MODULO 05 PENAL GERAL

39 Pages • 7,950 Words • PDF • 1.3 MB
Uploaded at 2021-09-24 13:09

This document was submitted by our user and they confirm that they have the consent to share it. Assuming that you are writer or own the copyright of this document, report to us by using this DMCA report button.


PARTE GERAL - MÓDULO 05 DIREITO PENAL PARA DELEGADO DE POLÍCIA - 2017 Professor e Delegado: Lúcio Valente

Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

MÓDULO 05 – DIREITO PENAL – DELEGADO DE POLÍCIA

SUMÁRIO

PÁGINA

Apresentação da aula

02

I – FATO TÍPICO - TIPICIDADE (ADEQUAÇÃO

04

TÍPICA) II - EVOLUÇÃO DOGMÁTICA DO TIPO PENAL

13

III – TIPICIDADE CONGLOBANTE (ZAFFARONI)

17

IV – DA ANTINORMATIVIDADE

31

RESUMO

35

QUESTÕES

36

ATENÇÃO: este curso é protegido por direitos autorais (copyright), nos termos da Lei 9.610/98, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências.

2 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

MÓDULO 05: Fato Típico. Tipicidade. O Tipo Penal. Adequação Típica. Adequação típica na prática do Delegado de Polícia. Tipicidade Conglobante. Tipicidade Material na prática do Delegado de Polícia e o Princípio da Insignificância na atividade policial.

3 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

FATO TÍPICO TIPICIDADE (ADEQUAÇÃO TÍPICA) Depois de estudarmos a conduta (ação, omissão, dolo e culpa), o resultado (material, formal e mera conduta), o nexo causal (conditio sine qua non), chegamos ao Fato Típico. O estudo do fato típico só se completa com este último elemento (a tipicidade). A divisão é apenas didática porque não podemos conceber ação dolosa de fato atípico. Não existe dolo de fazer sexo (fato, em regra, atípico e muito prazeroso). No entanto, existe dolo no ato de fazer sexo com uma criança de 11 anos, por exemplo. Ninguém chega em casa e diz: -amor, hoje estou com dolo de comer um bife com cebola. Enfim, não existe dolo senão voltado para um fato típico. Em suma, somente podemos falar em ação, omissão, dolo, culpa, nexo causal etc. de algo típico (previsto na lei como um tipo penal). A divisão, no entanto, tem fins didáticos e práticos, como você está percebendo. Tomando, ainda, o exemplo do dolo, pense nas seguintes situações: 1ª) Estou com vontade de fazer algo atípico: não se fala em dolo, pois todo dolo (ou culpa) devem ser típicos. 2ª) Estou com vontade de fazer algo atípico, mas não enxergava que havia tipicidade (ex.: quero fazer sexo com uma mulher, mas não enxergo que ela tem 13 anos): erro sobre o elemento “consciência” do dolo (lembre-se: o dolo é consciência + vontade de realizar o tipo). Erro de tipo, portanto. Fato atípico por ausência de dolo. 3º) Estou com vontade de fazer algo que é atípico, mas acredito que seja típico (ex.: quero manter relações sexuais com minha irmã adulta e mentalmente sã, que acredito

4 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05 que seja um fato típico de incesto). Fato também atípico, no que a doutrina costumou chamar de “delito putativo”. Ou seja, as formas de análise da adequação típica passam sempre pela existência ou não do preenchimento do tipo penal. O estudo do tipo penal é, portanto, a base do princípio da legalidade. Quero dizer que o princípio da legalidade tem sua expressão concreta na criação e obediência aos tipos penais, desde sua criação até a sua aplicação. Não há crime sem lei anterior que a defina, não há crime sem anterior tipo penal. Simples assim.

O QUE É TIPO PENAL? Se essa perguntada lhe fosse lançada em uma prova oral, o que você responderia? Examinador: o que é tipo penal? Você: É um modelo de conduta descrita pela lei penal, Excelência. Examinador: que tipo de conduta? Em regra, Excelência, falamos de condutas proibidas, representadas pelos tipos penais proibitivos (ex.: art. 121, matar alguém). Entretanto, há tipos penais de que descrevem situações: a) Permitidas: nomeadas de tipos penais permissivos (ex.: art. 24, 25 e 128 do CPB) b) Explicativas: nomeadas de tipos penais explicativos (ex.: art. 327 do CPB) Quando um leigo lê a descrição “matar alguém” ele enxerga apenas a letra da lei. Nós, no entanto, devemos enxergar a expressão concreta do limite da legalidade penal. Devemos enxergar que aquela descrição é representativa de força jurídica, conforme

5 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05 iremos estudar. A criação do tipo penal por Beling representa um salto evolutivo no nosso Direito Penal. É o reconhecimento do princípio da legalidade, insisto, como a pedra de toque de toda a responsabilidade criminal.

TIPO PENAL E ADEQUAÇÃO TÍPICA Matar alguém” é crime? Não. “Matar alguém” é um modelo de conduta proibida pela lei. É um tipo penal. Veja: O art. 121 do CPB estabelece o seguinte: MODELO DE CONDUTA PROIBIDA: matar alguém. PUNIÇÃO: pena de 6 a 20 anos. A norma do art. 121 só ganhará força, quando determinada pessoa resolver tirar a vida de outra. Neste caso, a conduta humana se adequou perfeitamente ao modelo de conduta proibida estabelecida previamente. É o fenômeno da tipicidade (ou adequação típica). O fenômeno jurídico denominado tipicidade (ou adequação típica), então, é a relação de adequação de uma conduta humana a um modelo previamente estabelecido pela lei penal. Funciona da mesma forma que aqueles cubos pedagógicos com figuras geométricas que damos às crianças para seu desenvolvimento intelectual. Imagine que o cubo seja a norma penal e que os espaços para encaixe das peças existentes nesse cubo sejam os tipos penais (modelos) existentes na lei (no cubo). Existem as peças geométricas

