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Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
Bianca Garbeloto Tafarelo Lívia S. P. Cavaglieri Lorena Fernanda Galavotti
Direito ao Esquecimento Direito ao esquecimento X Liberdade de imprensa
Franca – São Paulo 2019
1 O direito ao esquecimento e a liberdade de imprensa 1.1 A Liberdade de Imprensa Antes de conceituarmos a liberdade de imprensa e analisarmos os artigos do direito brasileiro que a garante, torna-se imprescindível compreendermos primeiramente o que é a imprensa. Para Hegel, a comunicação pública não é algo que se restringe apenas à transmissão verbal de mensagens, mas inclui também todas as outras formas por meio das quais as pessoas influenciam de certo modo as outras. A liberdade da comunicação pública envolve muitos meios, dentre eles a imprensa, a qual teria como principal função veicular informações sobre a realidade. Na época de Hegel, porém, os meios de comunicação não eram tão desenvolvidos como os de hoje; então, ao falar de imprensa, Hegel se refere tanto a impressa escrita como ao discurso oral. Entretanto, aplicando o termo ao contexto atual temos a imprensa como sendo um conjunto de meios de veiculação ou de dissolução de informações, no qual estão inseridos, além de jornais, rádios, programas televisivos, internet e, inclusive, sites de busca, como o Google. Assim, conceitua-se liberdade de imprensa como a transmissão de informações, através dos veículos de comunicação, sem a interferência do Estado ou de terceiros, isto é, sem haver censura. Assim, a liberdade de imprensa é na verdade a plena liberdade da propagação de informações de cunho jornalístico. E além disso, ela é fundamental para a manutenção do Estado Democrático de Direito. Porém, ela não pode ser ilimitada e ausente de responsabilidade, haja vista que ser livre significa ser responsável. No direito brasileiro, a liberdade de imprensa e de informação está prevista nos seguintes artigos da Constituição Federal de 1988: Art. 5º, inciso IX: livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. § 3º Compete à lei federal: I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada; II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. § 4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso. § 5º Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio. § 6º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.
1.2 Direito ao esquecimento Nas palavras de Nelson Rosenvald e de Cristiano Chaves de Farias, Existem certos fatos pretéritos que, se não matam fisicamente, causam profunda corrosão na alma e no espírito. É nesse quadrante que se concebe o direito ao esquecimento ou, como se diz na Itália, diritto all’oblio. (2014, p. 184).
Assim, o direito ao esquecimento é o direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, mais especificamente no que tange ao modo e à finalidade com que são lembrados esses fatos, causando-lhe sofrimento ou transtornos. Portanto, tal direito não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou de reescrever a história, ainda que seja a sua própria história. Ou seja, novamente nas palavras de Nelson Rosenvald e de Cristiano Chaves de Farias (2014, p. 185), “é o direito de impedir que dados e fatos pessoais de outrora sejam revividos, repristinados, no presente ou no futuro de maneira descontextualizada”. Entende-se que tal direito deve ser garantido e assegurado para que pessoas afetadas por algum evento que lhes traga vergonha em sua vida possam viver com dignidade, e, assim,
possam continuar suas vidas sem a exposição de momentos vexatórios e sem a exposição repetitiva, como nos casos de o ato ser veiculado pela imprensa ou de vazar na internet, podendo ocasionar transtornos psicológicos, danificando a saúde mental da vítima. Assim, o direito ao esquecimento está previsto nos Enunciados 531 e 576 das Jornadas de Direito Civil, sendo os seus respectivos conteúdos os seguintes: VI Jornada de Direito Civil – Enunciado 531: A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. VII Jornada de Direito Civil – Enunciado 576: O direito ao esquecimento pode ser assegurado por tutela judicial inibitória.
2 Julgados 2.1 Caso Aída Curi Aída Jacob Curi foi uma jovem de 18 anos brutalmente assassinada na cidade do Rio de Janeiro, no bairro de Copacabana, em 1958. A terceira de cinco filhos de imigrantes sírios, Aída havia deixado sua aula de datilografia e caminhava, em companhia de sua amiga, até o ponto de ônibus para voltar à sua casa quando foi abordada por um grupo de jovens. Abusando da ingenuidade da garota, o grupo induziu-a a entrar em um prédio e subir até a cobertura com a desculpa de “mostrar-lhe a vista”. No décimo segundo andar, então, os jovens tentaram abusar sexualmente da garota, que veio a falecer enquanto relutava. Buscando safar-se, os jovens jogaram Aída do prédio com o objetivo de simular um suicídio. Porém, devido às testemunhas, os meninos foram descobertos e o caso foi a julgamento. Os culpados foram, então, condenados à prisão.
