que as sombras projetadas no fundo da caverna fossem a realidade. Ele vence a acomodação e descobre a "realidade" das sombras que , na verdade, são as formas de estandartes que recebem a luz duma fogueira. Ele não só se acostuma com a luz da fogueira, que machucava a sua visão, como também vence a luz do Sol, permitindo que o nosso prisioneiro descubra o mundo verdadeiro, o mundo real, infinitamente mais belo por estar fundado na realidade.
Todavia, no diálogo "A Alegoria da Caverna", Platão acha que o prisioneiro deve voltar para a caverna. Mas porquê alguém que conheceu a realidade superior deve voltar para uma realidade inferior? Por que voltar para o fundo da caverna, voltar para a
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ignorância?
A resposta de Platão é simples e mostra o sentido político de sua filosofia. Para Platão, alguém que conheceu a verdade não pode guardar essa descoberta para si, ele deve compartilhar com os outros o seu conhecimento. Assim, o prisioneiro deve voltar para a caverna e relatar para os outros acorrentados o que ele descobriu. Todavia, obviamente muito dos acorrentados receberão com desconfiança as notícias trazidas pelo liberto. Alguns o acusarão de loucura, outros se irritarão por não aceitarem uma realidade diferente daquela exposta no fundo da caverna. Os mais exaltados podem, até mesmo, querer matar o nosso prisioneiro liberto. De certa maneira, podemos entender que Platão fez, aqui, um paralelo com a morte de Sócrates. Nessa leitura, Sócrates quis mostrar a verdade para o povo ateniense, mas isso lhe custou a vida. Desse modo, o filósofo deve mostrar a verdade, mesmo que isso lhe custe a vida devido, entre outros, à ignorância, ao fanatismo ou à força da falsa realidade.
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DIÁLOGO A ALEGORIA DA CAVERNA O diálogo é entre Sócrates e Glauco. O diálogo foi escrito por Platão… Sócrates – Agora imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoço acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas. Glauco – Estou vendo. Sócrates – Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que o transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio. Glauco – Um quadro estranho e estranhos prisioneiros. Sócrates – Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e dos seus companheiros, mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica de fronte? Glauco – Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida? Sócrates – E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo? Glauco – Sem dúvida. Sócrates – Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, não achas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam? Glauco – É bem possível. 6
Sócrates – E se a parede do fundo da prisão provocasse eco, sempre que um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles? Glauco – Sim, por Zeus! Sócrates – Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados. Glauco – Assim terá de ser. Sócrates – Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçado e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora? Glauco – Muito mais verdadeiras. Sócrates – E se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Não desviará ele a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram? Glauco – Com toda a certeza. Sócrates – E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora denominamos verdadeiras? Glauco – Não o conseguirá, pelo menos de início. Sócrates – Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o dia, o Sol e a sua luz. Glauco – Sem dúvida. 7
Sócrates – Por fim, suponho eu, será o Sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal como é. Glauco – Necessariamente. Sócrates – Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna. Glauco – É evidente que chegará a essa conclusão. Sócrates – Ora, lembrando-se da sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que aí foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram? Glauco – Sim, com certeza, Sócrates. Sócrates – E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas para aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser um simples criado de charrua, a serviço de um pobre lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia? Glauco – Sou da tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa maneira. Sócrates – Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol? Glauco – Por certo que sim. Sócrates – E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que os seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se a alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo? Glauco – Sem nenhuma dúvida.
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Referências Bibliograficas PLATÃO. A República. (trad. Enrico Corvisieri) São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Col. Os Pensadores). “A Republica de Platão” pode ser adquirida facilmente e com um bom preço. Por exemplo, o texto integral da Martin Claret é o número 36 da Coleção “A Obra Prima de Cada Autor”.
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------MARCONDES, D. "Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein". Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002
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