6 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05 (quadrado, triangulo, estrela etc.), sendo essas as condutas humanas. Toda vez que a criança consegue encaixar corretamente a peça (a conduta) no modelo apresentado, pode-se dizer que houve uma adequação da peça ao modelo existente no cubo. Da mesma forma, as leis penais possuem modelos (matar alguém). A conduta humana de “matar alguém” encontra adequação neste modelo, gerando a tipicidade. Imagine a situação em que um pai surpreenda seu filho de três anos como dedo no nariz. Seria razoável que esse pai desferisse um tapa na mão do garoto como punição pelo ato? Claro que não. A violência nunca é válida, mas se o pai quisesse estabelecer uma regra de conduta para seu filho poderia dizer assim: -Filho, papai não gosta que você coloque o dedo no nariz! Então, se você fizer isso novamente, não vou deixá-lo jogar videogame. Observe que o pai estabeleceu um modelo de conduta proibida (colocar o dedo no nariz), e atribui uma punição para a realização desse modelo. MODELO DE CONDUTA PROIBIDA: colocar o dedo no nariz. PUNIÇÃO: ficar sem videogame por uma semana. Esse pai pode ir aumentando a punição na medida em que a conduta for ficando mais grave, quer ver? MODELO DE CONDUTA PROIBIDA: colocar o dedo no nariz e colar a meleca no sofá. Crime qualificado (hehe!) PUNIÇÃO: duas semanas sem videogame. Ou mais ainda.

7 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05 MODELO DE CONDUTA PROIBIDA: tirar meleca do nariz e dar para o cachorro. Crime hediondo (hehe!). PUNIÇÃO: a infância toda sem videogame. Bom, brincadeiras à parte, a Direito Penal se utiliza do mesmo recurso utilizado pelo pai acima. Veja que, primeiramente, foi estabelecido um modelo de conduta proibida e a ela atribuída uma sanção. Veja que a norma vem antes da conduta real. É o princípio da legalidade: não há crime sem lei anterior que o define, nem pena sem prévia cominação legal. A partir de agora, vamos chamar o modelo de tipo penal. Questão Potencial de Prova O tipo penal é a expressão do princípio da legalidade no Direito Penal. 1

ADEQUAÇÃO TÍPICA INDIRETA OU MEDIATA (AMPLIAÇÃO TÍPICA) Em uma determinada situação, policiais faziam trabalho de vigilância em um ponto de tráfico de drogas de Brasília. Esse trabalho consistia, basicamente, na filmagem das atividades de traficância, podendo-se, posteriormente, individualizar corretamente as condutas. Enquanto os policiais realizavam a campana, notaram um desentendimento entre dois sujeitos, que lhes pareceu séria, pois ambos eram identificados como traficantes de CRACK. Repentinamente, um dos homens tira das calças uma faca e passa para um intermediário, que desfere um golpe no desafeto, tendo este corrido alguns metros,

1

Gabarito: correto.

8 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05 mas caído morto logo em seguida. Percebendo a gravidade dos fatos, os policiais decidem intervir, mas não a tempo de evitar a morte da vítima. Se você, como Delegado de Polícia, avaliasse a situação, como realizaria a adequação típica? Nesse caso, se tentarmos adequar a conduta do sujeito que empresta a faca ao tipo do art. 121, teríamos alguma dificuldade. Sim, porque o tipo descreve “matar alguém”. Só que o sujeito não “matou”, ele “emprestou a faca para matar”. Em respeito ao princípio da legalidade, não podemos considerar as duas coisas como semelhantes. São coisas diferentes: matar e ajudar a matar.

Pois bem. A isso se dá o nome de adequação típica mediata ou indireta. Leia-se

mediata,

pois

a

adequação

não

ocorre

imediatamente,

mas

MEDIATAMENTE, através de um tipo de extensão. A adequação típica pode se dar, portanto, com a relação da conduta a apenas um tipo penal. Neste caso, estaremos falando de adequação típica direta ou imediata. Pode ocorrer de termos que nos socorrer de mais de um tipo penal para perfeitamente adequarmos o comportamento ao modelo de conduta proibida. No exemplo mencionado acima, se quisermos adequar a conduta de quem emprestou a faca, precisaremos fazer a seguinte equação: matar + ajudar = ajudar a matar. Tecnicamente, isso ficaria assim: art. 121 c/c art. 29, ambos do CPB.

9 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

Outro exemplo: se o agente, mediante grave ameaça, subtrai bens da vítima, estaremos falando de roubo consumado, que exige apenas um tipo penal (básico e/ou derivado). Agora, caso o agente não consiga subtrair a res, pelo fato de a vítima estar armada, teremos que nos socorrer do art. 14, inciso II do CPB, uma vez que não existe imediatamente um tipo descrevendo a conduta de “tentar roubar”. Exige-se, assim, a combinação do tipo do art. 157 com o art. 14, II do CPB, que geraria o que a doutrina denomina de adequação típica indireta ou mediata. Veja, por exemplo, o que ocorre na situação daquele que efetua disparos contra a vítima com animus necandi (dolo de matar), mas não obtém sucesso na empreitada. Se tomarmos o modelo do art. 121 do CPB (“matar alguém) não haverá encaixe perfeito da conduta a esse molde. Como assim?

Observe: MODELO: matar alguém (art. 121 do CPB). CONDUTA:(tentar) matar alguém. Viu como a conduta não encontra adequação ao modelo? Pois então. Quando isso ocorre, devemos nos socorrer a um tipo que incremente o tipo básico. Leiase necessitaremos de um tipo que estenda a aplicação do tipo básico. O modelo diz “matar” e não “tentar matar”. Qual a saída então? No caso apresentado, podemos pedir auxílio de outro tipo penal. Aquele justamente que trata da tentativa. Quer ver? Observe:

10 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

MODELO: “matar” alguém (art. 121 do CPB) + Tentativa (art. 14, II, do CPB). CONDUTA: tentar matar alguém. O mesmo raciocínio pode ser aplicado nos crimes omissivos impróprios. O art. 13, § 2º (que descreve os garantes) também funciona como um tipo de extensão. Observe MODELO: “matar” alguém (art. 121 do CPB) CONDUTA: mãe não alimenta o infante e o mata. ADEQUAÇÃO: art. 121 c/c art. 13, § 2º.

