SÉRIE CRUEL BELEZA #2 - GILDED ASHES – ROSAMUND HODGE (traduzido)

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CINZAS DOURADAS SÉRIE: CRUEL BELEZA LIVRO 2

ROSAMUND HODGE

Editora oficial: BALZER & BRAY

Esta tradução foi realizada sem fins lucrativos e não tem custo. É uma tradução feita por fã e para fãs. Se o livro conseguir chegar ao seu país, recomendamos que você o compre. Não se esqueça que você também pode apoiar a autora seguindo-a em suas redes sociais, recomendando-a para seus amigos, promovendo seus livros e até mesmo fazendo resenhas sobre ela no seu blog, fórum e redes sociais.

SINOPSE Uma reinvenção romântica e fantástica do conto clássico da Cinderela, Gilded Ashes é uma novela de Rosamund Hodge ambientada no mesmo mundo que o romance de estreia da autora, Beleza Cruel. A órfã Maia não vê sentido no amor quando só traz dor: sua mãe moribunda fez um acordo com o governante maligno e todo-poderoso de seu mundo que qualquer um que machucasse sua filha amada seria punido; sua nova Madrasta enlouqueceu de tristeza quando o pai de Maia morreu; e suas meio-irmãs estão desesperadas pela aprovação da mãe, mas ela sempre as rejeita. E embora sua família a tenha transformado em uma serva desprezada, Maia deve sempre fingir que é feliz, ou então todos serão mortos pela maldição. Anax, herdeiro do duque de Sardis, também não acredita no amor não desde que descobriu que sua namorada de infância o estava usando apenas por seu título nobre. De que adianta fingir estar apaixonado por uma garota só para que ela também finja que está apaixonada por você? Mas quando seu pai convida todas as garotas adequadas do reino para um baile de máscaras, Anax finalmente cede e escolhe uma esposa. Por vontade do destino, os preparativos para o baile de máscaras trazem Maia, que foi convidada por sua meia-irmã mais velha para entregar cartas a Anax. Apesar de um primeiro encontro espinhoso, ele fica encantado e intrigado por essa garota misteriosa que não acredita no amor. Anax não consegue evitar o desejo de vê-la novamente - e quando o faz, não consegue deixar de se apaixonar por ela. Contra sua vontade, Maia começa a se apaixonar por ele também. Mas como ela pode estar com ele quando a cada momento sua vida está em perigo por causa da barganha mortal de sua mãe?

CAPÍTULO 1

Minha mãe me amava mais do que a própria vida. Foi assim que tudo acabou mal. Eu me levantei com medo formigando minha pele. Sentei-me, tirando o sono dos meus olhos. A cozinha parecia a mesma, como normalmente acontecia: alho e alecrim pendurados em cachos descidos do teto. As panelas que lavei ontem à noite estavam brilhando no fogão. Desde o limiar, o pequeno retrato em miniatura de minha mãe sorri para mim. Tudo está em paz e seguro. Eu começo a me esticar. E então. Do canto do meu olho, eu os vejo: sombras empilhadas ao redor da escotilha de carvão. Muitas sombras. E um pensamento queima meu corpo: há um demônio na cozinha. Mesmo antes de meu coração bater em minhas costelas, minhas mãos voam para cobrir meus olhos. Ver um demônio é ficar louco. Todas as crianças sabem disso. Cada criança conhece a frase. Apollo todo curador, Apollo luz brilhante, Apollo invicto: livra-nos dos olhos dos demônios. Lembrome de minha mãe sussurrando para mim quando eu era pequena e ela ainda estava viva; lembro-me de tirar o cabelo do rosto e explicar o por quê eu nunca deveria ver as sombras por muito tempo. Mas eu não disse a frase. Porque não sou mais uma menina. E minha mãe não está viva. - Mãe - eu sussurrei em vez disso - Por favor. Mande embora os demônios. De repente, minha pele não parece mais tensa como a superfície de um tambor; as batidas do meu coração desaceleram e a pressão em meu peito diminui. A cozinha parece fria e vazia para mim, eu estou sozinha novamente. O ar se move contra meu ombro, meio suspiro e meio beijo. Bebo convulsivamente, então sorrio, porque nunca estou sozinha.

O fantasma da minha mãe está sempre comigo. - Obrigada, mãe - digo a ela. Eu sou a única garota no mundo cuja mãe pode protegê-la dos demônios. O relógio bate sete e meia. O medo sobe aos meus pés, agudo e frio como quando o demônio se amontoou na escotilha de carvão. Minha Madrasta sempre desce para o café da manhã as oito, e se não houver fumaça na mesa quando entrar na sala, então ela fica com raiva. Se ela está com raiva, ela me pune. Se ela me punir então minha mãe fica com raiva... e se minha mãe fica com raiva, faz igual ao que fez com a minha enfermeira... Não pense nisso, não pense nisso. Eu deslizo os potes na posição, porque se eu pensar sobre o que aconteceu com minha enfermeira, então eu vou chorar e não posso chorar. Eu nunca, nunca posso chorar. Aquele ar me acaricia novamente, desta vez contra minha bochecha. Eu sorrio; meu corpo é treinado mesmo quando minha mente está em um redemoinho. Minha mãe nunca vai parar de me amar, então eu nunca posso parar de mentir. - Está uma linda manhã, mãe. Estou feliz por poder me levantar cedo o suficiente para ver o nascer do sol. - As salsichas estão na frigideira. Isto é a hora de começar a misturar farinha de aveia com leite. - E cozinhar o café da manhã torna tudo ainda melhor. Claro, eu gostaria de poder cozinhar para você, mas cozinhar com você para a Madrasta, Koré e Thea ainda é uma delícia. As salsichas começam a chiar. Seu cheiro sufocante de gordura me excita o estômago, mas eu encontrei meu ritmo agora, e mentiras dançam facilmente entre meus dentes. - Pobres Koré e Thea, elas nunca podem entrar na cozinha! A Madrasta ela é muito dura com elas, mas acho que ela sabe o que é o melhor. E assim eu posso ficar sozinha com você. - Coloco a panela no fogão e giro. Ela gosta quando eu viro. Isso a faz achar que estou feliz. Eu me prendo contra o balcão e sorrio para a pintura na soleira. -

Estou tão feliz de estar com você - digo, e a mentira sai suave e doce como manteiga fresca - Eu estou muito, muito feliz. Não é exatamente uma mentira. Sempre estou feliz. Eu tenho que estar. Porque eu sou a única garota no mundo que pode proteger qualquer um de minha mãe. Servir o café da manhã é um alívio. Na cozinha, devo sorrir, cantar e dançar enquanto faço meus deveres, porque se eu não gosto dos meus deveres, a minha mãe pode ficar zangada com quem os deu para mim. Na sala de café da manhã, eu só preciso ficar quieta no canto, mãos cruzadas e cabeça baixa, porque a Madrasta fica brava se eu estou muito alegre. Eu me aninho entre as cortinas. Elas costumavam ser rígidas e ásperas, mas no ano passado a Madrasta desperdiçou quase um mês de renda para comprar cascatas de renda branca macia e brilhante. Tivemos que comer pão e peixe em conserva por uma semana. Vejo minha família sob meus cílios. A Madrasta se senta à cabeceira da mesa, envolta em um manto empoado que já foi carmesim, mas desbotou para um roxo sujo. Ela pica sua salsicha com um garfo, em seguida, ela o segura e cheira, os olhos semicerrados. Acho que ela está tentando mostrar que tem gostos exigentes e refinados, mas ela parece apenas um cachorro de colo mimado tentando decidir se um pedaço de mesa vale a pena mastigar. - Maia - diz ela, colocando a salsicha de novo na mesa - você sabe que não gosto delas cozidas até ficarem crocantes. - Sinto muito, minha Senhora - murmuro. Thea levanta os olhos do prato, onde está cortando as salsichas em doze pedaços e os empurra sem comer nem um pouco. Ela não gosta de comida pesada pela manhã. - É minha culpa, mãe - diz ela. - Pedi a Maia que as deixassem crocantes. Elas me encantam desta forma. - Ela enfia quatro pedaços na boca, então parece magoada.

Thea é gentil, impulsiva e muito estúpida. Às vezes não tenho certeza porque ela ainda está viva. Ou porque acha que pode amar e ser amada por todos nesta casa. Ela até pensa que nós duas podemos ser amigas, e ela está sempre tentando me tirar de minhas tarefas e me fazer beber chá ou dançar. Mesmo que algumas vezes sejamos punidas, ela nunca aprende. - Você é muito gentil com ela - diz Koré. Ela é a mais velha das minhas meio-irmãs; ela tem dezessete anos, como eu; e mesmo tomando café da manhã, ela consegue parecer uma estátua esculpida por um grande artista. Em parte, é sua postura perfeita, e não se nega que os deuses lhe deram beleza; grandes olhos escuros e grandes maçãs do rosto, um rosto de pura simetria emoldurado por cabelos negros como a noite. Parece digna de centenas de estátuas e é um testemunho da loucura da Madrasta por nunca ter tido um único pretendente. - Mas eu amo - Thea diz com a boca cheia de salsichas que ainda estão lá e não conseguira engolir. Isso a faz parecer que tem apenas dez anos em vez de quatorze. Também a faz parecer ainda mais com uma imitação medíocre de Koré do que normalmente é: ela tem todas as características preciosas de sua irmã, sem a presunção e a suavidade da beleza. - Você está dando desculpas para aquela garota como sempre faz. a voz da Madrasta fica subitamente fina e dura de ódio. - A honra da nossa casa demanda... - ela para, fazendo uma careta e coloca a mão na testa. Sem perceber, ela estava se referindo a nós, Koré e eu nos entreolhamos e fixamos severamente o olhar sobre a mesa. Nunca é um bom sinal quando a Madrasta começa a falar da honra de nossa casa. A Madrasta amava meu pai mais do que a razão, este edifício em ruínas e nosso nome meio desgraçado é tudo o que restou dele. Quando ela começa a falar da honra da nossa casa, no melhor dos sentidos significa que irá gastar mais dinheiro em cortinas e talheres e será muito mais rigorosa do que o normal com nós três. Na pior das hipóteses… - Não fique aí parada, sua menina preguiçosa. - disse Koré. - Vá verificar o correio da manhã. O correio da manhã nunca nos traz nada, exceto cartas de credores,

e aquelas não iriam acalmar a Madrasta. Eu vou mesmo assim. Alguém tem que sorrir e apaziguar desesperadamente a Madrasta, e melhor Koré do que eu. Koré realmente deseja que a Madrasta a ame. Apesar de todas as suas tentativas de parecer digna, ela é apenas tão boba quanto Thea. Tão tola como a Madrasta, como minha própria mãe, como todo mundo que já viveu nesta casa em ruínas e empoeirada onde demônios rastejam pelos dutos da lavanderia e nunca nada altera. Mas algo mudou hoje. Quando abro a porta da frente e olho na caixa de correio, há um grande envelope de papel grosso aveludado. É escrito em uma letra cursiva fluida com loops e cachos adicionais: Lady Parthenia Alastorides As Senhoras Alastorides 13 Little Lykaion Way Caligrafia fina, não as letras grossas ou rabiscos apressados que os comerciantes usam para direcionar suas faturas. É a letra de um aristocrata ou de sua secretária. Posso lembrar-me vagamente dos feriados antes da morte de mamãe; os vestidos de seda, os copos tilintando e risadas suaves e refinadas; mas nada naquele mundo reconhece a existência de nossa família há anos. Não desde que papai morreu e a Madrasta... mudou. Levei a carta de volta para a sala de café da manhã, onde a Madrasta já havia esquecido a raiva e estava dizendo a Thea como é adequado uma jovem se sentar ao lado da tabela. - De acordo com a honra da nossa casa - diz ela, mas as palavras não têm a nuancia desesperada que tinham antes. Então ela vê o envelope na minha mão. - Dê-me isso - diz ela, e o abre. Esperamos que ela leia. Thea se inclina para frente, curiosidade escrita em seu rosto; Koré está em uma postura perfeita como sempre, mas sua mandíbula está justa.

A Madrasta solta a respiração, enrubesce e se aproxima de nós. Não lembro quando foi a última vez que a vi sorrir tão brilhantemente. - O próprio duque Laertius nos convidou para seu baile de máscaras em homenagem ao aniversário de dezenove anos de seu único filho - diz ela, e embora não esteja tudo bem, nossa cidade ainda nos tem em sua lista de nobreza em algum lugar, isso explica sua alegria. Então ela se inclina para frente e diz: - E à meia-noite, Lorde Anax escolherá sua noiva entre as damas presentes.

***

- Eu sei que vai dar muito trabalho nos preparar para o baile - disse a minha mãe no dia seguinte - mas eu realmente acho que devemos ser gratas se Koré se casar com Lorde Anax. Estou sentada no jardim sob a macieira. Nossa casa encontra-se nos arredores da cidade, perto da Antiga Muralha, onde a cidade converge dentro do campo, onde você pode encontrar raposas na porta de sua casa e ouvir o uivo de corujas à noite. Portanto, nosso quintal cercado é enorme, cerca de um acre e já foi um mundo maravilhosamente ordenado, com pequenos caminhos de pedras esvoaçantes entre esguias bétulas e roseiras cuidadosamente esculpidas. Havia um lago cheio de grandes peixes cor de ouro e prata, com uma estátua de mármore de Artemis tomando banho no centro; havia bancos de mármore sob uma árvore de romãs e uma treliça coberta de amora-preta. Agora é muito grande e eles estão em mau estado, a estrada cheia de musgo e ervas daninhas, as romãs se tornaram um matagal, as amoras um vórtice de espinhos. O lago é baixo e lamacento, os peixes brilhantes substituídos por peixes pequenos, e o rosto branco puro de Artemis está gasto e coberto de fuligem. Mas a macieira é a mesma: folhas escuras brilhantes, galhos balançando suavemente para baixo como se eles desejassem me abraçar. É

primavera, então a árvore está coberta com flores brancas e seu aroma doce é espesso no ar. Os ossos da minha mãe repousam no mausoléu da família a cinco quilômetros de distância daqui, envolta em seda e com moedas sobre os olhos. Mas esta árvore, onde jogamos juntas por longas tardes de verão preguiçosas, em que ela me teve em seu colo e cantou minha música favorita sobre a abelha que era amiga de um sapo, onde ela estava ela riu enquanto beijava todos os meus dedos das mãos e dos pés e dizia: - Eu te amo, eu te amo, eu te amo... É aqui que seu espírito repousa. O ar treme ao meu redor, e é como se todo o meu corpo estivesse envolto em seu abraço. Eu fecho meus olhos e o ar pressiona contra minhas pálpebras, quase como um beijo. - A Madrasta vai ficar muito feliz - sussurrei - e, claro, Koré também. E também eu serei feliz. Ainda mais do que sou agora. Quase posso sentir seus dedos em meus braços, separados por dez pequenas pressões seguras no lugar. Não costumo sentir essa pressão com tanta força. Quando eu faço isso, geralmente é reconfortante; por mais amargo que seja; porque seu toque me faz senti-la intimamente humana, intimamente a mãe de que me lembro. Mas agora uma onda de frio começa a subir em mim. Quinze minutos atrás, a Madrasta disse-me novamente que eu era uma estúpida, feia, ingrata e mimada e como eu nunca poderia ir para o baile. Eu sorri depois e sussurrei, a Madrasta se esforça tanto para me proteger, mas e se não bastasse? E se minha mãe ouvisse minha Madrasta em vez de me escutar? Ou se ela ouvisse o ressentimento abafado trancado dentro da minha cabeça? Nunca tenho certeza do quanto ela ouve, ou de quanto mais eu tenho que sofrer antes de ficar com raiva. Tudo o que sei é: se eu chorar, ela vingará minhas lágrimas. Tudo o que eu sei é: nunca poderei permitir que ela me vingue novamente. Não importa o que a Madrasta me obrigue, ela não merece o que minha mãe faria com ela.

- Estou feliz que Thea e Koré estarão lá para representar a família no baile - digo - Caso contrário, tenho que ir e realmente não quero ir. Meu coração está batendo forte. Manteiga, eu acho, tentando manter minha voz simples. Seda. - Eu amo dançar, mas na frente de outras pessoas? Isso seria uma tortura. E os vestidos, eles são tão agradáveis aos olhos, mas ter que usar um? Eu odiaria ser amarrada a um espartilho e apertada em sapatos pequenos e esguios. A pressão diminui ligeiramente. Ela concorda, acho tolamente. Estou quase certa de que ela não está com raiva. Meu corpo quer tremer, mas eu tenho que me segurar ainda confiante; é apenas minha língua que está tremendo cada vez mais rápido. - De qualquer forma, é mais divertido preparar alguém para o baile, e temos sorte, não vamos ter empregada doméstica, vou poder fazer tudo sem ter que dividir, mal posso esperar para começar a trabalhar nos vestidos e talvez a Madrasta compre alguma seda nova... Eu aperto minha boca com a mão, certa de que ela pode ouvir o pânico em minha voz. Mas o ar é suave e feliz com sua presença indefinida em meus ombros, soprando de novo na brisa. - Falando sozinha de novo, lunática? Eu estremeço e olho para cima. Koré olha para mim, seus olhos negros apertados, os braços cruzados. Ela parece guerreira e severa como Atenas, e sim ela começa a me repreender agora, aqui com o espírito vigilante da minha mãe e rangendo as folhas na minha cabeça... Eu me levanto e gaguejo: - O jardim é tão bonito que não consigo evitar. - Pego sua mão e começo a arrastá-la pelo caminho cheio de musgo, de volta para a casa. - Mas você deve estar cansada, ficou com a lâmpada acesa a noite toda. Estamos a três passos da árvore, depois quatro. Cinco. Seis. Você não vai tomar o chá? Você pode me contar tudo sobre como deseja seu vestido. - Se eu conseguir a sua volta para casa, talvez fique tudo bem. - Você e Thea não estavam planejando vestidos? Koré plantou seus pés e estendeu a mão, soltando-a. - Thea

perguntou se você poderia nos acompanhar ao baile, e agora ela não pode sair de seu quarto até amanhã. Nossos olhos se encontram. Tentar impedir Thea de ser amigável comigo é a única coisa em que podemos concordar. - Isso não é minha culpa. - digo baixinho. Koré balança a cabeça. - Não. - diz ela, porque quando a Madrasta não está olhando, ela pode se dar ao luxo de ser justa comigo. - Mas ela está sendo punida por você, então você vai me ajudar. Você vai entregar minhas cartas ao Lorde Anax. Eu estava olhando para ela. - Suas cartas? Koré sempre foi a jovem perfeita, todos os dias desde que a conheci. Escrever para um homem é profundamente impróprio para qualquer senhorita e isso não parace nada com ela. A menos que… - Você está secretamente noiva? - pergunto. - Claro que não. - disse Koré. - Mas estarei noiva. Publicamente. Quando ele me escolher no baile. E ele vai me escolher entre todas as garotas mais ricas e bonitas das melhores famílias. Porque quando eu dançar com ele, vou revelar a ele que sou eu que enviei as cartas anônimas e o cortejei enquanto discutíamos história, literatura e hermetismo. Lorde Anax é um erudito. Ele está sempre rejeitando convites para funções sociais porque prefere estudar. Todo o mundo sabe disso. Eu vou mostrar a ele que eu sou a única mulher que pode se igualar ao seu conhecimento, e ele vai se casar comigo. Ele deve. - Ela respira trêmula. Eu nunca a tinha visto tão apaixonada. - E você vai entregar minhas cartas a ele. Anonimamente. Hoje. Ela me confia sua carta: papel grosso e cremoso, dobrado e lacrado com cera vermelha. Eu pego e sinto as pontas duras da cera; o papel se dobra entre meus dedos. - A Madrasta não vai aprovar. - digo. - Ela vai aprovar quando eu me casar com ele. Koré faria seu coração bater ao contrário para obter a aprovação da

Madrasta. É isso que a torna uma tola: a Madrasta nunca as viu como nada mais do que um bem para a honra de nossa casa. Esse plano escandaloso finalmente é sua rebelião? Ou apenas um final, uma tentativa desesperada de conquistar o amor que a Madrasta não consegue dar? Não importa. Se Koré pode convencer Lorde Anax a se casar com ela, então ela vai sair desta casa. Ela provavelmente levará Thea. Talvez elas convencerão a Madrasta a morar com elas no palácio, e então não terei que proteger ninguém. Ninguém para proteger. É difícil para mim imaginar tamanha liberdade. - Eu vou. - digo, meu coração batendo rápido, com uma canção estonteante de talvez, talvez, talvez. - Eu o farei.

CAPÍTULO 2

Desejar sair de casa é fácil. Ninguém levanta uma sobrancelha; eu já faço as compras, enquanto faço de tudo para manter a casa de pé. A Madrasta nunca se incomodou em tentar contratar empregados por cerca de um ano. Ela sempre reclama da inconsistência das pessoas comuns, mas acho que é um sinal de bom senso que nenhum deles tenha ficado mais de um mês. Talvez eles não saibam sobre o fantasma da minha mãe, certamente eles não sabem que nossa casa é assombrada pelo inferno, ou uma multidão a teria queimado há muito tempo; mas eles podem perceber que algo está errado. Mesmo a Madrasta e minhas irmãs não perceberam que algo está errado. Elas são grandes tolas, todas as três. Quando chego ao portão principal, paro e sussurro: "Só estou indo embora um pouco, mãe. Koré me deu uma missão adorável”. Porque eu sei que o espírito está anexado à casa, mas não sei se dá para ver a cidade. E eu não sei o que ela faria se eu fosse sem ela saber o por quê, mas há demônios sob seu comando. Eu não posso arriscar que ela faça algo. É por isso que nunca pensei em fugir. Entregar a carta também deve ser fácil. O esquema da pequena nobreza intriga e eles procuram favores de forma servil durante meses antes de se atreverem a se aproximar às portas do palácio de Diógenes Alector Laertius, duque de Sardis e primeiro Dignitário da Ilha de Arcádia. Mas alguém quase tão insignificante quanto eu pode atravessar o portão dos criados, entregar a carta a um lacaio do palácio e estará feito. É isso que pretendo fazer quando sair de casa. É o que devo fazer. Exceto quando eu caminho pelas ruas estreitas e sinuosas quando eu viro a beira do mercado, onde cem vendedores gritam suas mercadorias enquanto as crianças cantam e os velhos imploram por perdão e moedas, enquanto a filigrana branca e dourada do elmo do palácio do duque paira crescendo em mim, penso em Koré. Eu penso nas costuras onde se pode ver onde seu vestido foi virado do avesso e costurado novamente porque o tecido está descolorido. Penso na única pérola que ela usa no pescoço porque a

Madrasta vendeu o descanso para pagar e aumentar a casa, embora aquele colar de pérolas fosse fazer parte de seu dote. Eu penso nas Senhoras ricas que eu vi andando pela rua, seda e fitas ondulando a cada movimento, luvas brancas e guarda-chuvas de renda branca brilhando ao sol, sinos dourados tilintando em seus ouvidos. Lorde Anax é o herdeiro do grande ducado da Ilha de Arcádia. De qualquer forma, ele se preocupa pouco com festas ou flertes, ele deve proteger sua posição. Ele está selecionando sua futura duquesa e uma carta anônima em sua bandeja, por mais erudita que seja, dificilmente tem chance de influenciá-lo. E isso presumindo que a carta chegue até ele. Sem dúvida, alguém está classificando sua correspondência e queimando todas aquelas missivas bobas (certamente ele recebe cem por dia) antes dele lê-las. Tenho que entregar a carta e acabar com isso. Mas o pensamento de conseguir que Koré e Thea vão embora da casa e fiquem fora de perigo me influenciam. Eu tento imaginar como seria respirar sem minha família ou convidados, e eu amo isso mais do que qualquer coisa e eu não quisera mais nada além disso por anos. E é por isso que sou uma tola: sei o que acontece quando quero uma coisa, mas hoje eu tento mesmo assim. A Madrasta disse uma vez que suas filhas nasceram para serem adoradas e eu nasci para ser invisível. Acho que ela quis dizer que eu era feia, mas é verdade: minhas irmãs de criação elas nunca podem passar despercebidas. Koré é magnífica demais: enrole-a em cinzas e vista-a com trapos, e as cabeças ainda girariam enquanto as pessoas se perguntavam quem era a princesa empobrecida. Thea é muito legal - ela poderia se passar por uma serva, mas deixe-a carrancuda uma vez, e cinco transeuntes vão processar por ajudá-la. Eu não sou nada além de uma garotinha pequena com um narizinho arrebitado e uma nuvem de cabelos castanhos opacos que nunca ficam arrumados. Traseuntes vêm passando por mim, mesmo quando estou tentando chamar a atenção deles. Agora eu coloco em meu rosto minha melhor expressão de docilidade desmiolada, aquela que uso quando a Madrasta ainda

está com mais raiva do que o normal, e entro no palácio do duque. É incrível o que as pessoas permitem que você faça quando você está vestindo um vestido cinza surrado e você pode se esgueirar discretamente pelo corredor, o corpo inclinado em direção ao painel como se você estivesse prestes a deslizar para baixo. Todos pensam que sou outra pessoa de ajuda temporária e até eu recebo um aceno de cabeça de um homem cansado com cabelos grisalhos que me diz o caminho para o estúdio do Lorde Anax. Mas depois de três andares de escadas vistosas e dois saguões, um coberto por baixo-relevo dourado, outro com painéis prateados e espelhos, estou assustada. Nunca estive em um lugar tão magnífico em minha vida; me sinto como um punho de fuligem manchando o chão do palácio. Existem algumas pessoas turbulentas pelos corredores abaixo, mas todos são servos de alto escalão, vestidos com uniformes preto e branco. Não há mais servos aos quais me misturar. Minhas costas formigam de medo; preciso de toda a vontade para não afundar atrás de estátuas e dentro de portais sempre que alguém passa por mim. A única coisa que me sustenta o passo constante e determinado é o conhecimento de que se eu correr vou parecer culpada, e se parecer culpada, serei pega, e se for pega, serei punida, e se eu for punida, mamãe saberá e não pode saber, não pode, não pode. Minhas bochechas doem. Eu percebo que estou sorrindo. Finalmente encontro a porta pintada de verde claro que o velho descreveu. Eu entro placidamente, facilito o fechamento da porta... e afundo contra ela com um suspiro de alívio. Eu fiz isso eu me convidei com sucesso para o quarto. A equipe do Lorde Anax todas as sorridentes senhoras vestidas de seda em Sardis elas morreriam de inveja se soubessem. Não, elas nunca invejariam uma escrava do trabalho que esfrega panelas todos os dias. E ainda não consegui: ainda não encontrei uma maneira de fazer isso, esta carta é especialmente para o Lorde Anax e tenho que sair daqui novamente. Sem ser apanhada. Aí tenho que voltar amanhã, porque duvido que Koré perca um momento.

Eu olho ao redor da sala. Após a extraordinária glória dos lobbies, é surpreendentemente confortável aqui. O relógio pendurado na porta é de ouro, as estantes que revestem as paredes contêm uma fortuna de volumes embrulhados em pele, e a enorme mesa com pés de leão no centro da sala é esculpida em madeira de cedro, foi polido e envernizado até ficar vermelho escuro. Mas tem livros jogados fora do lugar ou balançando em pilhas nas bordas das prateleiras, como se fossem regularmente consultados com pressa. A mesa está inundada de papéis; há pilhas de livros, uma régua de cálculo de latão e uma caveira esculpida em mármore branco. Todos os quartos da nossa casa, embora em mau estado, são mantidos sem empoeira e em perfeita ordem, nem mesmo um pastor de porcelana ou um guardanapo de renda mofado está fora do lugar. A honra de nossa casa não aceitaria nada menos. Este quarto claramente pertence a alguém que não precisa agradar a ninguém. Eu imagino Lorde Anax lendo em sua cadeira, com os pés apoiados na mesa, e sinto uma pontada repentina de inveja por poder viver tão despreocupadamente. Eu fico mais perto da mesa. A bandeja de correio prateada balança no canto, mas apenas colocar a carta por cima não é suficiente. Eu me lembro do grande vaso cheio de rosas no segundo intervalo, se eu tivesse roubado algumas eu poderia empilhá-las sob a carta como uma pira. Mas isso poderia realmente impressionar Lorde Anax? O que o filho do duque acharia intrigante: quem ignorou todas as lisonjas da alta sociedade? Eu seguro o crânio de mármore. É mais leve do que eu esperava, foi esculpido oco. Eu coloco meu dedo dentro de uma de suas órbitas e, em seguida, rolo a carta e empurru-a para dentro também. Agora parece que o crânio morreu pela carta. É ridículo, e estou prestes a tirar a carta novamente quando ouço vozes do lado de fora. A folha da porta estala. Eu deveria ficar. Devo manter meus olhos no chão e minha mente focada nos painéis de madeira e fingir. Mas meu corpo tem outras ideias. Em um momento então estou encolhida embaixo da mesa, meu coração batendo

descontroladamente. A porta se abre. - ...em apenas duas semanas, e vou declarar escolhida a minha namorada enquanto o relógio bater doze. Isso é romance para as mulheres, benefício para o pai sortudo e um gesto político para você. O que mais o Senhor poderia querer? É a voz de um jovem, muito além da desafinada adolescência, polida e enfeitada com o sotaque de um nobre, Lorde Anax. - Para começar? - a segunda voz é igualmente polida, mas mais profunda, mais velha, mais lânguida. - Um filho que não insulta meu querido amigo. Eu parei de respirar. Este deve ser o duque Laetrius. - Eu não os insultei - diz Lorde Anax - Eu disse que estava indisposto. - Para a festa de aniversário de sua única filha amada, um dia depois que você foi visto cavalgando para caçar. Rapaz, todo mundo em Sardis sabe de sua intenção de esnobar Lydia. - Talvez eu tenha pegado um resfriado enquanto caçava. - Talvez seja hora de você parar de ficar de mau humor sobre o noivado de três anos rompido! E se comportar como um homem! - A voz do duque bate como um chicote. - Zeus e Hera, como eu fui pai de um filho tão rebelde? - Se você esqueceu, talvez você pudesse reunir os mortos e perguntar a minha Senhora mãe. O duque ri alto. - Você arrancou a boca dela, com certeza. Mas ela foi obediente a mim apesar de seus caprichos. - Obediente? - disse Lorde Anax. A mesa rangeu e se moveu. Eu acho que sei que ele está recarregando. - Devemos nos lembrar disso de maneira muito diferente. - Sempre que importou, meu menino, o que é mais do que posso

dizer para você. Você sabe que eu queria aquela garota para minha filha. - Então adote. Eu acho que é legal. - Eu tenho que matar seus pais primeiro - diz o duque - e estou entendendo que é decepcionante nos dias de hoje. - Vai pelo mesmo caminho triste que o direito de um pai de executar seus filhos. O duque suspira. - A garota ainda está livre, você sabe. Você pode ter que apenas perguntar a ela. Há um silêncio. Quando Lorde Anax fala novamente, sua voz é baixa e suave. - Pai, obriguei Lydia a romper o noivado. - Isso foi claramente óbvio naquela época. Mas o que nunca ficou claro para mim é porque você agiu como o ofendido, naquela época e desde então. Ou porque, se você estava com o coração tão partido, não deu alguns passos necessários para reconquistá-la. - Você não entenderia. - ainda a voz suave. - Eu entendo que Cosmatos iria deixá-la na sua porta amarrada com fitas vermelhas se apenas você piscar para ela. Do jeito que está, ele não vai deixá-la aceitar nem mesmo um buquê de flores de outro homem porque você ainda está livre e ele entende isso como um sinal de esperança. - Então alegrem-se, porque em algumas semanas estarei noivo e ele terá que escolher outro pretendente também. - Lorde Anax está de volta soando polido e desafiador. - Ele vai mantê-la na prateleira até você estar casado... mmm, e talvez até que sua esposa sobreviva ao primeiro nascimento. Cosmatos não desiste muito mais fácil do que eu. - Ele pode mantê-la até que ela se torne um esqueleto. Ainda não vou me casar com ela. - Esse é uma coisa cruel de desejar a uma garota adorável. - Ser um esqueleto é um estado elevado e honrado. Basta perguntar a Alcibíades. - Eu ouço um sussurro de movimento, então um arrastar. Acho

que Lorde Anax tirou o crânio e removeu a carta da órbita do olho. - Sim, muito honrado, eu vejo isso. Tão memorável que você o usa para inserir suas cartas. Quando você vai se livrar dessa coisa mórbida? - Alcibiates, por favor, não dê ouvidos ao meu pai. Ele fala com todos assim. - Pelo tom de sua voz, imagino que Lorde Anax está olhando nos olhos do crânio. - Então vou deixar para você seu melhor amigo. Lembre-se disso para chegar a comprometer-se com o baile, você realmente precisará que a Senhora o aceite de antemão. A voz de Lorde Anax está muito seca. - Eu sou filho e herdeiro do Duque de Sardis. Eu posso entrar no salão de baile nu com Alcibiates balançando na minha cabeça, e elas ainda vão querer se casar comigo. - O mais provável. Mas se você tentar, vou chicotear você na escada da frente. - Não te preocupes. Vou me comportar adequadamente para te agradar, Senhor. - Eu duvido muito disso, mas fique à vontade para tentar. Bom dia. Passos e a porta se fecha. Por um momento há silêncio, pelo que dura uma batida do meu coração, permito-me ter a esperança selvagem de que Lorde Anax silenciosamente seguiu seu pai para fora da sala. Então suspiro alto. Suas botas batem no chão. Um passo, dois, três. Ele está cercando o escritório. Meu coração bate. Ele vai me ver, e se ele ficar chateado, se ele me machucar, se minha mãe puder vir até aqui... Porque eu tive que entrar sorrateiramente no palácio. Porque eu tive que ajudar Koré em vez de desencorajá-la. Porque eu tinha que esperar quando sei o quão inútil é sempre ter esperança. Eu sou uma idiota. Ele se joga em sua cadeira e arrasta um pé sobre a mesa. Assim como eu imaginei.

Então ele olha para baixo e me vê. Ele não parece particularmente imponente. Bonito, sim: ele tem cabelo preto azeviche e um rosto com ângulos aristocráticos. Lentes de armação quadrada de metal enquadram seus olhos escuros que se estreitaram. Mas ninguém pode parecer muito imponente com um pé no chão e o outro na mesa, olhando para baixo com a boca aberta de surpresa. Sua boca se fecha. Seu pé pousa no chão novamente, sua mandíbula enrijesse, e então ele se abaixa, agarra meu braço e me puxa para fora. Eu fico obedientemente ajustando meus olhos nas bordas. - Você - diz ele - o que está fazendo aqui? Eu ainda posso sentir o medo, o fogo distante subindo e descendo em meu corpo, mas não é hora de entrar em pânico agora. Eu faço o que sempre faço quando a Madrasta fica brava: eu moldo meu corpo em uma submissão perfeita, ombros curvados e olhos modestos agacham-se e penso que não existe nada mais. Eu sou papel de parede e cortinas e papéis desordenados em sua mesa. Eu não sou real, não estou aqui, então não há nada para deixá-lo com raiva. Ele balança meus ombros. - Você sabe que eu posso despedir você. - Eu não trabalho aqui. - mantenho minha voz submissa. - Vim entregar uma carta. - Aponto para a mesa, onde a carta amassada está ao lado de Alcibíades. - Uma carta? Quando seu mestre pode usar o correio matinal? Você está aqui para espionar ou roubar ou... - Uma carta de amor - digo. - De minha Senhora. - Claro. - Ele me solta, parecendo enojado. - Outra Senhora que só me viu uma vez, mas me amou mais do que a própria vida, ou ela é uma daquelas que me vê quase todos os dias e chora secretamente porque eu nunca abaixei meus olhos sobre ela? - Há muitas delas? - eu pergunto. Sempre imaginei aquelas garotas com dinheiro e os pais ficariam menos desesperados.

- Oh, dezenas, sua Senhora acha que ela é a única intrépida o suficiente para escrever-me diretamente. A maioria delas recita na minha presença poemas para um amado anônimo cruel. Ou elas têm seus irmãos escrevendo cartas para mim exigindo saber minhas intenções, já que sou tão temerário em dizer 'Bom dia'. Então me diga: foi amor à primeira vista ou eu cresci lentamente em seu coração? Abri a boca para dizer a ele que Koré não é como as outras, ela é... O que? Sou uma excelente mentirosa. É por isso que minha família inteira está viva. Mas sou tão boa porque eu sei exatamente o que mamãe quer ouvir. Na maioria das vezes também sei o que quer a Madrasta, Koré e Thea, mesmo que nem sempre eu possa dar a elas. Mas este jovem paira sobre mim... que briga com seu pai, mas o obedece, que nomeia um crânio de Alcibíades, e lamenta ter forçado sua noiva a deixá-lo; não tenho ideia do que ele quer ouvir. Lorde Anax bufa. - Sem palavras? Eu acho que você não teve tempo o suficiente para espiar para saber que tipo de Senhora prefiro. Eu estremeço. Estou tão acostumada a esconder meus sentimentos, é ruim deixar alguém adivinhar até mesmo um pouco deles. Mas ele não percebe o que ele tem feito; faz som, cada palavra brilhante e amarga. - Deixeme esclarecê-la. Não vou me apaixonar por sua Senhora. Na verdade, não há nada que sua Senhora possa fazer para me fazer casar com ela. Meu pai convidou todas as garotas que ele remotamente estima aceitável, e pretendo escolher minha namorada ao acaso. Sua Senhora não tem recurso, exceto fazer sacrifícios aos deuses, o que é improvável que ultrapassa o Sr. Cosmatos, mas pode experimentar. Eu cruzo meus braços, tentando não tremer. Sua raiva não é mais dirigida a mim, nem é assim mal comparada com a raiva da Madrasta, mas mesmo aquela quantidade de amargura em sua voz faz meus instintos correrem gritando. Mas ele não tentou me punir. De repente, percebo que ele não tem a intenção de me punir. Ele só vai me dizer o quanto ele odeia as mulheres que eu represento; e, no entanto, apesar do quanto ele odeia essas mulheres, ele

não vai machucá-las também. Ele vai se casar com uma e realizar seus sonhos. Ele está furioso e desamparado, apesar de ser filho do duque, e eu quero dizer a ele a verdade. - Então você e minha Senhora devem se encaixar perfeitamente digo - Ela não o ama de forma alguma e nunca o amará. Dizer a verdade é como engolir um gole de conhaque: queima na minha língua, mas um momento depois meu corpo parece mais quente, mais solto, mais livre. Ele levanta uma sobrancelha. - Com licença? Passei os últimos cinco minutos dizendo que eu realmente gosto quando as garotas me perseguem pelo meu título? - Não. - digo, e sem tentar, sem pelo menos esperar salvar alguém, eu sorrio. - Você me disse o quanto você odeia que mintam. Lorde Anax me observa. - Então aqui está a verdade: ela não quer seu título; embora não machuque; ela quer seu dinheiro e uma saída dos seus afazeres domésticos. Ela tem uma mãe para agradar e uma irmã mais nova para cuidar. Minha pele está gelada e meu coração está batendo forte contra minhas costelas, mas eu não tenho medo. Pela primeira vez em anos, estou dizendo a verdade e não estou com medo. Quando Koré me deu a carta, percebi que não precisava mentir muito. Nunca Imaginei ser capaz de dizer a verdade. Lorde Anax ainda está olhando para mim como se não acreditasse que eu existo. - E você pensa que eu deveria casar com ela, só porque sua empregada é honesta? - Ela é educada também. Leia a carta; ela escreveu para impressioná-lo com a sabedoria dela. Claro, há muito sobre ela amá-lo, mas ela não ama. Ela nem vai se preocupar com mentiras assim que souber que você não precisa delas.