Questão Potencial de Prova A adequação típica mediata amplia a esfera de punição do Direito Penal.2 Como esse tema já foi cobrado A adequação típica de um crime tentado é de subordinação mediata, ampliada ou por extensão, já que a conduta humana não se enquadra prontamente na lei penal incriminadora, reclamando-se, para complementar a tipicidade, a

2

Gabarito: correto. Ao criar tipos de extens!ão, o Direito Penal amplia sua esfera de atuação, pois passa a punir situações não previstas pelo tipo (ex.: tentativa, concurso de pessoas etc.).

11 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

interposição

do

dispositivo

contido

no

art.

14,

II,

do

Código

Penal

(Juiz/TRT16/2011).3

O TIPO PENAL TEM APENAS A FUNÇÃO DE FUNDAMENTAR O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE? Essa é sua função principal. Mas a moderna concepção do tipo penal vai bem mais além. Vejamos: a) Função limitadora e individualizadora (função de garantia): é a que já venho explicando, representada pelo princípio da legalidade. O tipo penal deve ser, primeiramente, um limite à arbitrariedade do juiz, representando a expressão individual (no sentido de específica) de uma conduta humana, não se podendo ampliá-la para além da descrição legal, salvo em favor do agente. É o que Roxin denomina de tipo de garantia. b) Função indiciária: quando eu digo que José matou João, qual é a suma primeira impressão? Em geral, pensamos em algo ruim. Matar é algo ruim. E se eu te digo que José matou João enquanto este tentava desferir uma facada mortífera em Pedro (legítima defesa de terceiro). Agora, você mudou seu ponto de vista em relação à conduta de José. Na função indiciária do tipo (Mayer), denominada de ratio cognoscendi, o tipo tem a função de indicar a ilicitude (em geral, matar é algo ilícito, mas nem sempre). É como se disséssemos: “onde há fumaça, provavelmente há fogo”. Essa é a teoria adotada por 95% dos finalistas, mas existem outras concepções do tipo, que vou falar rapidamente, pois só preciso que você saiba que elas existem. Para a teoria indiciária, a tipicidade gera uma presunção relativa (iuris tantum) da ilicitude.

3

Gabarito: correto.

12 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05 Como esse tema já foi cobrado Tipicidade, para a teoria indiciária, é uma presunção iuris et iuris da normatividade da licitude (Juiz/TJRS/2016).4 c) Função diferenciadora do erro: o tipo penal serve para avaliarmos a diferença entre erro de tipo e erro de proibição. Para tanto, temos duas teorias: a teoria limitada da culpabilidade e a teoria extremada da culpabilidade. Vamos ter uma aula específica sobre isso. Então, vamos caminhando.

4

Gabarito: errado.

13 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

II EVOLUÇÃO DOGMÁTICA DO TIPO PENAL

Bom, vimos que os finalistas, em massiva maioria, adotam a teoria da RATIO COGNOSCENDI, conforme mencionei acima. Entretanto, é muito importante aprofundarmos o assunto das funções do tipo penal dentro de sua evolução dogmática. Doutrinariamente, a evolução dogmática do tipo passa pelas seguintes fases:

1ª FASE: Teoria Clássica, Causal Naturalista de Liszt e Beling – início do século XX Em 1906, Ernst Von Beling enuncia a sua teoria do tipo penal, onde distinguia dentro do injusto objetivo a tipicidade da antijuridicidade. A tipicidade era entendida como proibição da causação do resultado e a antijuridicidade como a contradição entre a causação do resultado e a ordem jurídica por falta de justificantes (excludentes). O termo utilizado por Beling foi TATBESTAND. Antes de Beling, esse termo era utilizado como uma tradução da expressão latina CORPUS DELICTI, que representaria a materialidade total do crime. Na Itália, o termo TATBESTAND foi traduzido como FATTISPECIE. Na língua portuguesa ficou como TIPO PENAL.

14 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

E o que seria o TATBESTANDO (FATTISPECIE OU TIPO PENAL) de Beling? Ele concebia o tipo penal como a descrição legal do crime. Beling distinguia que a descrição legal do crime é algo separado da ilicitude. Foi o primeiro passo dentro da evolução do estudo do tipo. Como os causalistas da Teoria Clássica entendem a relação entre Fato Típico e Antijuridicidade?

Para a Teoria Causal-Naturalista o tipo era pura descrição objetiva do delito e nada indicava sobre a ilicitude (Teoria Acromática do tipo). Esta, a ilicitude, tinha caráter objetivo-normativo, ou seja, a antijuridicidade seria uma simples valoração negativa ou um juízo de desvalor. Essa análise é meramente objetiva, recaindo apenas nos resultados externos negativos e indesejáveis. Beling foi o primeiro a entender que o fato típico era algo separado da ilicitude.

2ª FASE: Teoria Neoclássica (Neokantista) – Mezger e Frank Os penalistas neokantistas se dividiram em três posições no que diz respeito à relação entre tipicidade e antijuridicidade: 1ª Posição – A Ratio Cognoscendi O tipo passa a ser entendido como indício ou RATIO COGNOSCENDI da antijuridicidade. Essa era a posição de Mayer. É como se dissesse: “Onde há fumaça, PODE haver fogo!”.

15 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

É a teoria que prevalece até os dias atuais, inclusive pelos finalistas. 2ª posição – A Teoria dos Elementos Negativos do Tipo Penal (Tipo Total do Injusto) Merkel e Frank defendiam um tipo total do injusto (Teoria dos Elementos Negativos do Tipo), concebendo as causas de justificação como características negativas do tipo. Nessa concepção, matar alguém em legítima defesa, por exemplo, seria um fato atípico, vez que a o tipo continha a antijuridicidade. O crime seria fato antijuridicamente típico e culpável. É como se dissesse: “Onde há fumaça, há fogo!”. Esse entendimento foi concebido para corrigir uma lacuna do Código Penal Alemão, que previa o denominado erro de fato (hoje denominado erro de tipo), mas não tratava do erro de fato sobre as descriminantes putativas (imaginárias). Entenda-se: os alemães não conseguiam explicar a situação em que alguém, vendo um inimigo que lhe ameaçara puxar algo da cintura, adianta-se e dispara contra ele, percebendo em seguida que o inimigo trazia uma carta de desculpas sob as vestes (legítima defesa putativa por erro de fato, hoje erro de tipo). Também, não achavam solução para a conduta do pai que mata o estuprador da filha por acreditar que age na legítima defesa da honra (legítima defesa putativa por erro de direito, hoje erro de proibição). Corrigiram esse problema com a Teoria dos Elementos Negativos do Tipo. Concepção muito próxima da exposta pela Teoria Negativa do Tipo é a moderna TEORIA DA TIPICIDADE CONGLOBANTE, que veremos mais a frente. O ponto

16 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

em comum que há entre essas teorias dá-se pelo fato de ambas analisarem excludentes de ilicitude no âmbito do tipo. Vamos ao exemplo: O médico que realiza cirurgia cardíaca em paciente pratica, em tese, o tipo de lesão corporal, mas está acobertado pela excludente do Estado de Necessidade ou Exercício Regular do Direito, conforme o caso. Leia-se, o fato é TIPICO, mas não ILÍCITO. A Teoria dos Elementos Negativos afirma ser a conduta do médico atípica. A explicação é que MERKEL via no tipo uma análise positiva – adequação da conduta ao modelo estipulado pela lei penal -, e outra análise negativa – verificação de excludentes da ilicitude. A antijuridicidade, portanto, seria a parte negativa do tipo penal. O crime seria o fato tipicamente antijurídico e culpável. A Teoria da Tipicidade Conglobante, em um dos seus aspectos5, conforme veremos, tem a mesma ideia da Teoria Negativa, com a diferença de que aquela mantém o estudo separado da ilicitude quase que somente nos casos de legítima defesa e estado de necessidade. A exercício regular do direito e o estrito cumprimento de um dever legal estão inseridos no tipo. Para Zaffaroni, idealizador da Tipicidade Conglobante, o Direito não pode proibir uma conduta e, ao mesmo passo, estimulá-la ou permiti-la. Hoje, penalistas do porte de Miguel Reale Júnior ainda defendem a Teoria dos Elementos Negativos, mas com adaptações à teoria finalista.

5

Estudaremos que Zaffaroni tem um conceito mais amplo do tipo penal do que os primeiros finalistas. Para ele o tipo penal deve ser também material

(causar lesão significante ao bem tutelado) e não pode ser fomentado ou autorizado pelo direito, o que geraria, em suas palavras, uma espécie de “antinormatividade”. Neste segundo parâmetro é que se encaixa o exemplo do médico que realiza uma cirurgia.

17 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

A crítica feita pelos autores modernos é que a teoria dos elementos negativos equipara a figura de matar uma barata e a de matar alguém em legítima defesa, ambos seriam atípicos. Fato é que no Código Penal Brasileiro existem resquícios da Teoria dos Elementos Negativos como ocorre em seu Art. 154, que protege a revelação de segredo profissional, dizendo: “Revelar alguém, SEM JUSTA CAUSA, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”. 3ª Posição – A Ratio Essendi Já a teoria da ratio essendi desenvolvida por Mezger-Sauer (1931) enfrenta a tipicidade e a ilicitude como integrantes de uma mesma realidade, na qual a primeira é a ratio essendi (fundamento) da segunda, dispostas em uma relação de implicação natural donde se extrai a identidade comum entre tais elementos descritivos do crime. Ao contrário da Teoria dos Elementos Negativos, a teoria de Mezger vê a tipicidade dentro da ilicitude. O tipo seria apenas uma parte de ilicitude. Resumindo, na teoria dos elementos negativos a antijuridicidade está dentro do tipo (tipo contém a ilicitude), na teoria da ratio essendi, o tipo estaria dentro da antijuridicidade (a ilicitude é o próprio tipo). As diferenças são apenas teóricas, pois o resultado prático parece ser o mesmo.

III TIPICIDADE CONGLOBANTE (ZAFFARONI) O estudo da tipicidade, durante muito tempo, se restringiu ao que falamos até aqui. Os penalistas clássicos se contentavam com uma análise de adequação típica meramente

formal.

“Formal”

no

sentido

18 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

que

se

analisava

objetivamente,

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05 formalmente, se a conduta se encaixava no modelo (tipo penal). Ocorre que, modernamente, os penalistas criaram outros critérios para a adequação típica. Pense, por exemplo, na situação em que alguém entra em um hipermercado, abre uma balinha e a come sem pagá-la no caixa. Formalmente, objetivamente, houve uma conduta que se adequou ao modelo previsto no art. 155 do CPB (subtrair coisa alheia móvel para si ou para outrem). Para os penalistas clássicos essa adequação formal já seria suficiente para se determinar que aquele sujeito praticou um fato típico de furto. Contudo, pense comigo! Você acha que o patrimônio do hipermercado foi sequer arranhado por essa conduta? Claro que não! Como o Direito Penal está regido por princípios como o da intervenção mínima e da fragmentariedade6, não tem sentido invocar sua força para intervir em situação tão insignificante. A partir desse raciocínio, nasce uma teoria que ganhou muita força na doutrina e na jurisprudência. Trata-se do Princípio da Insignificância. Para entender o supracitado princípio, devemos entender a teoria na qual ele está inserido, pelo menos na forma como foi adotado no Brasil. A teoria busca analisar a tipicidade conglobadamente (teoria da tipicidade conglobante). Para Zaffaroni, a Tipicidade Penal deve ser analisada nos seguintes aspectos:

Princípio da Intervenção Mínima – o Direito Penal deve proteger somente os bens jurídicos mais importantes. Assim, deve ser invocado apenas quando a intervenção de outros ramos do direito não for suficiente para o controle social. O Direito Penal é a ultima ratio do legislador para a soluções dos conflitos. A Lei Penal é enfraquecida todas as vezes em que é chamado a intervir em situações em que os Direitos Civil, comercial, administrativo, por exemplo, poderiam trazer solução satisfativa. 6

Princípio da Fragmentariedade – como consequência da aplicação do princípio da intervenção mínima, o Direito Penal representará apenas um fragmento na tutela de bens jurídicos. O Direito Penal protege apenas bens específicos e, em uma análise a posteriori, acaba representando um pequeno fragmento nas opções do aplicador da lei. Essa característica, segundo os defensores do “Direito Penal mínimo”, será mais eficaz. Deflui o princípio da fragmentariedade dos princípios da intervenção mínima (ultima ratio), da lesividade e da adequação social.