- Vejo uma Senhora muito prática. - Ela é burra o suficiente para querer que sua família a ame - digo Ela não é tola o suficiente para se preocupar em ser amada pelo marido. Ele inclina a cabeça. - Você é muito cínica sobre isso. Koré tem a inteligência e o desejo de cortejar secretamente o filho do duque. Ela poderia ter ignorado todos os planos da Madrasta e conseguido um marido respeitável assim que ela tivesse quinze anos. Mas ela é tão obcecada por favores da Madrasta, que o pensamento nunca lhe ocorreu. - Pessoas que querem ser amadas - digo - sempre fazem as coisas mais idiotas. Ele ri de repente, seu rosto se transforma em um sorriso torto. - No que concordamos. Muito bem. Vou ler a carta da sua Senhora. Qual é o seu nome? - Eu prometi que não contaria. - Qual é o seu nome? - Maia. - Ok Maia, então você pode ir para casa e dizer à sua patroa que você obedeceu e cumpriu com a sua missão. Não sei por que quero rir. Talvez seja a emoção da verdade que continua queimando em minhas veias. Mas eu suavizo meu rosto e em vez disso caio em uma reverência. - Obrigado, meu Senhor. Então eu sigo para a porta. Sim, penso, e começo a vibrar de novo, mas desta vez de alívio. Minha mão está na maçaneta da porta quando o ouço dizer: - Oh, e Maia? - Sim, meu Senhor? - Eu olho para trás por cima do meu ombro. Agora ele está sentado à sua mesa, a carta aberta em suas mãos. Olha para mim por cima da borda de seus óculos. - Estou disposto a acreditar que você não queria me espionar. Mas se eu escutar que você tem fofocado sobre minha ex-noiva... e se você fizer, eu terei notícias disso... Vou encontrar

você e sua Senhora, e dar-lhes motivos para lamentar sua indiscrição. - Não se preocupe. - digo - Não tenho interesse em discutir sobre seu coração partido.

***

- Ele leu a carta? - Koré exige da soleira da porta da cozinha mais tarde. Eu olho para a panela de sopa de cevada que estou mexendo. Sim. - O que ele disse? - Sua mão esquerda está apoiada na moldura da porta, lânguida e graciosa como sempre, mas sua mão direita aperta um lenço. - Que ele vai ler. - Veja sua língua. - Ele é... - ela teve um acesso de tosse forte. - Você não pegou um resfriado, não é? - pergunto. Koré está sempre pegando doenças leves quando ela não dorme, a Madrasta chama de fragilidade aristocrática, e ela é ainda mais difícil de agradar do que o normal quando está doente. - Não é nada - diz Koré. - Ele parecia... favorável? Eu jurei para ele que você não o ama, eu acho, mas contenho minhas palavras. Tenho certeza de que ele estava certo quando eu disse a ele que ela não queria seu amor. Nunca haverá um espaço em seu coração a ninguém, exceto a Madrasta e Thea. Mas não tenho certeza se ela ficará com raiva por ter tomado essa iniciativa... ou se seu orgulho ficará ferido. E não quero compartilhar com ela o momento em que ri, quando disse a ele a verdade. - Eu acredito - digo em vez disso, o que é uma verdade e uma mentira ao mesmo tempo. Minha recompensa é Koré se endireitando, a majestade de volta em

seus ombros e queixo. - É claro que ele não pode deixar de ficar impressionado - diz ela. Bom trabalho, Maia. Você levará outra manhã. Diga a mamãe que não descerei para jantar. Você pode me trazer um prato de caldo mais tarde. - Uma enxurrada de saias azuis brilhantes, e ela se vai. - Pobre Koré - digo à mãe. - Eu acho que ela não vai dormir muito essa noite. - As palavras são um reflexo, mas eu me lembro de Lorde Anax, e quase quero dizer a ela. Ele não ficará facilmente impressionado. - Bem, pelo lado bom - digo - acho que vou ver muito o palácio do duque. Eu posso lhe dizer a verdade duas ou mesmo três vezes antes da quinzena acabar. Meu coração está batendo.

CAPÍTULO 3

No dia seguinte, tento entrar no palácio da mesma forma que da primeira vez, mas um lacaio me pega no meio da segunda escada, no lugar onde a folha de ouro começou a florescer nas paredes. - O que você está fazendo? - exige. - Você não pertence ao serviço doméstico. - Não, Senhor, estou aqui para cumprir uma missão - digo rapidamente. Rosetas moldadas na parede pressionadas contra minhas costas. Eu posso sentir o longo frio de pânico lentamente se espalhando pelos membros de meu corpo. - Em nome de quem? - O lacaio se aproxima cada vez mais; ele é quase tão jovem quanto eu, uma cabeça mais alta, ombros largos, cabelo liso e a autoconfiança de um homem com muitos músculos e um colete branco. Eu sorrio brilhantemente. - Lorde Anax mandou me chamar. Ele ri. - Você espera que eu acredite... - Ah, Maia, aí está você. Finalmente. Lorde Anax está no patamar superior, encostado na grade. Está na frente de um dos grandes retratos na parede; olha para nós do canto do olho. Seu colete é cortado de ouro brocado e uma corrente de relógio de ouro reluz do seu bolso. Tudo nele proclama indiferença imponente. - Bem, traga-a aqui - diz ele, fixando o olhar de volta no retrato. - Eu não tenho o dia todo. - Meu Senhor? - diz o lacaio. - Essa garota é suspeita... Lorde Anax o olha como quem diz que todo o universo é estúpido demais para descrever em palavras, mas para o lacaio mais do que tudo. - Esta menina suspeita veio me visitar em nome de nossos amigos da biblioteca - diz ele com tédio arrogante. - Por favor, não interfira com estes importes novamente. Maia, venha comigo.

Passei pelo lacaio de rosto vermelho em direção a Lorde Anax. Ele se endireita, e diz: - Por aqui. - E move-se rapidamente pelo corredor. Alguns minutos depois, estamos de volta em seu escritório. - Bem - diz ele, virando-se para mim, e seu rosto de repente fica limpo do tédio que ele tinha antes. - Não esperava ver você de novo tão cedo. - E agora ele me atribuiu um novo emprego. - Eu franzo minha sobrancelha. - Nossos amigos da biblioteca? Ele ri. - O Resurgandi, é claro. Todo mundo tem um apelido bobo para eles, e este é do meu pai. - Aquele lacaio não poderia ter acreditado - digo a ele. - Ele deve estar fofocando com os outros servos agora. - Oh, mas eu acho que você vai. Lá eles falam sobre a minha indução, já que eu fiz isso bem na faculdade, e você sabe como eles encobrem todas as suas idas e vindas na farsa reserva. Juramentos, sinais com as mãos e assim por diante. Isso os mantém ocupados eu suponho. Claro que conheço os Resurgandi: eles estão baseados na universidade aqui em Sardis, onde investigam as técnicas herméticas que criam postes de luz e crescem bichos-da-seda, apesar do clima. A Madrasta às vezes murmura que eles fazem artes demoníacas também, mas sei que é mentira, porque sei como é quando as pessoas encontram demônios. Ou quando são burros o suficiente para negociar com um. - Tenho outra carta para você - digo, puxando levemente o papel amassado do bolso. - Eu li a outra ontem à noite - diz ele. - Verifiquei todas as citações também. Dê para mim outro dia e serei capaz de localizar todas as fontes antigas de onde sua Senhora apontou figuras de linguagem, porque... bem, imitar seis autores em duas páginas pode ser um bom exercício, mas com tantas peças costuradas, é impossível esconder as costuras, quanto mais expressar um pensamento original. Lembro-me do rosto pálido de Koré quando ela me entregou a carta esta manhã, seus dedos manchados com tinta.

- Ela é uma pessoa muito estúpida - digo a ele. Mas não é nobre nem gentil desprezar seus esforços. - Você tem um tipo estranho de lealdade. - Você tem um tipo estranho de diplomacia. Ou isso está abaixo do aviso do herdeiro de um duque? É como ficar na frente de uma casa com as janelas abertas e ver tudo as cortinas fecham rapidamente ao mesmo tempo. Ele só se move uma fração, uma ligeira elevação do queixo e aperto dos ombros, uma pequena reduzida nas pálpebras, mas o entediado jovem aristocrata logo volta. - Você ficaria surpresa com o que eu espero não perceber. - Ele pega a carta da minha mão. - Assim diga o porquê. - Por que você espera não notar as coisas? - Não. - Ele desvia o olhar e puxa Alcibíades da mesa. - Porque devo respeitar sua Senhora, quando você a chama de estúpida? Mais uma vez sinto a estranha e inebriante avalanche de correntes se desenrolando da minha língua. - Bem - digo - ela é estúpida porque quer que sua mãe a ame, e ela pensa que sua mãe vai fazê-lo se ela obedecer-lhe perfeitamente. Mas ela é suficientemente inteligente, senão outra coisa, para perceber que ela não pode amar ou ser gentil com todos. E é honesta o suficiente para não fingir. Ela é cruel comigo não por maldade, mas porque ela pensa que vai agradar a sua mãe, e ela não tem escrúpulos. Lorde Anax olha para mim. - Você acha que eu deveria respeitá-la porque ela é cruel com você. - Porque ela é prática, apesar de sua estupidez. - Ele ainda está olhando para mim, e acrescento apressadamente: - Você não precisa se preocupar se ela pode se tornar cruel com você, porque ela sabe como você pode ajudar sua mãe e irmã. Ele balança a cabeça e ri. - Não sei dizer se você é a garota mais maluca do mundo ou a mais nobre.

- Eu não sou louca - digo a ele. - Eu sou a única que não é, porque eu não quero ser amada. Lorde Anax desvia o olhar para Alcibíades, como se as órbitas vazias do crânio contivessem todos os segredos do mundo. - O que há de tão terrível em ser amado? Eu penso em como Thea está sempre olhando para a Madrasta, seu corpo inclinado ligeiramente na direção dela como um girassol procurando o sol. Como Koré está em perfeição de mármore e nunca olha para Madrasta uma vez, porque é assim que ela acha que uma filha perfeita se comporta. Lembro-me de rir debaixo da macieira, encantada com o amor da minha mãe, e lembro-me do dia que eu descobri o preço desse amor. - O amor é uma loucura - digo a ele. - Todo mundo não concorda que você faz qualquer coisa, aguenta qualquer coisa, para estar com seus entes queridos? Então, ou você está disposto a deixá-los usarem-no em qualquer tipo de crueldade, sempre o mantendo, o que te torna um tolo, ou está disposto a cometer qualquer crueldade, enquanto você ficar com eles, o que o torna um monstro. De qualquer forma, é uma loucura. - Alcibíades, acho que encontramos a garota mais singular e louca de todas - ele diz, e então olha para mim. - Você não está dizendo muitos bons argumentos para o casamento, você sabe. - Eu sei - digo a ele. - Minha Senhora nunca o amará. - Você é muito dedicada à sua causa - diz ele. - Tem certeza que não está fazendo isso por amor a ela? - Não - digo em voz baixa. - Eu só preciso dela fora do caminho.

***

No dia seguinte, estou tão cansada que tenho que caminhar duas vezes mais rápido até o palácio, ou vou sentar e adormecer na rua. Thea disse que ela não teria ninguém além de mim para modificar seu vestido de seda

verde para o baile; creio que pretendia fazer a Madrasta sentir que eu era valiosa, mas o ódio da Madrasta por mim só é comparável à sua crença na minha velocidade. Eu tive que costurar a noite toda para atender às suas demandas. Agora meus olhos coçam e doem de exaustão e tudo mais o que posso pensar é que talvez Lorde Anax me deixe sentar em sua cadeira por um momento, ou apenas aconchegar-me em um canto. Estou tão ocupada sonhando com aquela esquina que vou direto para um lacaio. É o mesmo que tentou me expulsar ontem. - O Senhor Anax está na segunda melhor sala - diz ele depois de uma pausa curta e rígida. - Leve-me até ele - digo, tentando soar autoritária. A sala de estar pode ter um sofá. A sala tem espelhos dourados nas paredes, uma estátua de Perséfone no centro, e dois sofás com almofadas roxas fofas. Ela também tem um piano. Quando o lacaio abre a porta, o Senhor Anax está sentado ao piano de costas para nós, tocando uma música de dança feliz como se sua vida dependesse disso. O lacaio abre a boca para me anunciar, mas eu balanço minha cabeça e deslizo para dentro silenciosamente. O sofá é macio como massa de pão recém-estufada. Eu afundo nele. O Senhor Anax está tocando as notas da música o mais forte e rápido possível, mas eu estou dormindo instantaneamente. Quando acordo, ele está tocando uma música diferente... mais lenta, mais intrincada, com uma infinidade de vibrações. Ele cambaleia sobre cada uma, e embora ele consiga manter seu toque suave o suficiente para encaixar a peça, tudo isso parece sem forma. Ele atinge o acorde final um pouco rápido e forte demais. Então olha sobre ombro para mim. - Devo ficar lisonjeado ou insultado em mandar você diretamente para os braços de Morfeu? Eu me levanto e ando para o lado dele, procurando no bolso. - Eu tenho uma carta para você. - Claro. Você achou que era bom?

- O que? - Minha interpretação. - Ele está olhando para as teclas do piano e sua voz é leve, mas posso ouvir a tensão por baixo. - Você achou que era bom? Eu considero a questão. Ele nunca me puniu por dizer a verdade, ainda. - Não foi terrível - digo a ele. Mas não foi bom. Não foi nada, realmente bom. Ele ri baixinho. - Você gosta de mim? Eu encolho os ombros. - Não seja discreta agora. Você estava pensando em algo. - Eu estava pensando - digo - o que importa se gostei ou não? Você não vai parar ou começar a jogar por meu amor. Você não se importa com o que eu penso, e eu não me importo com o que você toca. - Eu teria sido um pianista - diz ele abruptamente. - Se não fosse o filho do duque. Eu sei que não é gentil, mas se não fosse filho do meu pai, eu não seria um cavalheiro. - Você se cansaria disso - digo a ele. - Não. - Ele olha para as teclas. Eu nunca teria me cansado da música. Mas também nunca seria muito bom nisso. - Suavemente, como se fechasse as portas de um santuário, ele abaixa a tampa sobre as teclas. Felizmente eu sou o filho duque e todos têm que me lisonjear. Eu me lembro esta manhã, como eu bocejei e imediatamente sussurrei, estou tão feliz em estar acordada, mãe, quando mexi o mingau. Lembro-me de Koré olhando para o vestido que costurei para Thea e disse: fico feliz que você tenha encontrado algo para o que é boa, garota estúpida. - Você não está sozinho - digo a ele. Todo mundo tem que bajular alguém para sobreviver. Além disso, não quis dizer que você se cansaria da música. Ser um plebeu não é mais fácil você sabe. Você se cansaria de trabalhar.

- E você está? - Cada dia. Mas, ao contrário de você, não tenho escolha. Aqui está sua carta. Acho que vou vê-lo amanhã. Ele agarra meu pulso. - Maia - diz ele - Obrigado. Obrigado por me dizer a verdade sobre minha música. - Só por isso? - pergunto. - Você é a primeira, pode acreditar? Eu sinto o quarto opulento pesando sobre mim, tão pesado quanto os sorrisos que coloco para minha mãe. - Sim - digo a ele. - Eu posso acreditar. Sua música é realmente terrível. Isso ecoa na minha cabeça o resto do dia.

CAPÍTULO 4

- Se você não fosse uma serva - pergunta Lorde Anax - o que você faria? É o sexto dia da minha estranha missão; Lorde Anax está amassando a carta de hoje nas mãos. - Minha Senhora escreveu isso - digo com cansaço. - Eu sei - diz ele. - Eu lhe fiz uma pergunta. - Oh. - paro e reflito. - O que importa? - Bem, eu disse a você o que faria se não fosse filho do meu pai. O que você faria se você não fosse uma empregada doméstica? Ele deveria perguntar: se eu não fosse filha da minha mãe, ou se minha mãe não me amasse tanto, mas não importa o quanto eu goste de dizer a verdade, isso não é algo que me atrevo a dizer a ele. - Não importa - digo a ele. - Isso nunca vai acontecer. Fantasmas são colocados para descansar quando as injustiças são corrigidas, quando suas funções estão cumpridas. Mas o dever da minha mãe é me fazer feliz enquanto eu viver. Portanto, não há descanso para ela e não há escapatória para mim. Eu vou ser encantada e feliz até que me mate. - Finja que importa - diz Lorde Anax. - Imagine que amanhã você fosse colocada em liberdade e você pudesse fazer o que quisesse. Que seria? Abro a boca para dizer que ele é um idiota, mas então lembro que ele não sabe que sou uma escrava do amor de minha mãe. Ele imagina que eu só tenho mestres vivos a temer. E é verdade, se eu conseguir fazer com que ele se case com Koré, se todos os meus segundos familiares saírem de casa, não haverá ninguém vivo para me governar. Percebo que embora eu tenha ousado sonhar com essa liberdade, ainda não ousei imaginar o que poderia vir a seguir. - Eu acho - digo lentamente - Eu gostaria de uma cozinha onde eu fosse a Senhora e pudesse decidir o que cozinhar. E eu gostaria... - enquanto

digo as palavras, o desejo desdobra-se como uma flor de açafrão. - Eu gostaria de ter um grande gato fofo laranja que ficasse perto da lareira e ronronasse. Eu o surpreendi; posso ver na inclinação de suas sobrancelhas. Isso é tudo? - É mais do que eu... - Você não é uma garota tímida - diz ele. - Você também não tem falta de imaginação. Você entrou caminhando por este palácio e me enviou para casar com sua Senhora. Por que ousa sonhar tão pouco para você? - Você acha que todos têm a mesma sorte que você? - pergunto - Já estou sonhando mais do que me convém, e muito mais do que eu provavelmente terei a chance de conseguir. E você de que maneira estaria melhor? Vejo seu rosto tenso; então se contém e olha para sua mesa, ombros curvados e as mãos nos bolsos, uma postura desleixada que eu sei que é uma mentira. - Você é o herdeiro do duque de Sardis; em dez ou vinte anos, será o homem mais poderoso em Arcádia; mas não consigo imaginar nada melhor para você do que escolher uma mulher aleatória para desprezar e ter pena de si mesmo até o fim de seus dias porque quebrou seu próprio coração. Ele solta um suspiro, suas narinas dilatadas. Devo parar. Mas estou bêbada da verdade, e embora meu corpo esteja tremendo em antecipação de sua raiva, minha boca não para. - Por que você não diz a seu pai que não quer se casar? - digo - Ele pode desejar que você garanta um herdeiro, mas não pode forçá-lo; como filho primogênito você tem direitos; e se ele encontrasse uma maneira de rejeitá-lo, você não estaria desamparado. Você é homem, nasceu bem, fez faculdade e tem contatos no Resurgandi; você poderia encontrar uma maneira de se sustentar. - Eu penso na maneira como Thea faz os registros, tarde da noite, quando a Madrasta não está lá para dizer a ela que não é elegante. - Porque esta continuando com esse plano maluco? Por que você está tentando se casar com alguém?

Ele se vira para mim, e toda pretensão de tédio majestoso é destruída, pois pura fúria impotente aparece em seu rosto. - Porque ela me perguntou. Mesmo que eu estivesse esperando por isso, sua raiva me faz dar um passo para trás. - Quem? - Lydia escreveu para mim. Disse que sabia que eu a desprezava, mas se eu tivesse misericórdia, eu daria meu nome a outra pessoa para que seu pai a deixasse aceitar pretendentes e não a condenasse a ser solteirona. Sua voz abaixa quando ele olha para o outro lado, passando a mão pelo cabelo. - Eu empurrei todo o resto para longe dela. O que eu posso fazer? Olhou para mim. - Mas você disse... naquele primeiro dia, você disse que não ligava... - Sim, sim, eu disse! Sou filho do duque e frequentemente minto, minha Senhora. Apesar da minha posição exaltada, há liberdades que tenho e não tenho, e na verdade, lamento informá-la, esta é um deles. Meu corpo fica tenso, mil memórias congelando na minha pele: sorrir quando a Madrasta me diz que sou uma criança estúpida, e então sussurrar, mãe, é tão engraçado como ela finge não me amar. Koré dizendo que sou inútil, lenta e que não pode imaginar por que eles me alimentam. Mãe, sinto pena de Koré quando ela fica brava. Thea tentando fazer as pazes e só trazendo mais punição na minha cabeça porque ela é muito estúpida e mimada para pensar nas consequências de suas palavras. Mãe, Thea é tão boa para mim. - Não - digo em voz baixa - ele presume que está falando comigo enquanto mantém a verdade. Então eu me viro e fujo de seu escritório, fujo do palácio, antes da dor de frio no meu peito poder se transformar em raiva real. Mas embora eu esteja calma no momento quando chego em casa, sorrio para mamãe e sussurro, ele é tão fofo. No entanto digo a Koré, acho que ele está vacilando, suas palavras ainda se alojam como lascas sob minha pele, e as ouço novamente toda vez que me mexo: “Lydia escreveu para mim”.

O que mais posso fazer? Volto no dia seguinte. Eu devo, porque Koré me dá uma carta e eu não posso deixá-la zangada comigo. Mas enquanto eu rastejo para dentro do palácio, me sinto áspera, indefesa e nua, como uma galinha amarrada para assar. Algumas das empregadas acenam com a cabeça quando eu passo, e dão uma risadinha, todos os criados sabem sobre minhas visitas agora, e embora ontem eu os ignorasse, hoje estremeço, como se eles pudessem saber sobre a luta de ontem só de olhar para mim. Não posso acreditar que fui tola o suficiente para provocá-lo. Se ele está convencido de casar miseravelmente, o que importa, desde que ele se case com Koré? Se ele não pode esquecer Lydia, o que isso deveria ser para mim? Nada. Isso não deve ser nada. Eu sou a garota que nunca fica brava e nunca quer nada e é por isso que minha família ainda está viva. Costumava ser tão fácil. Eu costumava me encolher nos cantos e pensar no papel de parede e esquecer até mesmo que eu existia. Agora, enquanto eu marcho severamente através do corredor de rosetas de ouro e espelhos, meu corpo e meus pensamentos e minhas miseráveis emoções confusas se apegam a mim como massa de pão pegajosa. Quando chego ao escritório do Lorde Anax, paro por um momento. Eu digo a mim mesma: você é a única que pode proteger sua família. Nada mais importa. Então eu abro a porta. Lorde Anax está recostado em sua cadeira, os pés sobre a mesa e Alcibíades em suas mãos, sua camisa enrolada e sua testa enrugada enquanto ele olha para o crânio de mármore. No momento em que ele me vê, ele se endireita, papéis voando por toda parte. Em um momento ele está de pé. - Maia - ele diz, e não segue em frente, apenas me encara. - Lorde Anax - digo, e me curvo, então coro porque eu nunca tinha me curvado anteriormente. Estico minha mão. - Eu trouxe outra carta. - Eu realmente não me importo com cartas. Para nada. Nem um

pouco. - Segue olhando para mim com... não medo, acho que não, mas uma espécie de cautela atordoada. - Então, eu não tenho nada para fazer aqui - digo a ele, e isso significa que vou... É um alívio, não é, que eu não preciso mais olhar para o rosto dele, então por que a sensação de desabamento no estômago? Mas os pés não se mexem. - Espere. - Suas mãos estão apertando e flexionando. - Eu queria, ou seja, sinto muito por falar com você com raiva ontem. - Ele engole em seco. - Espero que não repita... qualquer coisa que eu possa ter dito de forma imprudente. Minha coluna fica tensa. - Eu não sou uma fofoqueira, meu Senhor. - Eu não queria dizer... bem, talvez eu quisesse. Um pouco. - Ele esfrega a parte de trás do pescoço - Eu não sou bom nisso. Maia-que-serecusa-a-me-dizer-o-nome-dela-família, você vai se sentar? Acho que você merece ouvir uma história. Seus olhos piscam para mim uma vez, depois se concentram em sua mesa. - Você não tem que me dizer nada, meu Senhor. - Eu não tenho - diz ele. - Mas você queria saber por que estou determinado a me casar com alguém, menos Lydia, e você merece saber. - Só trago cartas, meu Senhor. - Não quero ficar cuspindo o título nisso, mas minha língua não fará mais nada. Sua cabeça levanta e agora ele está olhando para mim. - Você me disse a verdade, e o Tártaro me levará se eu fizer menos por você. Faça o que eu digo e sente-se mulher. - Sim, meu Senhor. - Sento-me. Ele respira fundo. - Conheço Lydia Cosmatos desde os três anos de idade. Éramos companheiros de brincadeiras de infância. Fizemos tudo juntos, até estarmos velhos o suficiente para não ser mais apropriado, e então ainda parecíamos tão tanto quanto poderíamos. Nossos pais praticamente fecharam

os olhos, porque embora eles nunca dissessem nada, era geralmente entendido que estávamos destinados a nos casarmos. Quando éramos crianças, parecia uma piada muito boa. Quando éramos mais velhos... Lydia era linda. E doce, gentil e boa. Eu estava apaixonado por ela, ou pensei que estivesse, e embora ela tenha crescido quieta todos os anos, eu tinha certeza de que ela correspondia aos meus sentimentos. Então em meu décimo sexto aniversário, eu me propus, disse a ela que eu a amava mais do que luz ou respiração, e pedi-lhe em casamento. Eu pensei que poderíamos nos casar antes do final do ano. Então ele faz uma pausa, olhando para o crânio. Finalmente, ele continua - Lydia sorriu e disse que sim. Ela disse, ainda me lembro das palavras exatas: "Eu tinha perdido a esperança, mas espero que você sinta por mim o que eu sinto por você." Eu a beijei e pensei que era o dia mais feliz da minha vida. Nossos pais ficaram maravilhados, embora eles tenham dito para esperar pelo menos um ano. - E então. - sua mão aperta. - Lydia e seu pai foram convidados para nossa casa naquele verão. Um dia, eles estavam caminhando no labirinto de sebes. Fui atrás deles, e eu os ouvi conversando. Lydia estava... ela estava implorando a seu pai para quebrar o compromisso. Ela disse que achava que suportaria se casar comigo porque eu a amava, e eu era um amigo, mas todos os dias a ideia de casar com alguém que ela considerava como um irmão se tornou mais desagradável para ela. Ela disse que cada vez que eu a beijava, ela queria morrer. - Não me lembro como voltei para casa. Eu realmente não lembro de nada até aquela noite quando eu a encurralei na biblioteca Eu era... vil. Ameacei caluniá-la perante toda a cidade, a menos que ela mesma rompesse o noivado. Eu não disse a ela o porquê. Tive decência suficiente, pelo menos, para fingir que não conhecia seus segredos; eu só disse que estava farto dela, que não suportaria ver seu rosto de novo. O que era verdade. Então Lydia me deu um bolo na manhã seguinte, e seu pai tem conspirado para nos reconciliar desde então. Finalmente ele se vira para mim. - Você vê por que eu tenho que me casar. Ela nunca estará livre até eu o fazer. E por mais que eu despreze a ideia

de me casar com uma mulher que sorri e mente para mim, acho que aguento que ela não seja uma amiga. - Você ainda a ama - digo baixinho. - Talvez. O que significa isso, afinal? - Ele cruza os braços e olha para fora por cima do ombro, fora da janela. - Eu acho que morreria por ela se me perguntasse, mas eu não pude ir à festa de aniversário dela. Eu teria preferido morrer a entrar naquela sala e sorrir para ela. Qual é o objetivo disso? Francamente, eu tive a ideia de amor. - Isso só seria sábio se o fizesse - digo a ele. Mas isso não acontece. - Eu posso ver isso nas linhas miseráveis de seus ombros encolhidos. E ainda, apesar de seu amor, ele a deixou ir. Ele tentou o seu melhor para escapar dela. Nunca pensei que alguém pudesse amar assim. Ele tosse uma risada. - E você? Sim, quero dizer. Eu nunca amei. Nunca quis ser amada. Em todo o mundo, eu sou a única garota que não sabe. Mas então ele olha para mim, sua boca torcida a meio caminho entre um sorriso e uma careta, a pele enrugada nos cantos de seus olhos escuros, e eu não posso falar. Eu sou a única garota no mundo que não quer o amor. Eu sou a única garota no mundo que pode proteger as pessoas da minha mãe. E estou sempre, sempre sozinha. Mas a inclinação de seus ombros, o conjunto de sua boca, a linha de suas sobrancelhas, todos dizem, eu também... e por um momento louco e impossível, eu acredito nele. Eu acho que alguém pode me compreender. Eu acho que o amor pode ser gentil. E então eu não... - Eu não estive apaixonada - digo a ele. – Para começar eu nunca gostei muito disso. - Minhas mãos estão tremendo; meu coração está batendo tão forte quanto naquele momento em que a Madrasta me deu um tapa, e a

única coisa em que consegui pensar durante uma hora foi, mãe, mãe, minha querida mãe, eu amo muito minha Madrasta. - Bem, você é uma garota de sorte, então, por jurar amor com tanta vontade. Apenas certifique-se de que Afrodite não a castigue como fez com Hipólito. Isso me faz rir de verdade. - Eu não acho que mesmo os deuses podem fazer minha Madrasta se apaixonar por mim. - Então você tem uma Madrasta - diz ele pensativamente - e é bem educada. Provavelmente bem nascida também. Não há nem mesmo muitos nobres que conhecem a história de Hipólito... sem falar dos servos, que geralmente só querem histórias sobre os deuses protetores. Eu também não sei nada sobre Hipólito, exceto que em um inverno Thea teve a ideia de que eu deveria ser educada, e ela me seguiu lendo em voz alta até que a Madrasta a trancou em seu quarto. - Na verdade - digo a ele - a maioria dos servos aqui em Sardes não tem nada a ver com os deuses protetores. Muito rústico e rude. - Minha voz cai nas cadências da voz do nosso velho cozinheiro. - Esse tipo de lixo é só para mulas de vontade fraca que gostariam de estar de volta à fazenda com a terra sob as unhas. - É sério? Minha falecida mãe teria adorado; ela estava sempre tentando organizar novos programas de aperfeiçoamento para os servidores. - Foi o que disse nosso velho cozinheiro. Veja bem, ele estava jogando bolos no fogo no meio do verão, embora ele tentasse esconder. - Eu sorrio, lembrando do jeito que ele me repreendeu quando eu perguntei o que ele estava fazendo. Não é da sua conta, Senhorita curiosa. A memória me apunhala com força entre as costelas. Uma semana após a repreensão, algo aconteceu que deixou suas mãos tremendo, que o fazia se esconder sob avental a cada ruído alto. No mês seguinte, ele queimou sopas e derrubou as panelas; então a Madrasta o despediu. Não acho que tenha sido minha culpa. Eu ri da reprimenda e ele um momento depois sorriu para mim. Se ele tivesse realmente conhecido um

demônio, ele teria morrido ou se tornado louco. Mas não posso ter certeza. Eu nunca posso ter certeza, e é quando percebi que era melhor não fazer amizade com os criados. Depois dele, nenhum deles ficou mais de um mês, de qualquer maneira. Eles sempre sabem, eles percebem que a casa esta assombrada e fogem. - Você é como um camaleão, sabia disso? - Lorde Anax está olhando para mim agora com sobrancelhas levantadas pensativamente, sua boca torcida em um sorriso fraco. - Num momento você tem vogais que poderiam envergonhar minha mãe, a seguir você fala como o esfregão. Você se veste de trapos e conhece obras de mil anos. Eu sou o camaleão mais perfeito que ele já conheceu, e ele não pode saber disso. Ele pode se casar com Koré se quiser. Ele pode até se casar com Lydia. Eu sorriria e serviria vinho para os deuses em gratidão. Mas ele não pode me conhecer melhor ou mamãe vai se fixar nele e ele ficará preso em meu destino e eu preferiria morrer. Prefiro morrer, penso, e percebo que estou falando sério. - Eu também sou uma mensageira - digo a ele. Meu corpo está frio e rígido. - Aqui está sua carta de hoje. - Estou segurando ela. - Maia... - Bom dia, meu Senhor. - Jogo a carta nele e saio correndo.

***

Tento não pensar nisso enquanto varro o chão, esfrego as panelas, cozinho os alimentos. Eu tento, mas para todo lugar que eu viro, os pensamentos batem junto com meu batimento cardíaco: prefiro morrer. Prefiro morrer. Prefiro morrer. Eu não posso amá-lo. Não posso. Este sentimento não é a necessidade egoísta e gananciosa de que eu vi minha família se separar, contorcendo-se em seus corações como vermes através das maçãs podres.

Qual é o objetivo disso? O Senhor Anax exigiu quando me contou sobre a garota que ele não ama, mas morreria por ela. A garota que ele estava certo e gentilmente disposto a deixar. Talvez eu finalmente admita para mim mesma, talvez para ele haja uma forma de amar sensível e feliz, que não seja cruel. Os deuses sabem que ele o merece. Para mim, sempre foi apenas desespero, determinação no sangue de coração para não destruir. - Acho que ele vai se casar com Koré, mãe - sussurro na panela fumegante. O toque dela bate contra meu pescoço. - Ele ficará muito feliz. Ele levará Koré para seu palácio de ouro, deixando-a com Alcibíades, e vai sorrir com suas palavras. Ela vai correr os dedos pelos cabelos dele e dizer a verdade para ele até que ele a conforte, até que ele se esqueça de Lydia e da estranha garotinha que entregou as cartas, até ele ficar feliz. Vou ficar na casa empoeirada e sombria de demônios e cortinas quebradas, e eu saberei que ele está seguro. Não posso pedir mais do que isso, eu quero mais do que isso. Eu não vou. Nos próximos dois dias, trago cartas para ele. Não estamos falando sobre Koré, ou Lydia, ou quem eu sou. Ele me fala sobre seus estudos, seus planos para quando for duque, e eu digo a ele exatamente o que eu penso. Eu fico olhando para a renda em seus punhos, os tendões em suas mãos, e tento memorizá-lo para o dia em que eu estiver sozinha. Eu não o amo. Mas sinto um prazer traiçoeiro por ele.

CAPÍTULO 5

E no décimo dia, Koré não me entregou uma carta. Ela não desceu para o café da manhã; quando eu entro em seu quarto, ela está dormindo sob um emaranhado de cobertores. Eu descanso minha mão em sua testa, mas a sinto sem febre. Claramente ficar acordada a noite toda escrevendo as cartas finalmente cobrou seu preço; eu só espero que ela comece a dormir novamente no devido tempo, e não terei que passar uma semana cuidando dela. Eu ainda vou ao palácio. Mesmo sem uma carta, posso falar com ele, digo a mim mesma enquanto caminho com energia através do mercado. Talvez ele ainda queira se casar com ela. Eu deveria me preocupar em ir vê-lo sem uma carta, sem desculpas, nada que eu possa persuadi-lo, mas só tenho minha própria inteligência. Tudo que sinto é curiosidade, flutuando de felicidade. Choveu durante a noite; o sol brilha nas pedras molhadas. O ar é fresco e doce, respiro avidamente enquanto o vento me carrega entre os estandes de fornecedores. Por nenhuma outra razão além da lama nas poças, as crianças gritando, e os fios de alho pendurados entre os coelhos esfolados no estande mais próximo, acho o mercado o lugar mais bonito do mundo inteiro. Por um lado, momentos de sol delirante, não me lembro nem um pouco de minha mãe. Uma mão se fecha em meu braço. Eu me contorço para me libertar e digo novamente para o comerciante que não quero comprar nada... Uma velha está atrás de mim. Não, não é velha; o cabelo dela ainda é preto como o jato e as rugas em seu rosto são cicatrizes, não rugas. - Pipoca - diz ela, sua voz rouca e ofegante. - Pequenina, minha pequenina pomba. O resto do mundo está repentinamente distante, atrás de uma névoa. Eu não posso olhar a qualquer outra coisa que não esta mulher: seu

vestido manchado e enrugado, as bandagens amarradas sobre os dedos para evitar amassar a pele aberta, com os olhos abertos e fixados, suas pupilas incharam impossivelmente enormes. - Minha pombinha - diz minha velha ama. Eu tinha apenas oito anos quando minha mãe adoeceu. Meu pai tentou me proteger; ele me disse várias vezes que ela estava um pouco cansada, e ele não ia me deixar observá-la até que ficara evidente que ela estava morrendo. Até então eu mal reconheci a criatura esquelética com os olhos fundos. Mas ela juntou as mãos e sussurrou: “Querida, minha querida, estarei sempre com você. Eu encontrei uma maneira. Até depois que eu morrer, sempre estarei com você”. Ela me contou como. Ela não tinha vergonha, não quando a felicidade de sua única filha estava em jogo. Ela invocou Lorde Benevolent, o príncipe dos demônios e tinha feito um acordo com ele. Todo mundo sabe que as negociações do Lorde Benevolent inevitavelmente torcem e se transformam em desgraça. O preço é sempre mais alto do que parece. Mas minha mãe se certificou de que ela pagaria o preço total. Seu desejo era que sua filha estivesse sempre protegida; seu preço era que ela seria destinada a cumpri-lo. Seu fantasma estaria preso à macieira atrás de nossa casa, e ela teria o poder e o dever de responder a todas as minhas lágrimas. - Nada vai me tirar de você - ela prometeu. - Não há nada que eu queira mais. Na manhã seguinte ao funeral, quando estava soluçando sob a macieira, senti seu toque no meu ombro e eu a ouvi cantarolar uma canção de ninar no meu ouvido. O vento acariciou meu rosto e enxugou minhas lágrimas. - Fique comigo, mãe - sussurrei para ela, e ela o fez. Eu descobri rapidamente que ela faria qualquer coisa que eu quisesse como trazer maçãs de caramelo ou novos vestidos, brinquedos ou fitas ou doces. Achei que era a garota mais sortuda do mundo. Até o dia em que minha enfermeira me fez chorar.