19 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

Para Zaffaroni, a Tipicidade Penal deve ser analisada nos seguintes aspectos: a. Tipicidade formal: aquela que já estudamos. Encaixe da conduta no modelo típico. b. Tipicidade Conglobante: i.

Tipicidade Material; ii.

Antinormatividade.

Tipicidade Formal

TIPICIDADE PENAL

tipicidade material Tipicidade Conglobante antinormatividade

Tipicidade material Imagine que você esteja saindo de seu curso preparatório e, ao dar a marcha ré em seu veículo, acaba por encostar levemente em um colega, causando-lhe um pequeno arranhão de dois centímetros. Bom, podemos dizer que, formalmente, sua conduta encontra adequação ao tipo de lesão corporal culposa do Código Penal (tipicidade formal). Ocorre que este pequeno arranhão, de tão pequeno, não colocou em risco efetivo a integridade física da vítima. Não foi materialmente relevante esse ferimento. Podemos dizer então, segundo ensinamento de Zaffaroni, que faltou tipicidade material. Em resumo: a teoria da tipicidade conglobante exige que a conduta leve a um resultado relevante para o Direito Penal.

20 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05 Tipicidade material x princípio da insignificância x Delegado de Polícia Bom, sobre o princípio da insignificância eu já falei no módulo zero. O que quero debater com vocês agora é a seguinte pergunta de prova discursiva ou oral: O princípio da insignificância pode ser aplicado pelo Delegado de Polícia? SIM

NÃO

MASSON

GRECO

LFG

MÁRCIO ANDRE L. CAVALCANTE (só em casos muito patentes)

CAPEZ Bom, antes de continuar, quero dizer que na minha vida prática tenho aplicado o princípio sem grandes problemas. Nunca tive qualquer questionamento sobre minhas decisões, pois tenho o costume de gastar tinta e tempo fundamentado tudo que decido. Só que penso que a prisão tem uma importante função pedagógica e, na prática, a

21 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05 prisão em flagrante será o máximo que o autor vai ter de retribuição estatal por sua conduta, em crimes sem violência o grave ameaça. Geralmente, se não pagar a fiança arbitrada pela autoridade policial (se for o caso), vai ser colocado logo em liberdade. Nesse passo, uso o princípio da insignificância com muito, mas muito cuidado mesmo. Veja este parecer que produzi por ocasião de uma situação concreta:

PARECER Ocorrência Policial nº. 00000/2014-5ªDP

Ilustríssimo Delegado-Chefe, O Delegado de Polícia LÚCIO FAGNER CHAGAS VALENTE, no uso de suas atribuições, vem à presença de Vossa Excelência, APRESENTAR:

PARECER

Referente à ocorrência policial nº. 00000 de 10 de outubro de 2014. DAS CIRCUNSTÂNCIAS DOS FATOS No dia 10/10/2014 às 17h00min (Sexta-Feira), na Rodoviária do Plano Piloto, Zona Cívico-Administrativa, Brasília/DF, Fulano de Tal (já qualificado), tentou subtrair um elástico para cabelo, no valor de R$ 1,38 (um Real e trinta e oito centavos) do interior da Drogaria X. Por força de tal circunstância, policiais

22 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

militares realizaram a condução do implicado à presenta da autoridade policial, que deixou de lavrar o auto de prisão em flagrante ao ter verificado falta de tipicidade material dos fatos. Como se vê, o episódio foi devidamente registrado em ocorrência policial. DA ATIPICIDADE MATERIAL DO FATO O princípio da insignificância tem como vetores, conforme o STF, a mínima ofensividade da conduta, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. A ausência de tais vetores implica na atipicidade material do fato. Se é apropriado que o princípio deva ser usado com reserva pela autoridade, tendo em vista sua não vulgarização e estímulo ao cometimento de pequenos delitos, não é menos certo que sua aplicabilidade é casuística. Com efeito, na proposição em análise, embora a ação do conduzido - tentativa de furto - se amolde à tipicidade formal, que é a perfeita subsunção da conduta à norma incriminadora, não há como reconhecer presente a tipicidade material, que consiste na relevância penal da conduta e do resultado típicos em face da significância da lesão produzida ao bem jurídico tutelado pelo Estado. Isso porque o objeto do delito – produto avaliado em R$ 1,38 (menos de 1% do Salário Mínimo)- possui valor ínfimo em confronto com o patrimônio da vítima, não havendo qualquer notícia de que esta tenha logrado prejuízo, seja com a conduta ou com a consequência dela - mormente porque a res foi recuperada e restituída -, o que evidencia a dispensabilidade da lavratura do auto, pois o

23 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

resultado jurídico, qual seja, a lesão produzida ao bem jurídico tutelado, mostrase absolutamente irrelevante. A autoridade policial é a primeira receptora do caso concreto, sendo-lhe compelido pelo ordenamento jurídico agir com cautela e prudência ante a íntima proximidade das suas atribuições para com os direitos fundamentais da pessoa humana. Com efeito, deverá garantir que pessoas não sejam violentamente encarceradas por fatos de pouquíssima ou nenhuma repercussão penal e social. A lavratura do Auto de Prisão em Flagrante no presente caso poderia, por conseguinte, resultar em indisfarçável ilegalidade na restrição da liberdade dos conduzidos o que, por si só, demonstra sua inviabilidade. Por fim, caso o entendimento aplicado e embasado firmemente em decisões do STJ e do STF não encontrar harmonia com o posicionamento Ministerial, em nada estará prejudicada a persecução criminal, uma vez que os fatos serão devidamente judicializados. DA CONCLUSÃO Ex positis, sugiro a Vossa Senhoria, s.m.j, que encaminhe o caderno apuratório ao Poder Judiciário para a adequada apreciação do titular da ação penal. Brasília/DF, de dezembro de 2014.