Era a primeira manhã de sol depois de uma semana de chuva. Eu queria jogar no jardim; minha enfermeira queria que eu pegasse meus brinquedos. Eu disse não, reclamei, e finalmente pisei e esperniei, mas ela não se mexeu: se eu não pegasse minhas coisas, eu não conseguiria sair. - Não - eu disse pela última vez, com lágrimas nos olhos, porque tinha certeza que antes de terminar de juntar minhas coisas, a chuva voltaria e eu perderia minha chance de sentar sob a macieira e sentir os dedos da minha mãe no meu cabelo. Minha enfermeira balançou a cabeça. - Então você não vai sair o dia todo - disse ela - Estou muito decepcionada com você e terei de contar ao seu pai. - Você é horrível! - Eu chorei quando ela se afastou de mim. - Te odeio! - A porta se fechou atrás dela, e eu chorei lágrimas quentes e altas. Até que ela começou a gritar. Não foi igual a nada que eu já tivesse ouvido: um grito animal desesperado que continuou e passou. O som envolveu minha espinha e obstruiu minha garganta. Eu não conseguia me mover, não conseguia respirar, não conseguia pensar. Quando parou, me levantei cambaleando por um momento. Então eu deitei a correr para a porta. Todo mundo sabe sobre demônios, e todo mundo sabe sobre o amigo de uma irmã de um primo que enlouqueceu por eles. Mas ninguém realmente espera para ver isso acontecer. Minha enfermeira se aconchegou contra o painel, sua mão esquerda colocada na boca. Sangue e saliva pingaram entre seus dentes. - Enfermeira? - Eu estava tremendo. Então ela olhou para mim. Suas pupilas eram enormes e seu olho esquerdo estava manchado de vermelho com veias germinadas. - Faça isso parar - ela sussurrou. Faça parar, pipoca, sinto muito, por favor, faça parar.

Ela colocou a mão direita na testa, como se estivesse com dor de cabeça de repente. Aos poucos, ela enfiou os dedos na lateral do rosto dela, deixando para trás quatro trilhas sangrentas. Então ela começou a gritar novamente. Minha enfermeira foi a primeira. Ela não foi a última. Não foi até que o mordomo e a empregada também fossem destruídos quando percebi o que estava acontecendo. Minha mãe queria o poder de me proteger, e ela fez um pacto com o príncipe para tal maldição. Portanto, seu poder era comandar demônios. Ela poderia forçar eles a trazerem-me bugigangas e doces. Ou eu poderia usá-los para destruir qualquer um que me fizesse chorar. Ela costumava chorar por mendigos e pássaros com asas quebradas. Ela pensou que seria um pequeno preço, por se tornar um fantasma para que pudesse proteger a filha mais nova. Mas ela havia esquecido que os fantasmas não têm misericórdia. Foi assim que aprendi a sorrir. Meu pai se casou novamente e eu sorri. Meu pai morreu e eu sorri. A Madrasta me deu um tapa pela primeira vez, e sorri tão forte que pensei que meu rosto iria quebrar. - Eles estão sempre cantando - sussurra minha enfermeira. Ela agarra meus braços, seus dedos enfaixados cavando em minha carne. - Eles nunca param. Por favor, me desculpe faça-os parar, minha pombinha, por favor. Eu sorrio. O que mais eu posso fazer? Então ela me empurra para o lado e foge às cegas rua abaixo. Viro uma esquina e esbarro em alguém. – Desculpe, Senhor! - Eu grito abaixando minha cabeça e me afasto. - Maia? A voz me pega no lugar. É Lorde Anax, e eu me viro para vê-lo parado ao meu lado com um longo casaco preto sobre os ombros e um chapéu

na cabeça. - Meu Senhor - digo sem entender. Meu corpo inteiro está entorpecido - Eu estava indo... eu ia vê-lo... - O que aconteceu? - pergunta - Maia, o que aconteceu? - Nada. Não aconteceu nada, está tudo bem. Tudo está exatamente igual a quinze minutos atrás. O sol esta brilhando, eu iria passar a manhã com o homem por quem eu morreria, e minha babá está morrendo a cada momento por minha culpa. A donzela morreu no dia em que conheceu os demônios, mas o mordomo também sobreviveu. Eu me pergunto se ele ainda está vivo e sofrendo também. - Você está tremendo. - Eu... - respiro fundo e crio um sorriso. - Um menino tentou me roubar. Eu me afastei dele. Estou muito bem, só um pouco abalada. - Quando você sorri assim, não acredito em nada do que você diz. Mas você parece estar inteira, pelo menos. - Ele estende o braço e coloca a minha mão sobre a dele como se eu fosse uma senhora que precisasse ser conduzida a um salão de baile. - Venha. Eu estava indo para o parque; eu conheço um lugar tranquilo onde você pode se sentar. - Em público? Com uma serva? - Eu protesto quando ele começa a me conduzir através da rua. - Qual é o sentido de ser o herdeiro do duque se eu não posso fazer barulho sobre de vez em quando? Ele rapidamente nos leva ao portal do parque próximo e me leva a um pequeno banco sob um par de salgueiros, quase completamente escondido pela cortina de seus galhos suspensos. Eu sento no banco e então ele se levanta com as mãos nos bolsos. - Não quer se sentar, meu Senhor? - pergunto. Estou começando a sentir um pouco menos instável. Eu não aprendi nada novo. Acabei de ser lembrada do que eu faço e por que ele precisa me esquecer. Por que você

deve se comprometer com Koré hoje. Sua boca se achatou. - Eu gostaria que você parasse de me chamar assim. - Tenho certeza de que é perfídia se eu não o fizer. - Não, é simplesmente imprudente e eu realmente não me importo. Sim eu me importo eu quero dizer, eu me importo com isso... - Ele se interrompe. - Eu não esperava que você viesse hoje. - Venho todas as manhãs - digo a ele. - Eu sei, mas ontem à noite... decidi te contar uma coisa. - E então é claro, ele estava com medo de ter decidido tarde demais, e que nunca mais iria me ver de novo. - Ele olha para mim e depois para o chão. - O baile é em quatro dias, você sabe. - Não ouço mais nada além disso hoje em dia - digo a ele. Todas as manhãs na mesa café da manhã, a Madrasta descreve um sonho ainda mais elaborado de como Lorde Anax da uma olhada na sua amada Koré e apaixonase. Os vestidos estão prontos. Thea pratica seus passos de dança a cada momento, e Koré escreve cartas. Eu me levanto. - Não tenho uma carta hoje - digo a ele. - Mas eu vim de qualquer maneira, porque eu queria... Eu esperava que ele finalmente se comprometesse como minha Senhora. Ele me olha confuso. - Maia? Meu coração está batendo forte novamente. Meu corpo parece uma mola em espiral. - Você leu as cartas dela - digo a ele. - Você sabe, ela é uma Senhora, ela será muito boa duquesa, ela nunca mentirá para você. Ela é linda também eu já mencionei? Por favor, me prometa que... - Maia, depois de todo esse tempo, você pode imaginar que eu já casei com ela? - Você deve - digo a ele. - Você disse que tinha que se casar, e com quem mais seria? - Zeus e Hera, boba, quero me casar com você.

As palavras explodiram para fora dele, e parece que o assustaram tanto quanto a mim; eu sei ele dá um passo para trás, como se eu o tivesse empurrado. Eu fico como uma estátua. - Isso não... não é engraçado, meu Senhor. - Eu não quis dizer isso como uma piada! - Ele aperta o punho contra a boca. - Sinto muito. Eu não quis dizer isso. Mas eu quero dizer isso. Maia tinha pensado que nunca poderia haver qualquer tipo de sinceridade entre mim e uma mulher, muito menos amor. E então eu te encontrei embaixo da minha mesa, e... Eu acho que te amo desde no momento em que você me contou sobre a donzela que foi cruel com você, porque ela era consistente. Você é louca, você é corajosa e bonita, e você me diz a verdade. Nunca houve ninguém para fazer isso por mim, só você. Maia, não me importa quem você é. Te amo e eu lutaria com o mundo inteiro para me casar com você. Você me daria a honra de sua mão e seu coração? Eu me sinto tonta. Ele não pode estar me perguntando isso. Isso deve ser um sonho, um delírio nascido da febre. Mas o mundo está me pressionando, é muito real negá-lo: a luz do sol brilha pelos galhos dos salgueiros, e as asas dos pássaros batem forte nas árvores. Eu sinto o sopro em cada centímetro de pele do meu corpor e minha garganta... - Você não me ama - digo a ele. Ele suspira tristemente. - Talvez não. Eu não posso deixar de vê-la do jeito que um homem faminto vê o pão. - Você não sabe o que é sentir fome, muito menos morrer de fome. digo. - E você não me ama. Não pode. - Sim - ele diz baixinho, dando um passo mais perto, e seus olhos escuros estão olhando direto para o meu. - Não pode - sussurro para ele, e é quando ele me beija. Há um momento em que não sinto nada. Eu não sinto nenhum toque há anos além dos golpes da Madrasta e das carícias fantasmagóricas da minha mãe, e agora de repente, há mãos fortes segurando meus ombros e

uma boca esmagada na minha. É muito estranho; não consigo entender o sentimento o suficiente para senti-lo. Não consigo nem respirar. Mas continua me beijando, e mesmo que esta seja a primeira vez, parece a recuperação de uma memória esquecida. Meu corpo parece dizer: Sim, isso, e então eu retribuo o beijo, como se tivesse nascido para estar em seus braços. Eu nunca percebi quão forte a culpa e o medo me machucaram até este momento, quando eles relaxam no ar e voam para longe, deixando-me com nada além desse deleite inocente. Nada. Meus segredos, minhas mentiras. A frágil segurança da minha família. Tudo que eu tenho trabalhado tão duro para criar, ele vai jogar tudo fora. De repente, seus braços são uma prisão e não posso suportar o toque de seus lábios por mais um momento. Eu me contorço para me libertar. Reaja depois de mim. - Maia... Eu dou um tapa em suas mãos. - Não - suspiro. - Case-se com minha Senhora. Ou não, se quiser. Mas eu... eu nunca mais quero ver você de novo. E então eu corro.

***

- Ele não receberá mais cartas - digo a Koré naquela noite. - Ele está muito ocupado. Mas ele vai te procurar no baile. Eu acho que você tem uma chance. Pela primeira vez, mentir para ela parecia cinza na minha boca.

CAPÍTULO 6

Tudo é exatamente igual. Fazer o café da manhã. Lavar os pratos. Assar o pão. Varrer o chão. Arrumar as roupas. O sorriso da minha mãe que desaparece no papel de parede da Madrasta. Nada é o mesmo. Meus sorrisos e minha submissão silenciosa parecem uma máscara de porcelana pesada; meu rosto está sempre puxando para eles, tentando tomar outra expressão. Tentando falar a verdade. Vou aprender a usar essa máscara sem esforço mais uma vez, assim como vou aprender a parte de lembrar cada palavra que ele disse, cada olhar que ele me deu. Mas para agora, lembro-me de cada momento com ele. Acima de tudo, lembro-me de quando o empurrei de volta, e seus olhos escuros estavam perplexos de dor. Desafiaria seu pai, seu companheiros, com todo o bom senso de casar comigo. E eu o empurrei. Certamente, se os deuses não tiverem misericórdia, ele vai me odiar agora. Vai escolher outra esposa e ela será feliz. No dia do baile, minha Madrasta espera o amanhecer para me dar ordens. Eu não acho que sei o porquê; certamente suas ordens não têm sentido. Primeiro eu tenho que cozinhar um café da manhã extra grande, e então ela me diz para sair do fogão, porque não há clima. Ela quer que eu limpe a casa inteira, como se Lorde Anax estivesse chegando amanhã para o chá. Ela me manda para o jardim para pegar buquês para o altar da família, onde o retrato de meu pai permanece ao lado da casa dos deuses. De repente, quando ela aponta um dedo para mim e me diz para mover o vaso um pouco mais à esquerda, ela cai de joelhos e fecha os olhos com força. Suas sobrancelhas se contraem; seus velhos lábios se abrem suavemente. Por um momento, apesar das rugas que desenham seu rosto cansado, apesar de tudo que sei sobre ela, ela está linda. Acho que talvez ela sentisse por papai o que sinto por Lorde Anax. Meu estômago se revira e eu me afasto, porque não somos nada, nada parecidas e nunca seremos. Eu vou morrer primeiro.

E então vêm os preparativos para o baile. Os vestidos já estão escolhidos, arranjados e bordados. As máscaras, encomendadas a um custo altíssimo, embrulhadas em papel de seda. Thea não consegue parar de desembrulhar o dela correndo os dedos acariciando tudo, em uma superfície dourada. Por outro lado, ela está mais calma hoje; continua olhando para mim e respirando fundo para depois falar. Eu acho que ela se sente culpada por eu ficar em casa, uma vez mais. O que digo a minha mãe é verdade: estou feliz por não ir. Se eu for, verei Lorde Anax e então... talvez ele já me odeie e não vou conseguir parar por mim mesma, vou chorar e destruir tudo. Ou talvez ainda me ame e eu não serei capaz de parar por mim mesma direi sim e destruirei ele de qualquer maneira. Não quero ceder a ele e não quero machucá-lo. Eu vou morrer primeiro. Parece que penso muito nisso ultimamente. Koré não apareceu o dia todo, o que não é novidade. Passou os últimos dois dias trancada em seu quarto, provavelmente escrevendo tudo que ela queria dizer a Lorde Anax. Mas então fica tarde e é hora de se vestir. Eu amarro o vestido em Thea, macio como manteiga, seda verde-clara costurada com contas iridescentes, e pela primeira vez ela não ela parece uma aquarela manchada de sua irmã mais velha, ela parece uma fofa jovem mulher em seu próprio direito. - Onde está Koré? - pergunta a Madrasta. Ela tem assistido todos os processos; eu não acho que ela confia em mim. - Aquela garota estúpida esteve relaxando em seu quarto o dia todo. Estou prendendo o cabelo de Thea e sinto o pequeno encolher de seus ombros. - Tenho certeza que ela está apenas praticando seus passos de dança, mãe - murmuro. - Ela já deve saber. Passei muito tempo ensinando ela. Para qualquer filha da nossa casa, isso deve ser suficiente. - Sua voz caiu para um rosnado. - Pela honra de nossa casa.

- Eu vou procurá-la - digo rapidamente, arrastando o último nó no cabelo de Thea. Se a Madrasta falar sobre a honra da nossa casa, é ruim. – Um momento minha Senhora - Eu me curvo e saio. Tenho que bater três vezes antes que Koré atenda. Ela deve estar cochilando: ela está totalmente vestida, mas seu cabelo está uma bagunça e há uma marca de travesseiro em sua bochecha. - Sim, quem é? - pergunta. - Sua mãe te ama - digo. - É hora de se vestir para o baile. - Claro. - Os lábios de Koré se contraem sem cor, embora suas bochechas estejam vermelhas, então ela me empurra para passar, esta tossindo. Quando voltamos para o quarto de Thea, a Madrasta esta entrando e saindo sem parar. Solta um riso amargo quando ela nos vê. - Por fim você se digna a nos honrar com sua presença. - sua voz é doce e azeda. - Eu estava... - Koré diz, seu rosto pálido assustado. Ela pisca rapidamente - Eu só estava... Então ela desmaia, revirando os olhos. Thea e eu estamos com ela instantaneamente. Nós a arrastamos para a cama e afrouxamos o espartilho. Em apenas alguns momentos, acorda. - Mãe? - ela diz fracamente. A Madrasta está a um passo de distância, olhos arregalados, boca aberta, torcendo e fechando, como se cem palavras estivessem lutando entre si para sair. Ela parece tão furiosa quanto minha enfermeira. Koré se senta, empurrando Thea para trás. - Sinto muito, mãe - diz ela, sua voz era baixa e ainda elegante, apesar de tudo. - Não me sinto muito bem... mas eu ainda posso dançar - Então ela começa a ter um ataque de tosse. O rosto da Madrasta está quebrado em uma máscara dura de boca chata. Atravessa o quarto até nós. - Sua garota estúpida. Que fizeste? Você

sabia disso muito bem, você fica doente facilmente. - Sinto muito - Koré engasga entre tosses. Há um golpe em seu rosto quando a Madrasta lhe dá um tapa. Thea grita e eu a conduzo para fora. - Isso é pouco cadela estúpida - diz a Madrasta. - Você quebrou todas as nossas possibilidades. Não significamos nada para você? Sua família não significa nada para você? Koré contrai novamente. É a primeira vez que me lembro, que ela parece apavorada. A Madrasta agarra um punhado de seu cabelo. - Olhe para mim, garota. Porque o fez? Porque você fez? - Sinto muito, mãe - ela sussurra. Não era minha intenção... A Madrasta a sacode como uma boneca de pano. - Nenhuma filha minha seria tão egoísta. Nenhuma filha minha. Nenhuma. - Sua boca treme, e então ela pressiona Koré contra a parede - Vá para o seu quarto. Fique lá até apodrecer. Thea geme, mas minha mão pressiona sua boca. Não há nada que possamos fazer por Koré. Nunca há nada que possamos fazer. Koré hesita em se levantar. Seus olhos encontram os meus e ela acena com a cabeça fracionariamente: ela entende. Então, com a cabeça baixa, ela perde o equilíbrio enquanto sai da sala. Thea escapa por pouco do meu alcance, mas eu sussurro em seu ouvido: - A única maneira de ajudá-la é fazer a Madrasta feliz. - Ela sai mancando. É estúpida, mas eu não sofro pensando que ela pode lutar, então eu a deixo ir. A Madrasta abre a caixa de máscaras, tira a de Koré e a joga no fogo. Ela observa quando as bordas começam a escurecer e ondular; então se volta para nós. - Vamos, Thea - diz ela. - Vamos dançar juntas, e você vai mostrar a ela que você é minha filha verdadeira quando Lorde Anax se apaixonar por

você. Thea olha para mim. Seus olhos se arregalam e se enchem de lágrimas. Mas ela se puxa para trás e curva sua boca em um sorriso. - Claro, mãe - diz ela. - Mal posso esperar. Quando levo para Koré uma tigela de caldo para o jantar, ela está cambaleando enquanto tenta colocar o vestido. - Sente-se - digo a ela. - Não - ela diz, lutando com os botões. - Eu devo... Senhor Anax. Tosse de novo. - Ele não vai ser cativado por uma garota que tosse na cara dele digo a ela, agarrando seus ombros e empurrando-a para se sentar na cama. Koré olha para mim. - Não entendes. - Não. Eu não entendo. - Meu peito parece cheio de gelo e cascalho. - Você fez por si mesma para ganhar essa doença, mas mesmo se ele se casasse com você, você acharia que a Madrasta te amaria? Você acha que ela iria? - Não - diz Koré. As poucas sílabas caem no chão por causa da minha raiva e eu fico olhando para ela como um peixe estripado. - Mas... - digo a ela, e não consigo encontrar mais palavras. - Mamãe não pode me amar ou amar Thea de novo - diz Koré. - Eu sei isso. Eu sempre soube. - Então porque? - pergunto a ela lentamente - por que você continua tentando obter favores dela? - Porque ela se tornou assim para mim. - Ela parou de te amar porque te amava? A boca de Koré se contorce em algo como um sorriso. - Não. Casou com seu pai, porque ela nos amava e essa era a única maneira de nos manter alimentadas. Ela parou de nos amar porque fez um acordo com Lorde