LÚCIO FAGNER CHAGAS VALENTE

24 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05 DELEGADO DE POLÍCIA Enfim, diante de um fato insignificante, poderia o Delegado simplesmente deixar de lavrar um auto de prisão em flagrante ou de instaurar inquérito policial, mediante despacho fundamentado? Poderia, inclusive, deixar de proceder sequer ao registro da ocorrência? Ou estaria o reconhecimento da insignificância atrelado ao crivo ministerial e judicial necessariamente? Bom, o estudo ainda está em desenvolvimento na doutrina. Há aqueles autores provenientes principalmente do Ministério Público, que são contra essa prerrogativa do Delegado de Polícia. Entretanto, claramente trata-se de posicionamento em defesa e ampliação de suas prerrogativas, limitando-se com isso a argumentos frágeis e corporativistas. Vou considerar alguns pontos que podem ser abordados em uma prova discursiva ou oral para concursos de Delegado, enriquecendo seus argumentos a favor (ou mesmo contra) essa prerrogativa.

Primeiro ponto: ao aplicar o princípio, não estaria o Delegado desrespeitando a interpretação do art. 17 do CPP?

A autoridade policial, incumbida apenas de colher os elementos para a formação do convencimento do titular da ação penal, não pode arquivar os autos de inquérito (CPP, art. 17). Importante destacar a diferença entre arquivar notícia crime e inquérito policial. Por força legal, o arquivamento do inquérito policial deve de decisão final do Ministério público (CPP, art. 28).

25 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecêla, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender. Quando a notícia chega ao conhecimento da autoridade policial, tem ela a função de analisar se há justa causa para instauração de inquérito policial ou Termo Circunstanciado. Essa análise passa, fundamentalmente, pela consideração de que os fatos narrados têm aparência de típica. A autoridade policial que recebe a notícia de um incesto, por exemplo, não está vinculado

à

instauração

de

inquérito

policial,

pois

o

ato

envolve,

necessariamente, a valoração do que foi obtido. Faltando a justa causa, a autoridade policial pode (aliás, deve) deixar de instaurar o inquérito, mas, uma vez feito, o arquivamento só se dá mediante decisão judicial, provocada pelo Ministério Público, e de forma fundamentada, em face do princípio da obrigatoriedade da ação penal (art. 28). Nesse sentido é Fernando Capez, para quem o “auto somente não será lavrado se o fato for manifestamente atípico, insignificante ou se estiver presente, com clarividência, uma das hipóteses de causa de exclusão da antijuridicidade, devendo-se atentar que, nessa fase, vigora o princípio do in dubio pro societate, não podendo o delegado de polícia embrenhar-se em questões doutrinárias de alta indagação, sob pena de antecipar indevidamente a fase judicial de

26 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

apreciação de provas; permanecendo a dúvida ou diante de fatos aparentemente criminosos, deverá ser formalizada a prisão em flagrante”. Enfim, diante de uma notícia, deve a autoridade policial fazer o primeiro filtro, evitando o desnecessário encarceramento por fatos atípicos, ainda que materialmente. Na hipótese de justa causa (ex.: fato formal e materialmente atípico) poderá determinar o arquivamento da notícia (Capez). Como eu descrevi no Parecer acima, “a autoridade policial é a primeira receptora do caso concreto, sendo-lhe compelido pelo ordenamento jurídico agir com cautela e prudência ante a íntima proximidade das suas atribuições para com os direitos fundamentais da pessoa humana.

Com efeito, deverá garantir que

pessoas não sejam violentamente encarceradas por fatos de pouquíssima ou nenhuma repercussão penal e social”. “A lavratura do Auto de Prisão em Flagrante no presente caso poderia, por conseguinte, resultar em indisfarçável ilegalidade na restrição da liberdade dos conduzidos o que, por si só, demonstra sua inviabilidade”. Ocorre que, como veremos em seguida, não cabe ao Delegado de Polícia a decisão final sobre o princípio. Portanto, deve ele encaminhar as peças de informação ao judiciário para que, posteriormente, o MP realize sua opinião sobre os fatos. Esse é o posicionamento mais adequado. Em suma, diante de um fato materialmente atípico, o delegado não lavra o flagrante, mas registra os fatos e encaminha ao MP, via judiciário. Veja o ponto seguinte.

27 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

2º PONTO: deve a autoridade encaminhar o procedimento ao Poder Judiciário? Luiz Flávio Gomes ensina que o Delegado de Polícia não pode proferir “decisão definitiva” sobre a insignificância da conduta ou do resultado. Sua atribuição primordial consiste em registrar o fato desde logo. Na verdade, a posição de LFG parece incoerente, mas não é. Ele defende que é preciso registrar o fato de alguma maneira para que, posteriormente, possa haver arquivamento. Portanto, segundo ele, nunca esse agente deverá ficar preso, ou seja, jamais deve ser recolhido ao cárcere (porque estamos diante de um fato atípico). Por isso, não se deve lavrar o auto de prisão em flagrante. Assim, se na infração penal de menor potencial ofensivo não se lavra flagrante, mas, Termo Circunstanciado, aplicar-se-ia a mesma regra para a infração considerada insignificante.7 Nesse ponto, concordo com LFG. Entendo que a autoridade policial não poderá restringir o direito de ir e vir diante de um fato materialmente atípico. Deverá, por conseguinte, encaminhar o procedimento respectivo ao Poder Judiciário para que o Ministério Público realize sua opinio delicti e, se for o caso, invoque o art. 28 do CPP. Palavras de LFG em relação ao flagrante lavrado contra uma mulher que furtou uma cebola. Fala mestre: “A prisão em flagrante de Izabel é fruto de um equívoco. Demonstra de outro lado que o ensino jurídico no nosso país (e particularmente o ensino do Direito 7

(GOMES, Luis Flávio. Direito Penal. Vol.2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 337).