Benevolent. Nossos olhos se encontram. Deveria estar com medo ou triste por saber que alguém mais na casa se aproximou da mesma forma, para negociar com o príncipe mal dos demônios e governante do nosso mundo. Mas tudo que eu sinto é uma exaltação brilhante e desesperada: ela sabe como é. Ela sabe como é. Ela o sabe. - O que aconteceu? - pergunto. - Meu pai morreu - diz Koré, e por um momento deixa as palavras persistirem, como se fossem a única explicação de que preciso. Talvez eles se encontrem. No final, mamãe morreu é a única coisa que você precisa dizer sobre mim. - Ele era rico - continua Koré - mas a forma como seu estado foi complicando..., era tudo por causa do primo dele. Teríamos sobrevivido vivendo de sua caridade, exceto por minha mãe ter brigado com ele, então nem tivemos chance. Ela se casou com seu pai porque era a única maneira de manter um teto sobre nossas cabeças. Mas ela não conseguia esquecer nosso pai. O único que tinha amado. Ela estava ficando louca de tristeza, enquanto fingia amar seu novo marido. Então ela me contou, e então ela me disse que tinha um plano. - Os punhos de Koré se fecham. - Ela invocou Lorde Benevolent, e quando ele chegou, ela ofereceu retribuí-lo com todas as melhores lembranças de seu primeiro marido, se em troca ele a fizesse amar seu segundo marido e sua casa. E ele concedeu seu desejo. Ela passou a amar seu marido e a sua casa. Ela os amava tanto que não tinha espaço para amar qualquer outra coisa, e quando ele morreu, ela enlouqueceu. Penso na maneira desesperada com que a Madrasta diz a honra da nossa casa. Ela é tão implacável quanto minha própria mãe; eu deveria saber que ela também tinha feito um acordo. - E você pensa... - digo - que se você se casar com Lorde Anax, ela será feliz? É por isto que você está tão determinada? Uma risada áspera vem de Koré e ela começa a tossir. - Oh, ela ficaria encantada com tal honra à nossa casa - ela diz quando tem sua voz novamente. - Mas isso não vai fazer ela feliz. Não há nada neste mundo que

possa fazer isso. Ela olha para mim, e seu rosto não menospreza. - Mas se eu puder me casar, posso muito bem tirar Thea desta casa. Você não terá que mentir quando acordar no meio da noite, com medo dos demônios que finalmente rastejarão para fora dos cantos. Você não terá que passar seus dias com medo porque você finalmente poderá ofender muito minha mãe. Ela não terá que perder tempo se preocupando com você. Ela vai estar segura, bem alimentada e as pessoas não vão rir dela... ela vai poder se casar com alguém gentil e ser feliz. Não consigo me mover. Não tenho certeza se consigo respirar. Sabia que minhas irmãs de criação devem ter ouvido rumores de que algo estranho estava acontecendo nos corredores dos servos, mas nunca me ocorreu que elas pudessem acreditar neles, e muito menos perceberem que havia demônios na casa. Será que é isso, elas estão com medo de sua mãe, assim como eu elas também querem fugir. - Não me importa com quem tenho de casar - diz Koré. - Eu não me importo se ele me fará sofrer. Vou tirar Thea desta casa. Sua voz é um fio áspero, fino e desesperado e totalmente inflexível. Parece tão familiar como meu próprio coração. Somos exatamente iguais. Quase exatamente, porque eu mereço meu destino e eu não posso escapar disso, mas talvez eu possa salvá-la. - Você está doente demais para dançar - digo a ela. - Eu irei por você. E desta vez eu vou garantir a promessa de casamento a você.

CAPÍTULO 7

Pela primeira vez em nove anos, admito para minha mãe que existe algo que eu quero. - Mãe - digo, ajoelhando-me ao pé da árvore, tentando não tremer na brisa fria da noite - Querida, querida mãe, você me concede um desejo? Dedos sem ossos deslizam contra minha bochecha. Meu coração se fecha contra minhas costelas; sinto-me frágil, apavorada e segura como uma pedra. - Eu mudei de ideia - digo - Quero ir ao baile... com um vestido lindo e uma bela máscara, igual às que você usava quando era jovem. Eu quero chegar lá em uma bela carruagem. Você pode fazer isso, mãe? As folhas das árvores se movem ligeiramente e ouço uma risada fraca. Minha garganta fecha, porque é a mesma risada que lembro da minha infância, quando minha minha mãe estava viva e dançando comigo no jardim e eu nunca tivera que temê-la. Então o ar ganha vida ao meu redor. Dedos fantasmagóricos tiram meu capuz e penteiam meu cabelo livre dos grampos. Eles me colocam de pé e meu vestido se solta, peça por peça, fios e pedaços de pano me puxando para cima. Estou nua no crepúsculo com meu uniforme de empregada esfarrapado em torno de meus pés. As sombras revestem o ar como galhos de árvores fantasmagóricas. Meu corpo estremece instintivamente, mas estou além do medo. Eu olho para eles e não fico louca enquanto linho e linha, renda desossada nadam no ar e envolvem-se em mim em uma mudança, anágua e espartilho. À medida que as alças são puxadas, o espartilho se aperta, as sombras parecem pegar fogo, brilhando com luz; então eu percebo que é um fio dourado, grandes extensões dele serpenteando pelo ar. É frequente por ondas de cetim dourado, chiffon cor de mel e rendas de ouro branco pálido como a luz da lua. O vestido é tecido em volta de mim em grandes ondas cintilantes, e quando acaba, mal consigo parar de me maravilhar.

- Obrigada, mãe - sussurro para ela, e pela primeira vez não estou mentindo. O riso sussurra nas folhas; eu sinto um toque na minha bochecha, e então ela inclina minha cabeça para olhar para um dos ramos mais baixos, onde uma máscara de ouro está pendurada em uma fita de seda vermelha. Com cuidado, estendo a mão e pego a máscara, em seguida, dou um nó no rosto, se encaixa tão perfeitamente quanto o espartilho, e como o espartilho, parece-me formar outra pessoa. Uma dama. É a coisa mais natural do mundo fazer uma reverência para a árvore, assim como eu fazia quando era criança e brincávamos juntos da corte real. Do outro lado da casa, ouço o barulho das rodas e dos cascos dos cavalos contra os paralelepípedos. - Obrigada - digo novamente, e depois vou ver minha carruagem. O palácio do duque é diferente à noite: pálido, brilhando com luz por milhares de velas, mais parece um sonho ou um encanto de uma casa construída em pedra por homens mortais. O jardim da frente, no entanto, é uma agitação totalmente humana de participantes e carruagens. À medida que nos aproximamos do topo, vejo que eles estão verificando os convites na porta, e por um momento tenho medo que eles voltem e mamãe fique brava. Mas então minha porta é aberta por um servo; branco e um rosto sem cor que não conheço fica na minha memória, um momento depois eu olho para longe, e ele tem um envelope cremoso na mão enluvada. Ele dá aos homens que estão na porta, e eles se curvam para mim e eu entro. O salão de baile é mais glorioso do que ouso imaginar: um espaçoso salão de mármore e ouro, adornados com cascatas de vívidas flores de estufa de todas as cores. Mulheres em seus vestidos igualmente vívidos rodopiam pela sala, cada uma com um cavaleiro vestido simplesmente de preto, como uma sombra. Todos eles usam máscaras, jóias, pintadas ou douradas, colares pendurados em contas ou esvoaçantes como penas. A música faz uma pausa e então eu o vejo: Lorde Anax, o único no

salão sem máscara, curvando-se para uma Senhora que dançava com ele antes. Seu sorriso é educado e morto, nada como as expressões que vi em sua cara antes. Então ele olha para cima e seus olhos encontram os meus. Eu estou mascarada. Ele não pode me reconhecer. Eu digo a mim mesma enquanto caminha em minha direção, mas meu coração ainda dispara e minha respiração treme contra as barras do meu espartilho. Ele está a três passos de distância. Dois. Um. E então ele se inclina para mim e diz: - Senhorita. Você faria a honra de dançar comigo? - Sim - digo, tentando esconder minha voz com o tom fino da voz de Koré. Eu não sou Maia: a menina que serve. Eu não sou filha de minha mãe: eu sou Koré Alastorides, e eu vou explicar ao herdeiro do duque por que ele deveria se casar comigo. Ele pega minha mão direita e começa a levantá-la; por um momento eu acho que vai beijá-la e uma pontada de dor sobe pelo meu braço. Então ele me arrasta para o seu lugar, me leva para o centro do salão de baile e coloca a outra mão na minha cintura. Seu toque é leve, nada mais é do que o roçar de uma pena contra a parede do meu espartilho, mas ainda envia correntes de calor ao meu rosto, e eu desejo... Então a música começa, e não há espaço para desejar ou pensar sobre nada. Eu sou muito grata por todas as vezes que Thea me fez praticar a dança com ela, mas geralmente eu tinha que dançar a parte de menino, e por um momento tudo que posso fazer é me esforçar para não pisar em seus pés. Eventualmente, fica mais fácil. Com o tempo eu percebo que estive olhando para os meus pés e perdendo meu tempo. Eu olho para cima... e ele está olhando para mim silenciosamente, com as sobrancelhas ligeiramente franzidas, mas sem qualquer vestígio de aborrecimento. - Eu não pensei que você viria - diz ele. - Meu Senhor? - digo sem entender.

- Depois do que eu fiz. - Ele olha por cima do meu ombro, seu rosto pálido e decidido - Achei que nunca mais iria ver você. Eu pensei que nunca seria capaz de pedir desculpas. - Então ele abaixa o olhar e encontra meus olhos. - Que bom que você veio, Maia. E eu sinto muito. - Hein... - eu fico surpresa - Como você sabe... Estou usando uma máscara. Ele sorri. - Você achou que eu não reconheceria sua voz? Seu queixo ou seus olhos? Ou você acreditou que eu não saberia que você é a única mulher aqui com as mãos rachadas? Eu olho para baixo e vejo minha mão vermelha rachada presa em seu corpo macio e em seus dedos lisos. Eu me sinto uma farsa barata. Isso me faz girar para fora e para trás em uma torção repentina. Você sabe que é a mulher mais bonita aqui - diz ele. Mesmo em poucos dias, esqueci o quanto ele pode ver de mim. - Por que você quer se desculpar? - pergunto baixinho. Talvez se sentir culpado, posso fazer com que ele prometa se casar com Koré para consertá-lo. Seu sorriso desaparece. - Pela última vez que nos encontramos no parque. Isso foi… Injustificável que eu tenha me aproveitado de você assim. Quando você não tinha me dado nenhuma permissão e claramente não tinha desejos, e você precisava temer o poder da minha posição, além disso. - Seus lábios se pressionam por um momento e então ele continua. - Fui muito egoísta e estúpido durante toda a minha vida, mas eu prometo a você, estou começando a aprender. - Oh - digo. Minha cabeça está girando quando eu percebo o que esse dia deve parecer através de seus olhos, porque apesar de quão bem ele me entende, ele ainda não adivinhou meu segredo mais importante. Anax não nota a minha confusão; ele mergulha nas palavras que jorram, como se não pudesse se conter. - E uma vez que eu percebi o quanto te machuquei, eu soube o que havia de errado Lydia. Durante todo esse tempo ela se culpou pelo meu

coração partido, porque eu não queria admitir que fui tão cegamente egoísta, poderia beijar uma garota sem perceber que ela odiava. Então eu escrevi para ela ontem. Falei com ela a verdade e disse que sentia muito. Eu disse a ela que esperava um dia poder reconquistar sua amizade, mas ela não devia nada a mim. - Ele solta um suspiro. - Eu gostaria de ter sua amizade também. Algum dia. Se você me deixar ganhar de novo. E eu sei porque vim aqui; eu sei o que fazer. Devo ganhá-lo para Koré e deixá-lo para sua própria segurança. Mas ele parece tão desolado e corajoso ao mesmo tempo, eu não posso parar sozinha. - Você tem - digo - Você sempre teve minha amizade. - Obrigado - diz ele, sua voz suave e incomensuravelmente grata, e eu não posso aturar isso. Não posso suportar que ele esteja grato por receber tão pouco de mim, e palavras fluem de mim sem tentar, da mesma forma que meus pés estão dançando o padrão da música. - Você foi muito rude - digo - mas não te odiei quando me beijou. Eu não te odeio em absoluto. Eu... - E então, finalmente, eu consigo calar minha boca traidora, mas é tarde demais. Ele me olha com admiração e deleite maravilhoso, e consegue me ver. Ele sabe. - Maia - pergunta ele - por que você veio aqui esta noite? Eu sei o que dizer o que você deveria fazer. Mas seus dedos estão enrolados ao redor dos meus, sua mão está na minha cintura, e a música brilhando nos cerca e rodeia a sala. - Eu queria saber - digo, e minha voz parece que está vindo de quilômetros de distância e ao mesmo tempo do fundo dos meus ossos - se você realmente me ama. A forma que você disse quando me pediu em casamento. Então? Sua boca se curva. - Não, na verdade não. - Oh! - digo. - Eu não te amo - diz ele. - Pelo menos eu não sei. Eu pensei que você fosse... linda, honesta e a única esposa que poderia respeitar. Mas você tem razão, eu não te amo. Eu apenas pensei que você fosse uma fuga. E

então eu perdi você. Achei que você se tinha ido para sempre. Nestes últimos quatro dias: cada livro que leio, eu fico me perguntando o que você pensaria deles. Cada ideia que tive, queria pedir sua opinião. Eu ouvi sua respiração perto de mim. Então eu sabia o que você significava para mim, e o que você poderia ter sido por mim e então eu me apaixonei por você. Ele para de dançar e aperta minhas mãos. - Assim, amo você Maia, filha de não me importa quem. E eu vou dizer isso quantas vezes você quiser, para quem você quiser. Não posso respirar. Essas palavras são tudo que eu queria no mundo, mas não posso ouvi-las. Não quando sou filha da minha mãe. Ele vai morrer se me amar. Ele vai morrer se me amar. Você vai morrer, ou então você vai viver ao meu lado como um escravo do fantasma da minha mãe, e assim como ter filhos escravos, não vou fazer isso por ele. Vou morrer primeiro. Vou fazer qualquer outra coisa ruim primeiro. - Você - digo - você vai me beijar? Seus olhos se arregalam. Ele sabia que me beijar aqui em público era tão bom quanto eu me declarar como sua namorada e que se ele não se casasse comigo mais tarde, o mundo iria pensar mal de mim sem propósito e ele seria um canalha. Então ele se inclina e pega meu rosto em suas mãos e não há nada além dele no mundo do que o calor de seus lábios. E as profundezas da minha própria traição. Eu não agüento por muito tempo. Eu quebro o beijo. - Prometa-me que você vai se casar comigo - respiro - Me prometa que vai se casar com a garota desta máscara, não importa quem ela seja pela manhã. - Eu juro - diz ele. - Eu juro por Zeus e Hera, eu não me importo quem você é. Vou te ter como minha mulher ou não quero nada mais. Eu me afasto de seus braços. - Vá para a casa dos Alastorides

amanhã. Peça a sua filha. A única usando a máscara. Ele pega meu pulso. - Eu pensei que você fosse uma serva. - É uma longa história - digo. O aperto simples e confiante de seus dedos me faz queimar de vergonha. Não posso olhar nos seus olhos. - Eu vou explicar mais tarde. minto e depois corro. Quando chego em casa, Koré está sentada na cama, com o rosto apoiado na parede, a luz das velas cintilava em seus olhos semicerrados. Eu me ajoelho ao lado dela. Enquanto ela se endireita, ela coloca seu rosto em ordem, eu coloco minha máscara de ouro. - Ele prometeu - digo - que virá a esta casa amanhã e se casará com a garota que tem essa máscara. Ela tira de mim. Sua boca se aperta por um momento, e então ela pergunta: - Você está segura? - com a voz cansada e desconfiança de quem já esperou muito tempo para confiar na esperança. - Ele prometeu - digo a ela. Ela toca minha bochecha, como se fosse enxugar uma lágrima, mas não há lágrimas. Sei que não há lágrimas, porque não há ninguém morrendo. Porque eu ainda sou, mesmo com o coração partido, forte o suficiente para sorrir. - Boa noite - digo a ela, e a deixo para contar à minha mãe sobre a linda noite que ela me deu e como estou perfeitamente feliz.

CAPÍTULO 8

O café da manhã é uma refeição sombria. Koré está melhor, mas ainda tosse, enquanto Thea só consegue olhar para o prato com cansaço. A Madrasta esqueceu sua raiva por Koré, mas apenas porque ela está muito ocupada ficando furiosa com a garota imunda e mimada que dançou com o filho do duque e foi pega em sua má conduta ultrajante. Pela primeira vez, sua raiva não me assusta. Não sinto medo nenhum, porque sei exatamente o que vai acontecer: Anax virá até a porta, sorrindo e impaciente, e vou traí-lo totalmente. Eu sei disso, e tudo que sinto é um horror frio e doentio subindo lentamente pelos meus pulmões. A campainha toca. Eu me encolho. A Madrasta pressiona a mão na testa. - Maia, não sei porque você não esta atendendo ela; esta é uma casa honrosa, não um estábulo. Eu ando até a porta. Meu estômago dá um nó, minha pele está tremendo. Eu acho, estou salvando ele, mas não é nenhum conforto quando eu abro a porta e ele sorri. - Estou procurando a filha desta casa - diz ele, como uma piada inocente. - Quem dançou comigo ontem à noite com uma máscara dourada. - Por aqui, meu Senhor - digo, me virando. - Maia? - Sua testa franze e um calafrio percorre meu corpo: ele pode dizer algo errado. Eu mantenho um dedo em meus lábios, olhando em seus olhos. Então eu digo: - A família você verá na sala de estar, meu Senhor. Diga a eles... exatamente o que você acabou de dizer. A preocupação não sai de seu rosto. Mas depois de um momento, ele acena e me segue silenciosamente pela casa porque confia em mim. Deixo-o na sala. Não sei como volto para a sala de café da manhã. Tão logo quando entro, Koré fica rígida. - O Senhor Anax está aqui, minha Senhora - digo à Madrasta. - Ele

quer vê-la agora Senhorita Koré. As cadeiras rangem e fazem barulho enquanto todas elas se levantam em um instante. - Koré, querida, você não deve tossir quando está com ele ou eu vou bater em você. - a Madrasta fala rápido - Vou te dar um momento para se acalmar. Thea vá para o seu quarto. - Ela se vai. Thea olha de mim para Koré. - O que está acontecendo? - Nada. Tudo. Vá para o seu quarto - diz Koré sem fôlego, e escapa escada acima. Ela a segue depois. Após alguns momentos, Koré desce ruidosamente novamente; tem que parar na parte inferior da escada para um ataque de tosse, mas quando ela põe o lenço de lado, sua cara é uma estátua de mármore, perfeita novamente. - Obrigada - ela sussurra. A máscara dourada está agarrada à sua mão. Não digo nada. Quando ela vai embora, não consigo aguentar; eu ando na ponta dos pés e deslizo perto da porta entreaberta. - Sim - ouço Anax dizer, sua voz refinada e desinteressada, - ela é adorável como os dedos rosados do amanhecer e tenho certeza que ela toca e canta também. Mas estou aqui por sua outra filha. - Você quer dizer minha pequena Thea? - A voz da Madrasta é como violetas tecidas açucarada, doce e delicada e completamente falsa. - Ela é muito jovem, mas ela é uma grande honra. - Um pouco mais plausível desde que realmente conheci a garota diz Anax. - Mas não. Quero dizer Maia, a filha que mantém na cozinha. Baixa, esquelética, com as mãos vermelhas de lavar pratos. Ela estava no baile na noite passada, usando uma máscara de ouro. Dancei com ela e eu me casarei com ela. - Não - disse Koré em sua voz perfeita, como uma nota grave em uma flauta de prata. - Você dançou comigo. Usei a máscara e você prometeu se casar com aquela que a tivesse.

Há uma pequena pausa. Em seguida, passos e Anax puxa a porta aberta. Agarra a meu braço e me arrasta para dentro. - Maia - diz ele. - Diga a eles. - Diga a eles o quê? - pergunto, recuperando meu equilíbrio. Não me atrevo a olhar para ele. - O que você fez na noite passada quando dançamos. A Madrasta está olhando para mim como se eu fosse uma aranha venenosa. Koré não, está olhando para tudo; seus olhos olham para baixo, cílios perfeitamente abertos olhando recatadamente para o tapete, uma filha virtuosa e obediente esperando as ordens de uma mãe que nunca a amará. Eu posso sentir cada um dos dedos de Anax apertando meu pulso. Isto é loucura, mas nesse aperto posso sentir tudo sobre ele: a tensão em seus ombros, sua tristeza, seu meio sorriso, seu batimento cardíaco. Seu medo, fúria e esperança. Ele nunca vai me tocar de novo. - Mas nunca dancei com você, meu Senhor - digo. Olha para mim. - O que? - Ontem à noite - digo baixinho. Senhorita Koré me pediu para vestila. Ajudei-a colocar um vestido dourado e amarrei a máscara em seu rosto. Eu levei as cartas dela para você, mas eu nunca fui ao baile. Você deve ter ficado confuso. Talvez o suco. - Eu não bebi o ponche - diz ele. - E você estava lá. - Elas são muito parecidas, meu Senhor - diz a Madrasta. - Eu posso dizer a diferença entre suas filhas, Senhora! - Ele dançou comigo - Koré diz suavemente. - Ele prometeu. - Sua voz é mármore sem vida, e eu percebo que ela não tem esperança de que este engano irá se solucionar, mas ela é como os guerreiros de antigamente: se ela não pode voltar da batalha carregando seu escudo em vitória, ela será carregada mortalmente de volta. - Ela me contou assim que cheguei em casa - digo - Você jurou por Zeus e Hera que se casaria...

- É o suficiente. - ele puxa-me para fora da sala, para o corredor. A porta bateu atrás de nós fechando-se, silenciando o uivo da Madrasta. - Meu Senhor - digo desesperadamente - Eu não deveria falar sozinha, sou apenas uma empregada, ela é sua noiva, beije ela... - Cale-se. - Ele agarra meus ombros. - Você pode parar de fingir. Ele ainda não está com raiva. Ele ainda acredita em mim. Minha garganta dói, mas eu sou demais hábil em não chorar. - Eu não estou fingindo - sussurro. - Maia - ele diz suavemente e com urgência. - Eu não sei o que elas fizeram com você, e como elas fizeram, mas acabou agora. Não temos que fazê-las aceitar nada. Acabou. Elas não terão mais o poder de machucar você. - Elas não me machucaram - digo pensativamente. - Mas elas disseram que fariam, se você não deixasse sua meiairmã se casar comigo. - Suas mãos apertam meus ombros. - Não entendes? Eu sou o herdeiro do duque. Elas não podem tocar em minha noiva. Saia dessas portas comigo e nunca mais você terá que ter medo novamente. Sempre terei medo, sempre terei medo. - Eu quero que você se case com ela - digo - Eu disse a você, mas você é tão estúpido que finalmente tive que mentir para você e fazê-lo me prometer. Ele fica parado. Suas mãos permanecem no meu ombro, mas eu posso sentir, o momento em que ele começa a desejar não ter me tocado. - Não - diz ele - Você me disse para prometer me casar com você. - A garota com a máscara! Não importa quem ela seja pela manhã! – desmorono. Se eu tiver que ser cruel com ele, seria tão horrível que ele nunca mais me veria ou se preocupararia em estar comigo novamente. - Você realmente pensou que eu tinha ido muitas vezes para o palácio para ouvir suas reclamações dia após dia apenas para que eu pudesse me casar com você? Você vê como sou quase uma escrava aqui. Koré me prometeu dinheiro e liberdade se eu conseguisse você para ela. Então volte para aquela sala,

mantenha sua promessa e faça todos nós felizes. Seu rosto está completamente sem expressão. Eu invoco o sorriso que uso para mim mãe. - Você não decidiu que se importa se as garotas que você beija seriam felizes ou não? Suas mãos caem dos meus ombros. - Estou começando a reconsiderar. - Sem raiva em sua voz e nada elegante, seu desinteresse defensivo também; apenas atordoado e vazia curiosidade. - Então não se importe - digo - Case com quem prometeu se casar. Ela é bonita e você não terá que mentir para ela. Ele me encara. - Não. O pânico pica meu peito. - Você deve… - Eu sou o filho do duque. Estou muito confiante de que posso fazer o que quiser. - Ele ainda está olhando para mim. - Se você não fizer isso - digo desesperadamente - Vou ter que contar sobre Lydia. Encolhe. Então ele diz baixinho: - Diga a elas - Ele se vira, o desinteresse de volta em sua voz, e eu sei que enfim matei completamente o que havia entre nós. - Eu estou indo para casa. Você e sua Senhora podem ficar aqui e apodrecer. Ou dê uma festa de chá. Eu realmente não me importo. - Você manterá sua promessa ou Zeus e Hera saberão que você é um quebrador de promessas. - Você se esquece, Senhora, que não é a única com inteligência. Ele não olha para mim. - Eu prometi que teria você ou ninguém, e depois desta manhã, eu escolho com prazer ninguém.

CAPÍTULO 9

Ele está seguro. É tudo o que importa. Eu digo a mim mesma que é tudo o que importa quando a raiva da Madrasta cai sobre mim, enquanto assola Koré, enquanto ela nos dá um tapa, nos sacode e nos arrasta escada abaixo para nos trancar no porão. Anax tem certeza, e não consigo parar de pensar em seus olhos e sua voz enquanto ele traiu, mas ele está seguro. Ele saiu de casa e nunca, jamais, voltará para lá. Dedos invisíveis acariciam meu cabelo. Eu me inclino para trás, enrolo meus lábios e sussurro: - Estou tão feliz por estar aqui, mãe. - O que? - diz Koré, e estremeço ao lembrar que ela está aqui comigo. Eu nunca estive trancada no porão com ninguém antes. - Eu disse que estou muito feliz por poder ficar aqui - digo a ela Converso com minha mãe toda vez que me sinto solitária. Não dizem que os mortos velam por nós? Koré olha por cima do meu ombro e então seus olhos encontram os meus. Eu posso ver que ela está adivinhando, e imprudentemente, eu continuo dizendo: - É por isso que estou sempre feliz. Porque ela está cuidando de mim. E eu sei que ela iria me querer feliz. O ar ao meu redor vibra com uma risada afetuosa sem dúvida. Os olhos de Koré se arregalam ligeiramente. Eu posso ver que ela está reunindo seus sorrisos e rumores de demônios e acerta a verdade, e eu sinto uma virada repentina com medo porque se ela entrar em pânico... Mas ela apenas balança a cabeça ligeiramente e endireita os ombros. Mesmo agachada no porão com um hematoma na bochecha, ela parece uma obra de arte: uma princesa de Tróia, talvez, de luto e toda majestosa entre as cinzas de seu povo. Pela primeira vez, não acredito que sua postura e beleza sejam mentiras. Viveu por anos entre os demônios e as cinzas do amor de sua mãe

sem chorar. Agora ela sabe sobre o fantasma da minha mãe e nem mesmo piscou. Na verdade, ela é tão corajosa quanto uma princesa. E merece muito mais que isso. - Sinto muito - digo - isso não funcionou. - Vou encontrar outra maneira de salvar Thea - diz Koré, e acredito nela. O ar ao meu redor ainda está frio e úmido. De repente eu percebo que minha mãe está preocupada; que pensa que fiquei frustrada, desapontada. O medo faz meu coração bater forte e minha voz tagarelar. - Mas foi muito divertido - digo alegremente. - Ver a Madrasta com raiva de uma coisa tão pequena. E então ela nos trancou aqui como se pensasse que eu não iria gostar. Isso me faz amá-la mais do que nunca. Koré encontra meus olhos. E então ela sorri, a imagem perfeita de uma garota doce com um segredo feliz. - Ela nunca entendeu como é doce e pacífico aqui em baixo - diz ela, na mesma voz elegante e modulada que usa para praticar a tomada de uma pequena conversa com os convidados que nunca chegam. Ninguém conspirou comigo antes, e é uma emoção quase tão deliciosamente inebriante como dizer a verdade. Eu nunca vou sair desta casa, eu nunca vou ser livre, e Anax vai me odiar para sempre. Mas meus olhos encontram os de Koré, por um momento nossos sorrisos são quase reais, e um traço de felicidade enrola em minha garganta. Trancado no subsolo, nossa única luz constante é o brilho fraco de uma lâmpada hermética, é difícil marcar a passagem do tempo. Mas tenho certeza que já se passaram horas antes de Thea bater na porta e dizer hesitante: - Koré? Estas aí? Koré, que se encostou sonolentamente contra a parede, ficou assustada na posição vertical. - Thea - diz ela, e pela primeira vez eu ouço a urgência dela em sua expressão calma.

- Eu... a mãe está trancada no quarto agora, ela está falando sozinha... Eu vou deixar você sair. - Não - diz Koré - Deixe isso pra lá. Estamos bem aqui e mamãe vai se acalmar em breve. Ela está parada perto da porta, sem tocá-la, mas sua cabeça se inclina um pouco por um desejo sem fim por sua irmã, e me pergunto como em todos esses anos eu nunca vi o cuidado desesperado em cada linha de seus movimentos. Eu vi que ela amava a Madrasta, tolamente e sem esperança, mas não pelo tanto que amava a irmã. - Eu nunca a vi assim - diz Thea. - Ela está sempre com raiva - diz Koré - e está sempre bem. - Ela não está mais com raiva - diz Thea. - Eu não acho que ela esta falando sozinha em si. Ela está... falando com o padrasto. - Eu ouço um suspiro de hesitação; ela está quase chorando. - Tenho medo. - Então vá para o seu quarto e feche a porta - diz Koré. - Você não percebe que é a favorito agora? - Há um tom irônico em sua voz. - Por favor, deixe-me tirar você daí - diz Thea. - Não - diz Koré. - Estou tomando chá com a Maia e não pode nos incomodar. Volte amanhã de manhã. Há uma pequena protuberância que tenho certeza de que é Thea encostando a testa na porta. - Maia? - Ela pergunta melancolicamente. - Posso tirar você daqui? E eu me pergunto o que está acontecendo com meu coração, porque ouço o desejo em sua voz e eu não a desprezo; em vez disso, penso na postura de Koré, a crueldade da Madrasta, e em meus próprios silêncios, e percebo há quanto tempo ela está esperando por alguém, qualquer um, se virar para ela e sorrir. - Eu direi a ela amanhã - E então todos nós tomaremos chá juntas no jardim. O olhar de Koré se ajusta a mim, mas ela apenas diz: - Sim. Agora

vá. Com um bufo e um suspiro, Thea sai. Koré fica parada olhando para mim. - Você sabe o que está fazendo? - pergunta. - Vou tomar chá no jardim - digo a ela. – A Madrasta não vai ficar brava com ela por isso. - Meia gentileza - ela diz categoricamente, - é pior do que nada. Eu sei que há anos Thea queria ser minha amiga, que a incomodava que ela apenas obedecesse às suas ordens. Mas agora eu percebo que poderia realmente ter de fato, dano. O ódio de Koré por mim pode ter mais de um motivo. Claro, isso não importa. Não quando é tão perigoso para alguém me amar. Koré, finalmente, entende o quanto. - Só vou servir o seu chá como uma irmã obediente - digo. - E, espero, dançar no seu casamento. - Se ela te amar mais - diz Koré - ela vai sentir muito a sua falta. - Ela vai ter você - digo a ela, e por causa do que foi acertado entre nós, vou ser gentil com Thea, mas não vou encorajá-la, e juntas Koré e eu vamos delinear uma maneira para que possamos escapar, e quando minhas irmãs adotivas se forem, elas nunca olharão para trás. Então vou ficar completamente sozinha, exceto por minha mãe e os demônios. É o final mais feliz que eu poderia desejar, e pensar nisso não me deixa mais feliz. Mas, por enquanto, Koré está sentada ao meu lado e se aconchegando no meu ombro a procura de calor. Por enquanto, existe a promessa de chá no jardim e meias maliciosas verdades compreendidas. Por enquanto, eu tenho irmãs, só um pouco, e isso é muito reconfortante enquanto adormeço. Os gritos nos acordam. Nos primeiros momentos, acho que é um sonho. Ninguém ficou

ferido em tanto tempo. Tenho sido tão cuidadosa. Mãe estou muito, muito feliz... Então eu percebo que Koré está de pé, se jogando contra a porta e isto é real. Os gritos de Thea são reais. É tarde demais. Ninguém jamais foi curado de ver um demônio, e enquanto eu acho isso, os gritos desaparecem. Se Thea tiver sorte, ela está morta agora. Mas Koré ainda está tentando arrombar a porta, e eu não consigo ficar parada e ver seu desespero. Juntas, nós empurramos até que o velho cadeado enferrujado ceda e nós tropecemos no corredor. Eu me encosto na parede, respirando pesadamente, mas Koré imediatamente caminha em direção às escadas. Ela só vai encontrar Thea morta ... ou pior, coçando o rosto enquanto seus olhos se fixam em silêncio, em agonia incessante. Deveria avisar, mas ela provavelmente sabe, e nada vai impedi-la de qualquer maneira. Eu estava feliz, eu acho. Sempre fui feliz com Thea. Como a mãe poderia ter se voltado contra ela? Talvez tenha sido um acidente. E não importa, porque só há um motivo para demônios na casa, e sou eu. Com dor de estômago, minha boca seca, eu cambaleio atrás de Koré. Eu a alcanço no segundo andar. A voz da Madrasta ecoa de seu quarto em um alto padrão, com um discurso lamentoso. Não parece que esta falando consigo mesma, e abrimos caminho juntas para a sala. - Koré - diz a Madrasta - talvez você possa fazer a menina ver a razão boba. Mas nenhuma de nós pode falar. Porque esta deitada enrolada aos pés da Madrasta. No corredor do palácio do duque havia um espelho, e eu peguei um olhar iluminado pelas velas enquanto caminhava para o baile. É como se aquele olhar caisse do espelho aos pés da Madrasta. Essas são minhas mãos

finas e rachadas; essas são as linhas nítidas em minhas clavículas. É assim que os demônios pentearam meu cabelo, domando a bagunça marrom ondulada em voltas e cachos; esse é o vestido dourado brilhante que eles teceram ao redor do meu corpo; essa é a fita vermelha da máscara que deu para amarrar no rosto. A garota levanta a cabeça, e esse é meu queixo pontudo, são meus lábios finos e pálidos. O sangue escorre pela lateral de seu rosto a partir da borda da máscara. - Koré - ela sussurra roucamente em minha voz. Mas a maneira como molda a palavra com desejo desesperado... É Thea. - A máscara está presa e não fica parada enquanto eu a quebro - diz a Madrasta. - Não houve muito dano. O sangue escorre do rosto de Thea para o chão. Uma gota. Dois. - Você negociou com Lorde Benevolent - diz Koré, na mesma voz culta e sem vida com o que ela diz: eu gosto do tempo ultimamente. - Agora ela é exatamente a mesma garota que era quando Lorde Anax se apaixonou - diz a Madrasta. - Ela não pode parar de gritar uma vez que máscara é removida, mas ele pode se casar com ela. Fiz tudo por ela e pela honra de nossa casa, mas é tão ingrata. Thea se encolhe para longe dela. Mas ela não corre, porque sabe que só traria a punição, e minha garganta se fecha de horror. Devíamos ter salvado ela antes de começar a tremer assim. Koré inclina a cabeça como se examinasse a sala de cada ângulo. Então ela segura meu braço, e antes que eu possa pegar meu equilibro para resistir, ela me empurra para o armário da Madrasta e acerta as portas, fechando-as atrás de mim. A trava clica. - Koré! - Eu grito com ela, mas minha voz é abafada pela dela, forte e terrível e linda. - Ó Príncipe do Ar e das Trevas! Ó enganoso solha de prata! Ó soft

Senhor de todas as Arcádias! Deixe-me fazer uma proposta. E ele está aí. Eu não vejo isso, a escuridão é absoluta ao meu redor, exceto por um lampejo de luz onde as portas se encontram, mas eu sei que está lá a propósito a forma como o ar aperta ao meu redor, a forma como o frio queima minha pele. - Não - diz Thea, - Koré, eu não... Ao mesmo tempo, a Madrasta começa: - O que você está fazendo, você...? - Silêncio - diz Lorde Benevolent. E há silêncio. Eu não posso mover minha língua, nem meus dedos, nem mudar a cabeça de onde ela se inclina contra a porta, porque seu poder me envolveu ao redor, de pé no meu lugar até Koré completar sua oferta. - Então - diz ele após um momento interminável. - Koré Alastorides. Você está pronta para ser filha da sua mãe? Sua voz não é um rugido aterrorizante, nem um sussurro arrepiante. É quente, salgado e doce, como manteiga, sangue e mel, e o riso estremece nas bordas de suas palavras. - Vamos parar de rodeios - diz Koré. Sua voz soa como uma estátua de mil anos, desgastada e cansada, mas ereta. - Eu quero que você apague o que minha mãe fez a Thea. - Você não ouviu as histórias? Nunca poderei desfazer um desejo. - Então - diz Koré - deixe-me roubá-lo. - Como você imagina que isso funcionará? - pergunta Lorde Benevolent. Há um breve silêncio. Eu sei o suficiente para esperar que seja porque Koré está reconsiderando. Ela já sabe como essa oferta vai funcionar. Tem visto sua mãe; ela me viu. Ela sabe o que está ligando sobre nós, mas ela está disposto a fazer de qualquer maneira. Sempre há alguém disposto a fazer isso. - Liberte Thea desta família. - A voz de Koré é baixa, deliberada. -