28 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

Penal) precisa avançar. O homem já chegou à lua, o mundo se globalizou, o planeta se integrou inteiramente pela Internet e nosso Direito Penal continua o mesmo da Segunda Guerra Mundial. O delegado agiu da forma como agiu porque aprendeu na faculdade ser um legalista positivista e napoleônico convicto. Esse modelo de ensino jurídico (e de Direito Penal) já morreu. Mas se já morreu, porque o delegado continua lavrando flagrante no caso do furto de uma cebola? A resposta é simples: morreu, mas ainda não foi sepultado! O modelo clássico e provecto de Direito Penal é como elefante: dar tiros nele é fácil, difícil será sepultar o cadáver. O delegado, o juiz e o promotor que seguem o velho e ultrapassado modelo de Direito Penal (formalista, legalista), no máximo aprenderam o Direito Penal do finalismo (que começou a ficar decadente na Europa na década de 60 exatamente por ser puramente formalista). Apesar disso, ainda é o modelo contemplado (em geral) nos manuais brasileiros e é o ensinado nas faculdades de direito."8

É dessa forma que venho atuando em minha vida prática. Vem robustecer essa inteligência a promulgação da Lei 12.830/13, que estende os poderes dos Delegados de Polícia, colocando em seu artigo 2º que “as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de Polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado”. E em seu §

8

GOMES, Luiz Flávio. Prisão por furto de uma cebola. (10/06/2002) www.ibccrim.org.br.

29 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

6º. pontua que “o indiciamento” é ato “privativo do delegado de polícia” e se dará de forma fundamentada, “mediante análise técnico – jurídica do fato”.

3º PONTO: o STJ e o STF já se posicionaram sobre isso? Nos autos do HC 154.949/MG (STJ), o relator Min. Felix Fischer afirmou: “Cumpre asseverar que a observância do princípio da insignificância no caso concreto é realizada a posteriori, pelo Poder Judiciário, analisando as circunstâncias peculiares de cada caso”. Não se trata de uma decisão contrária ao posicionamento que defendemos, uma vez que nessa decisão o STJ estava discutindo a condução em flagrante pelos policiais militares, que posteriormente foi ratificada pelo Delegado de Polícia. Segundo o Ministro Felix, não houvera crime de abuso, pois os fatos eram aparentemente típicos para os policiais e decisão final sobre a insignificância (furto de sacos de cimento) ficaria a cargo do judiciário. Em momento algum, a decisão passa pela impossibilidade da autoridade judicial fazer esse juízo. Parece-me que, em verdade, o STJ caminhou na posição que defendemos. No caso, o Delegado fez o flagrante diante da aparente tipicidade, como poderia não lavrar se não houvesse tal aparência. Entretanto, a palavra final é posterior e não dele, Delegado. Por fim, cito a Súmula nº 6 do I Seminário Integrado da Polícia Judiciária da União e do Estado de São Paulo: "É lícito ao Delegado de Polícia reconhecer, no instante do indiciamento ou da deliberação quanto à subsistência da prisão-captura em flagrante delito, a

30 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

incidência de eventual princípio constitucional penal acarretador da atipicidade material, da exclusão de antijuridicidade ou da inexigibilidade de conduta diversa"(Repercussões da Lei 12.830/13 na Investigação Criminal), realizado na Academia de Polícia “Dr Coriolano Nogueira Cobra”, em 26-09-2013, com a participação de Delegados da Polícia Civil do Estado de São Paulo e da Polícia Federal.

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E SUA APLICAÇÃO PELO DELEGADO ARGUMENTOS IMPORTANTES 1 – tratando-se de fato materialmente atípico, o enclausuramento de alguém nessa situação poderia gerar, em tese, abuso de autoridade ao Delegado de Polícia 2 – evitar a arbitrariedade de se colocar no cárcere alguém que não violou materialmente a lei penal 3 – apesar do Delegado de Polícia não poder arquivar autos de Inquérito policial, poderá arquivar a notitia criminis se não houver justa causa para a instauração do inquérito (Capez)

31 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

4- em relação à “delatio criminis” (art. 5º., II, segunda parte, CPP) pode haver indeferimento pela Autoridade Policial, cabendo recurso dessa decisão nos termos do artigo 5º., § 2º., CPP o que, mais uma vez, demonstra claramente que o Delegado de Polícia pode deixar de instaurar Inquérito em certos casos, inclusive por expressas disposições legais. 5-

a

autoridade

policial

é

o

primeiro

Fundamentais da pessoa e de sua dignidade.

32 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

garantidor

dos

Direitos

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

IV DA ANTINORMATIVIDADE

Voltando ao estudo da Tipicidade Conglobante, vimos que a tipicidade penal é formada pela tipicidade formal mais a conglobante. Esta congloba a tipicidade material (vista acima) e a antinormatividade. A ideia da antinormatividade não pegou muito no Brasil. Precisamos relembrar esse ponto porque ainda cai em prova. Basicamente, antinormatividade significa que a análise da adequação típica deve ser ampliada para abarcar situações em que o agente age por força de determinação de outra norma. Também, em situações em que o agente age por fomento do próprio Estado. O resultado disso é que excludentes de ilicitude como o exercício regular do direito e estrito cumprimento do dever legal devam estar no âmbito do tipo. A teoria parece ser uma nova roupagem da teoria dos elementos negativos do tipo, com novos argumentos.

O Raciocínio de Zaffaroni Explica Zaffaroni que o tipo penal guarda a proteção de um bem jurídico. Na descrição “matar alguém” há a proteção jurídica da vida anteposta ao tipo. A

33 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

antinormatividade surge justamente na colisão entre a conduta e o bem jurídico protegido. Matar é antinormativo porque fere o bem jurídico vida. O que é antinormatividade, portanto? (pergunta seca e resposta objetiva para prova oral) É o fenômeno jurídico que procede quando da adequação típica resulta efetivo dano ao bem jurídico tutelado, por ser aquela conduta não apenas formalmente típica, mas efetivamente contrária à norma. Como esse tema já foi cobrado Tipicidade conglobante (antinormatividade) é a comprovação de que a conduta legalmente típica está também proibida pela norma, o que se obtém desentranhando o alcance dessa norma proibitiva conglobada com as demais disposições do ordenamento jurídico (Juiz/TJRS/2016).9 Segundo a teoria da tipicidade conglobante proposta por Eugenio Raúl Zaffaroni, quando um médico, em virtude de intervenção cirúrgica cardíaca por absoluta necessidade corta com bisturi a região torácica do paciente não responde por nenhum crime, carecendo o fato de tipicidade, já que não podem ser consideradas típicas aquelas condutas toleradas ou mesmo incentivadas pelo ordenamento jurídico (Delegado/PCPI/2014).10

9

Gabarito: correto.

10

Gabarito: correto.

34 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

A tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade legal, posto que pode excluir do âmbito do típico aquelas condutas que apenas aparentemente estão proibidas (Juiz/TJMS/2015).11 A conduta típica é necessariamente antinormativa? Explica

Zaffaroni

que

não.

Afirmar

que

uma

conduta

é

típica

não

necessariamente resulta em dizer que ela é CONTRÁRIA À NORMA. Essa conclusão depende uma investigação do alcance da norma que está por trás do tipo. Em resumo, a tipicidade penal requer que a conduta, além de enquadrar-se no tipo legal, viole a norma e afete o bem jurídico.

José subtraiu um carro de João (tipicidade formal)

11

José é Oficial de Justiça e estava cumprindo determinação judicial no estrito cumprimento do dever

Norma: "não furtarás"

Gabarito: correto.

35 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Norma "não furtarás" permanece intacta

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

A doutrina tradicional finalista ensina que nesse exemplo citado por Zaffaroni, o oficial de justiça teria agido tipicamente, mas com excludente de ilicitude (estrito cumprimento do dever legal). Zaffaroni acha isso ilógico, pois não considera que uma norma possa ser ferida se outra norma promove aquela conduta. Antinormatividade Vs Antijuridicidade (Ilicitude) A antinormatividade estaria no âmbito do tipo, na interpretação natural do âmbito de proteção da norma. Não tem sentido dizer que é típico, no dizer de Zaffaroni, o que a própria norma fomenta ou determina. Já a ilicitude é uma análise posterior e depende de um tipo permissivo (ex.: art. 24 e art. 25 do CPB). Basicamente, podemos fazer a seguinte comparação: ANTINORMATIVIDADE

ILICITUDE

Está dentro do alcance do tipo

Está fora da análise típica

Não depende de um tipo justificante

Depende de um tipo justificante

Contrariedade à ordem normativa

Contrariedade à ordem jurídica

36 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

RESUMO DA AULA Tipicidade

É o 4º elemento do fato típico

Tipo Penal

É um modelo de conduta proibida

Tipos de adequação típica

a)

Direta (imediata): não exige tipo

de extensão b)

Indireta (mediata): exige tipo de

extensão Funções do Tipo

Relação entre tipicidade e ilicitude

a)

Garantia (princípio da legalidade)

b)

Indiciária (ratio cognoscendi)

c)

Diferenciadora do erro

a)

Ratio cognoscendi: a

tipicidade

indica a ilicitude b)

Ratio essendi: o tipo está dentro

da ilicitude c)

Elementos negativos: a ilicitude é

a parte negativa do tipo Tipicidade Conglobante

Tipicidade

material

+

antinormativididade Tipicidade Formal

Mera adequação típica

Tipicidade Material

Lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico

Antinormatividade

O fato típico não pode ser fomentado pelo Estado.

Delegado e aplicação do princípio da

Diante de fato materialmente atípico,

insignificância

deve deixar de lavrar APF.

37 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05 Questão abordadas na aula 1.

O tipo penal é a expressão do princípio da legalidade no Direito Penal. 12

2.

A adequação típica mediata amplia a esfera de punição do Direito Penal. 13

3.

Tipicidade,

para

a

teoria

indiciária,

é

uma

presunção iuris

et

iuris da

normatividade da licitude (Juiz/TJRS/2016).14 4.

Tipicidade conglobante (antinormatividade) é a comprovação de que a

conduta legalmente típica está também proibida pela norma, o que se obtém desentranhando o alcance dessa norma proibitiva conglobada com as demais disposições do ordenamento jurídico (Juiz/TJRS/2016). 15 5.

A adequação típica de um crime tentado é de subordinação mediata,

ampliada ou por extensão, já que a conduta humana não se enquadra prontamente na lei penal incriminadora, reclamando-se, para complementar a tipicidade, a interposição do dispositivo contido no art. 14, II, do Código Penal (Juiz/TRT16/2011).16 6.

Segundo a teoria da tipicidade conglobante proposta por Eugenio Raúl

Zaffaroni, quando um médico, em virtude de intervenção cirúrgica cardíaca por absoluta necessidade corta com bisturi a região torácica do paciente não responde por nenhum crime, carecendo o fato de tipicidade, já que não podem ser consideradas típicas aquelas condutas toleradas ou mesmo incentivadas pelo

12

Gabarito: correto.

13

Gabarito: correto. Ao criar tipos de extens!ão, o Direito Penal amplia sua esfera de atuação, pois passa a punir situações não previstas pelo tipo (ex.: tentativa, concurso de pessoas etc.). 14

Gabarito: errado.

15

Gabarito: correto.

16

Gabarito: correto.

38 Licensed to Eloi Pedro Stefenon Júnior , E-mail: [email protected]

Professor: Lúcio Valente Direito Penal PARTE GERAL – MÓDULO 05

ordenamento jurídico (Delegado/PCPI/2014).17 7.

A tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade legal, posto que pode

excluir do âmbito do típico aquelas condutas que apenas aparentemente estão proibidas (Juiz/TJMS/2015).

17

Gabarito: correto.

39
MODULO 05 PENAL GERAL

Related documents

39 Pages • 7,950 Words • PDF • 1.3 MB

258 Pages • 86,479 Words • PDF • 4.5 MB

2 Pages • 862 Words • PDF • 74.3 KB

0 Pages • 2,511 Words • PDF • 1.2 MB

103 Pages • 29,894 Words • PDF • 4.2 MB

108 Pages • 37,142 Words • PDF • 6.3 MB

24 Pages • 4,212 Words • PDF • 2.6 MB

12 Pages • 1,173 Words • PDF • 7.1 MB

4 Pages • 824 Words • PDF • 71.3 KB