Deixe ela ir saudável e completamente sã, de modo que ela não possa ficar presa nesta casa de novo. E pelo seu preço, dê-me a máscara e o corpo que a Madrasta comprou para ela. Eu o vou usar até o fim dos meus dias. Lorde Benevolent ri baixinho. - Seu preço será a metade do mais alto desejo? Esse é um erro inteligente. Mas não é o suficiente. Se você quiser que eu conceda esse desejo, você deve pagar com a visão também. - Com prazer - diz Koré. - Então beije meu anel - diz Lorde Benevolent - e assim será. Eu ouço passos. Um sussurro de movimento. E então ele diz: Adeus, Koré Alastorides. O ar ao nosso redor suspira. Eu estremeço e grito quando meu corpo pode se mover novamente. Alguém cai no chão. Madrasta fala de novo, sua voz estridente discordantemente humana. - Feito? Há um pequeno ruído ofegante. Como se alguém estivesse sufocando com a sensação repentina de uma nova boca e garganta. Então ouço Thea dizer em sua voz verdadeira: - Quem... quem é você? Uma voz como a minha diz fracamente: - Sou eu. Koré. Sua irmã. - Eu não tenho uma irmã. Eu não... eu não tenho família. - A voz de Thea é alta e está entrando em pânico. - Onde estou? Quem é? Ele tirou suas memórias. Ele a libertou de nossa família. Minha garganta aperta quando abro a porta do armário. Não sei porque meu coração bate forte com esse sentimento horrível e triste. Thea se esqueceu de nós. Ela deixou seu desejo estúpido de ser amada, o desejo idiota que a manteve presa a nós. Eu deveria estar feliz. O trinco cede e eu caio do armário no chão. Thea está na porta brigando com a Madrasta; quando ela me vê, ela dá um gritinho e se liberta. Seus passos ecoam enquanto ela foge pelo corredor. A Madrasta cambaleia, depois se senta pesadamente para Koré,

que ainda está agachada no chão. - Ela não merecia a honra do nosso nome - diz ela, sua voz calma e viciosa. - Você nunca vai merecer isso. Muito menos aquela pirralha. - Ela me lança um olhar venenoso; então a mão desce para o ombro de Koré. - Mas você é fiel, minha querida. Você foi corajosa o suficiente para enfrentar o que o Senhor Anax quer. Você irá comigo para o palácio e... - Não. - Koré empurra a mão de sua mãe para o lado. Sua voz é baixa e monótona. - Eu não vou me casar com ele. - Você vai fazer o que eu digo, mocinha. - Thea não está mais aqui para salvar. - Os olhos de Koré estão escondidos pela máscara, mas posso ver a curva de sua boca em uma paródia de um sorriso impotente. - Eu não tenho que fazer nada. E eu percebo que o que ela quis dizer sobre não fazer mais nada, não inclui nem até mesmo ao vivo. Koré não é tão forte quanto eu. Eu sei disso, acho que sempre soube. Ela pode viver com dor, mas não sem esperança. Você não vai sobreviver a essa perda. A Madrasta agarra as laterais da máscara e joga Koré de joelhos, tirando um suspiro de dor de sua garganta. - Você é minha filha - diz ela. - Você está morta - diz Koré. Você morreu há sete anos como eu. Estou em silêncio. Eu sou papel de parede. Estou sorrindo. Eu sou exatamente a mesma que qualquer outro momento em que a Madrasta nos desafiou, mas eu sinto que sou feita de teias de aranha e louça quebrada. Porque eu me lembro de cruzar meus olhos com o de Koré no porão e a voz de Thea na porta, a promessa de chá no gramado, e só agora percebo que as amo. Agora que Thea se foi e Koré está morrendo, acho que sempre poderia tê-las amado e sempre quis que elas voltassem a mim. E agora é tarde demais. - Você morreu com muita coragem - sussurra Koré. - Sinto muito, mãe eu deveria ser presa, mas eu estava com medo. A Madrasta rosna e a puxa pela máscara; sangue pinga da costura

onde o carne se junta a ela, mas Koré não faz nenhum barulho, exceto pequenos suspiros. Eu não me movo, não posso. As palavras de Koré me envolveram, segurando-me tão rápido quanto o poder de Lorde Benevolent. As palavras que deveriam ter dito anos atrás, mas eu nunca fui forte o suficiente para dizer: Eu deveria ter parado você. Sinto muito. Esta morta. Minhas bochechas estão molhadas. Devo ser forte o suficiente. Eu sempre sou forte o suficiente. Mas agora as lágrimas correm pelo meu rosto, porque perdi Anax e minhas irmãs, porque eles sofreram muito por mim e nenhum deles precisava disso. Ninguém teve que sofrer com a loucura de minha mãe. Não se eu tivesse sido corajosa ou forte o suficiente para dizer o que Koré acabou de dizer. Por anos eu estive me machucando porque não tinha como fazer o espírito de minha mãe descansar. Porque seu dever de nunca me fazer feliz isso seria feito. E me aproximo da insanidade tentando proteger as pessoas dela. Mas nunca me permiti pensar que talvez devesse dizer a ela para descansar. Tal uma vez que ela deveria dizer a ela que seu dever havia acabado, que era hora de ela está morta. Eu tinha medo dela, mas também tinha medo de perdê-la, até os últimos restos desesperados dela. E agora eu estou chorando e aquelas lágrimas estão chamando demônios em minha família. Me levanto. Meu corpo parece entorpecido e vazio, mas não hesito. Eu pego o braço da Madrasta e puxou-a para suas costas; se afasta do lado de Koré e tropeça na parede perto da janela. - Você nos arruinou - ela rosna. - Com seu rosto astuto, fresco, como se fosse seu retrato de volta para a vida. Como ela poderia me amar? Como eu poderia amá-la? Com você lá para nos lembrar todos os dias que eu era a segunda melhor? - Sinto muito - digo a ela - Sinto muito. Por favor, saia de casa. Isso não é mais seguro. - Você gostaria disso, não é? Agora que estamos quebradas, você

nos expulsa, mas eu não vou ser uma mendiga. - Ela abre a janela. - Eu vou te mostrar como a Senhora desta casa pode morrer. - Mãe! - grita Koré. Corro para a Madrasta, mas é tarde demais: ela se joga pela janela, e eu só consigo chegar a tempo de ver seu corpo deitado nos paralelepípedos abaixo, sangue espirrado em volta de sua cabeça. Horror escava em minha garganta. Não posso duvidar agora. Eu agarro o braço de Koré e a puxo para cima. - Vamos - digo, e a carrego para fora da sala comigo. Ela tropeça e se agarra a mim: tem medo porque não consegue ver nada. Não gosto que ela esteja com medo. Mas nada importa agora, exceto mantê-la perto de mim, porque eu posso ver as sombras rastejando e se contorcendo nas bordas da minha visão, e se eu mantiver minha nova irmã gêmea perto o suficiente, talvez minha mãe e demônios vão se confundir por tempo suficiente. Batemos na cozinha. Eu encontro uma lata de óleo e um pacote de fósforos e então rastejo com Koré para fora dela, para o jardim. Em direção à macieira, cujas flores claras são mais brilhantes do que a lua deveria fazê-las, cujos ramos se projetam sombras mais escuras que a noite. É lindo, terrível e caseiro, e me deixo cair de joelhos entre raízes retorcidas. Ao meu lado, Koré cai de joelhos. - Mãe - sussurro - minha querida mãe, você cuidou tão bem de mim. Você tem me dado tudo que eu pedi. As folhas se movem ligeiramente enquanto ela se amontoa em volta de mim, acariciando minhas bochechas, meu pescoço, meus braços. Eu coloco a mão na casca áspera da árvore. - Por favor, só há mais uma coisa que eu quero. Eu o quero mais do que tudo neste mundo. E esta é minha última mentira. Porque agora eu percebo que quero que você fique comigo, ainda, sendo um fantasma cruel torcido e sem sentido. Eu queria isso, se não mais do que o mundo inteiro, mais do que a vida da

minha babá, do mordomo e da garçonete. Eu a amei mais do que Koré, Thea e a Madrasta. Ainda mais do que Anax. Mas agora é a hora de parar. - Por favor, morra - digo. Seu toque frio aperta. Meu coração bate de forma irregular na minha garganta, mas eu derramo minhas palavras como açúcar e creme - Você já está morta, mas trabalhou tanto e tão ansiosa por mim de qualquer maneira. Por favor, descanse. Por favor, deixe esta árvore e descanse para sempre. Eu espero. Por momentos de agonia, seu toque não se move; descanse frio e pesado como culpa em volta do meu pescoço. Então ela começa a me acariciar novamente, passa seus dedos desencarnados pelo meu cabelo como fazia quando eu era criança quando o desembaraçava antes de eu ir para a cama. Talvez você não consiga parar. Talvez você não possa me entender. Ou talvez minha verdadeira a mãe nunca esteve nesta árvore; talvez sua alma repouse no Elysee, e o que permanece nesta árvore não é nem mesmo seu fantasma, apenas um idiota de turbilhão de amor e proteção e meu, meu, meu. Os dedos de Koré apertam minha mão, humana e com o coração partido e quente. - Sinto muito - digo para aquela que era minha mãe. - Eu te amo. Meus dedos estão firmes enquanto eu despejo o óleo no tronco da árvore, enquanto risco um fósforo e jogo em direção a ela.

CAPÍTULO 10

O fogo ruge pelo tronco da árvore e pelos galhos, mais rápido ainda do que o óleo deve queimar. O calor atinge meu rosto e me arrasta de volta para Koré. Eu poderia correr, mas então eu vejo os demônios, e o terror deixa suas raízes em mim. Eles sangram das flores da macieira, pequenos tentáculos de sombra negra que se retorcem e ondulam pelo ar como a tinta cai na água. Minha mãe os governou e agora eles estão livres. Ainda não estou louca. Eu sei que é porque eles não olharam para trás ainda, mas eu posso sentir sua atenção voltada para mim. Eu caio no chão, segurando Koré debaixo de mim; ela luta e eu assobio. - Não se mova. Eu pressiono minha mão em seu rosto, sentindo a máscara, e lembro que ela está segura, não pode ver. Eu aperto meus olhos fechados e pressiono meu rosto em seu ombro e espero. Sua atenção se arrasta sobre minhas costas e ombros, congelada e lotada, enquanto como os pés de mil ratos, como uma gota de um oceano de ódio estrangeiro. De repente, eu imagino, de repente eu sei que além da cúpula do pergaminho do céu aguarda um abismo de demônios, e meu corpo treme enquanto eu me pergunto se o céu vai rasgar como papel molhado e deixá-los fluir por ele. Mãe, eu quero ligar, mãe me salve, mas minha mãe morreu duas vezes e não pode me proteger mais. Lágrimas escorrem dos meus olhos, lágrimas geladas que não pertencem a mim, e eu sei que embora eu não veja demônios, sua constante e rápida a presença em breve irá atravessar as últimas paredes da minha mente. Abaixo de mim, Koré estremece e suas mãos apertam meus braços, eu mordo minhas unhas fundo o suficiente para tirar sangue, que ainda não ficou frio. Ela está desesperada, humana e minha, e na loucura que nos cerca, que é a ponto único. Mas não é o suficiente. Não é suficiente. E então algo se espalha sobre mim, como um cobertor macio ou um

silêncio. Eu posso dizer que os demônios ainda estão em algum lugar perto, mas não mais. Eles estão coçando minha mente. Talvez eles tenham mudado sua atenção. Talvez os últimos restos do fantasma da minha mãe estão inclinados sobre mim enquanto eu me aconchego em cima de Koré em desespero, proteção incompleta. Seja o que for, é o suficiente. O pânico percorre meu corpo, sinto Koré se soltar debaixo de mim. Do que parece ser uma distância muito longa, ouço acidentes e rugido das chamas. Mas estamos seguras, e nos braços uma da outra ficamos adormecidas. Eu acordo com frio e rígida. É a hora fria e cinzenta antes do amanhecer. As aves começam a cantar; o cheiro de fumaça está pesado no ar. Em algum ponto durante à noite, saí de Koré; ela está ao meu lado agora, suas cintilantes saias douradas espalhadas pelo gramado, sua máscara de ouro brilhando levemente na luz difusa. Eu me sento e recupero o fôlego. Toda a casa é uma ruína fumegante. O teto desabou; vigas e janelas quebradas se destacam nuas contra o céu pálido. Viro para o outro lado e vejo a árvore da minha mãe também destruída: o tronco ainda está em pé, embora carbonizado preto, mas apenas algumas cepas torcidas sobreviveram de seus ramos. Eu ouço um passo atrás de mim. - Bom dia, Maia Alastorides - diz Lorde Benevolent. O medo passa pelo meu corpo, deixando minhas costas retas. - Bom dia - digo sem fôlego. Eu não olho para trás. Ele ri baixinho. - Eu não sou esse tipo de demônio. Você pode olhar para mim e não ficar louca. - Considerando o passado de minha família, não tenho tanta certeza disso. - É verdade, eles fizeram algumas ofertas muito interessantes. Você gostaria de ver se você pode fazer melhor?

Parece que somos todas borboletas fascinantes colocadas em cartões para a sua diversão. Certamente, para o príncipe dos demônios, isso é tudo que a vida humana poderia ser. - É por isso que você veio aqui? - pergunto - Para nos recompor? - Não - diz - A morte final de sua mãe revelou os demônios que tinha colocado sob seus cuidados. Eles são o que eu vim coletar. Mas eu sempre tenho ouvidos para os necessitados. Diga-me, Maia Alastorides. Não há algo que você queira mais do que tudo no mundo? Minha garganta se fecha de angústia e acho que finalmente entendi minha mãe. Por quê tem coisas que eu quero tanto: eu quero encontrar Thea, para onde quer que ela tenha fugido, e devolver-lhe a irmã que ela sempre adorou. Eu quero curar a visão de Koré e retirar a máscara e sua falsa forma, para que ela possa passar um dia em liberdade. Eu quero, eu quero muito desfazer o dano que fiz a Anax e curar a amargura que foi infectada em seu coração por anos. Minha mãe sabia que desejos sempre são comprados com dor. Ela pensou nisso eu poderia me proteger do preço, mas estava errada. Talvez eu pudesse fazer melhor. Talvez eu pudesse trabalhar meu acordo com cuidado o suficiente para que ninguém que eu amo pagasse. Mas alguém faria. E eu sei uma coisa que minha mãe nunca fez. Eu sei o que é isso viver cada dia e cada hora pelos frutos de algum outro desgraçado. Para ver as pessoas sofrerem e saberem: Eles sofrem porque eu sou amada. Eu não faria isso com aqueles que amo. Por nada no mundo inteiro. - Há muitas coisas que eu quero - digo baixinho e deliberadamente. Mas acho que vou manter o que tenho. E ele se foi. Sento-me em um relaxamento repentino do ar. Eu soltei um grande suspiro e fico de pé rigidamente. Koré ainda está dormindo; vou ter que acordá-la logo, e então... Então teremos que encontrar nosso caminho no mundo sem família, sem dinheiro, sem ajuda. Tento imaginar os dias que virão, e não é o medo da ruína que faz meu peito doer; é o medo do vazio inimaginável com todas as

partes familiarizado com a vida que se foi. Nunca pensei que a liberdade fosse tão parecida com a pena. E é quando vejo Anax andando pela lateral da casa. Ele está pálido e um pouco instável em seus pés; quando ele me vê, ele fica por um momento convencido de que sou real. - Maia - diz ele, e então nós dois corremos um para o outro, e por mais um momento estou em seus braços. Está me apertando tanto que mal consigo respirar, mas não importa, porque ele voltou, ele não me odeia, e ele está sussurrando coisas com certeza, desculpe e querida no meu cabelo. - Está bem? - Ele pergunta quando finalmente me deixa ir. - Voltei, vi a casa. Pensei que você estava morta. Ele não está mais me segurando contra seu peito, mas ele tem uma mão na minha cintura e outra segurando meu queixo, e estou segurando seus braços em troca. Não tenho certeza de que nunca vou conseguir deixar isso para trás novamente. - Estou bem - digo a ele. - De verdade. E pela primeira vez, essas palavras são verdadeiras. - Eu encontrei sua irmã - diz ele. - Ela estava vagando pelas ruas. Nem se quer eu sabia o nome dela. Se eu não a tivesse encontrado no baile... Estremeço de medo e alívio ao mesmo tempo. Se ele não se lembrasse daquela breve introdução, ele não teria sabido sobre ela, e ela ainda estaria vagando. Poderia ter a perdido para sempre. - Obrigada - sussurro. - Eu a levei para o palácio. Ela não está machucada de qualquer forma, mas ela não pode me dizer o que aconteceu, e quando voltei, a casa estava pegando fogo. Ninguém poderia chegar perto. Pensei que você estava morta. - Eu menti - deixo escapar. - Quando eu disse que não te amo. Sinto muito. - Eu sei - diz ele. - Eu sabia. Levei dois minutos para pensar sobre isso. Fui pelo mesmo caminho de volta para sua casa quando encontrei Thea.

Eu ia sentar na porta do hotel e esperar quanto tempo iria demorar para você me dizer a verdade. E eu ia te dizer o quanto eu senti por tudo que eu disse... Me deixo ser carregada pelos braços dele, para poder pegá-lo pelo pescoço e puxá-lo para um beijo. - Esse é o seu castigo - digo a ele quando nossos lábios finalmente se separam. - Você tem que me deixar beijar você o quanto eu quiser. Sério. - Isso significa que você decidiu se casar comigo? - Sim - digo, e leva um tempo antes de falarmos novamente. Finalmente o pego pela mão e o trago de volta para a macieira destruída. - Eu preciso que você conheça minha outra irmã, - digo a ele. Corretamente, desta vez. Eu a amo muito e você vai me ajudar a cuidar dela. - Se ela pode fazer você admitir que a ama - diz ele - deve ser muito... Então ele vai até Koré e para. - Você sabe - diz ele após um momento - que sua casa fica mais estranha a cada vez que eu a visito? Eu rio com a voz trêmula. - Você não ouviu a metade. Mas agora posso te dizer. Agora posso falar com ele dia após dia e não ter medo. Posso falar sobre todos, se quiser. E cada palavra que eu disser será verdadeira.

FIM

SOBRE A AUTORA

Quando seu irmão mais velho tinha treze anos, ele começou um clube de escrita com seus amigos e não queria deixá-la entrar porque ela tinha apenas oito anos. Ela logo jurou que iria torna-se uma escritora e ele iria se arrepender. Ele ainda não se arrependeu. Mas em 2014 seu primeiro romance foi publicado com Harper Collins, então tudo deu certo. Alguns fatos sobre ela: Pratica Shorinji Kempo, uma arte marcial japonesa baseada no Shaolin Kung Fu. Ela obteve um BA em Inglês pela University of Dallas e um M. ST. em inglês Medieval em Oxford. Ela obviamente se mudou para Seattle e conseguiu um emprego com computadores. Ela adora mitologia, Hello Kitty e poesia de TS Eliot. Seu romance de estreia foi Beleza Cruel.
SÉRIE CRUEL BELEZA #2 - GILDED ASHES – ROSAMUND HODGE (traduzido)

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