2.1.1 O processo contra a Rede Globo de Televisão Em 2004, ou seja, quase cinquenta anos depois, a Rede Globo de Televisão, exibiu um documentário sobre o caso no programa Linha Direta. Tal documentário trazia, sob a forma de simulação e com comentários de amigos da garota, advogados e procuradores, a vida e a morte de Aída, assim como o julgamento do crime; o que levou aos irmãos de Aída à abrirem um processo contra a emissora por danos morais, materiais e à imagem de Aída. Segundo eles, o crime já havia entrado em esquecimento devido ao passar do tempo e a transmissão do programa fê-los reviver o passado e suas dores. Além disso, a emissora ré teria explorado à imagem de Aída através da transmissão do programa, entendendo que a
única finalidade dessa ação seria a sua lucratividade; ou seja, para os irmãos de Aída, o episódio do programa não teria função jornalística, mas sim comercial. Portanto, os irmãos de Aída buscaram a proclamação do seu direito ao esquecimento, de não ter revivida, contra a vontade deles, a dor antes experimentada por ocasião de sua morte, assim também pela publicidade conferida ao caso décadas passadas. As indenizações, porém, foram negadas em primeira instância, sob a justificativa de que a Constituição Federal assegura a Liberdade de Imprensa e, na verdade, já havia passado muito tempo sobre o crime e que ele já era de conhecimento público; sendo que, além disso, a ré havia cumprido com a função social de informar, alertar e abrir debate sobre o caso; e que, apesar de tudo, ninguém nega que a Ré seja uma pessoa jurídica cujo fim é o lucro. Assim, restou aos irmãos recorrer ao STJ sob a forma de Recurso Especial e ao STF sob a forma de Recurso Extraordinário.
2.1.1.1 O STJ (REsp 1335153) O recurso especial, inicialmente, não foi admitido na origem. Com a interposição do AREsp. n. 15.007/RJ, o ministro relator Luis Felipe Salomão deu-lhe provimento para melhor exame da questão. Assim, como decisão final, o STJ também negou o provimento do recurso especial, sob a justificativa de que, apesar de ser reconhecido o direito ao reconhecimento dos ofendidos, ele deve ser ponderado perante a historicidade dos fatos; e, nesse caso específico, o direito ao esquecimento Não alcança os fatos dos autos, em que se reviveu, décadas depois do crime, acontecimento que entrou para o domínio público, de modo que se tornaria impraticável a atividade da imprensa para o desiderato de retratar o caso Aida Curi, sem Aída Curi.
Além disso, não ficou reconhecida a exacerbada exploração midiática por parte da Rede Globo ou abuso antecedente na cobertura do crime. Ademais, o reconhecimento em tese do direito ao esquecimento não conduz necessariamente ao dever de indenizar; e que No caso de familiares de vítimas de crimes passados, que só querem esquecer a dor pela qual passaram em determinado momento da vida, há uma infeliz constatação: na medida em que o tempo passa e vai se adquirindo um “direito ao esquecimento”, na contramão, a dor vai diminuindo, de modo que, relembrar o fato trágico da vida, a depender do tempo transcorrido, embora possa gerar desconforto, não causa o mesmo abalo de antes.
Ademais, nas palavras do próprio ministro relator,
A reportagem contra a qual se insurgiram os autores foi ao ar 50 (cinquenta) anos depois da morte de Aida Curi, circunstância da qual se conclui não ter havido abalo moral apto a gerar responsabilidade civil. Nesse particular, fazendo-se a indispensável ponderação de valores, o acolhimento do direito ao esquecimento, no caso, com a consequente indenização, consubstancia desproporcional corte à liberdade de imprensa, se comparado ao desconforto gerado pela lembrança.
2.1.1.2 O STF (Repercussão geral no recurso extraordinário com agravo 833.248 e Recurso extraordinário nº 1.010.606/RJ) Inicialmente, foi negado o Recurso Extraordinário. Assim, Nelson Curi e outros entraram com agravo à decisão. Nesse afirmam que o caso em tela versa sobre um aspecto da proteção da dignidade humana que ainda não foi apreciado por esta Corte: o direito ao esquecimento. Defendendo, portanto, que o recurso possui existência de repercussão geral, dada a importante discussão que nele se trava, relativa ao direito dos recorrentes a proteger sua dignidade humana, atingida pelo exercício abusivo e ilegal da liberdade da expressão por parte da recorrida. Além disso, sustentam que o direito ao esquecimento é um atributo indissociável da garantia da dignidade humana, com ela se confundindo, e que a liberdade de expressão não tem caráter absoluto, não podendo se sobrepor às garantias individuais. O STF, então, reconheceu, em 2014, a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. Porém, o caso ainda está em trâmite. Sendo que, em junho de 2016, houve uma manifestação da Procuradoria Geral da República à favor da Liberdade de Impressa e do ponderamento de interesses em casos relacionados ao direito ao esquecimento. Segundo a PGR, 1. Não é possível, com base no denominado direito a esquecimento, ainda não reconhecido ou demarcado no âmbito civil por norma alguma do ordenamento jurídico brasileiro, limitar o direito fundamental à liberdade de expressão por censura ou exigência de autorização prévia. Tampouco existe direito subjetivo a indenização pela só lembrança de fatos pretéritos. 2. Há vasta gama variáveis envolvidas com a aplicabilidade do direito a esquecimento, a demonstrar que dificilmente caberia disciplina jurisprudencial desse tema. É próprio de litígios individuais envolver peculiaridades do caso, e, para reconhecimento desse direito, cada situação precisa ser examinada especificamente, com pouco espaço para transcendência dos efeitos da coisa julgada, mesmo em processo de repercussão geral.
Em outubro de 2018, a PGR reafirmou sua visão, adicionando novas justificativas à ela.
2.2 Caso Xuxa X Google Em 1982, antes de sua fama, Maria da Graça "Xuxa" Meneghel participou do filme erótico Amor, Estranho Amor, no qual tinha relações sexuais com um adolescente. Posteriormente, Xuxa consolidou sua carreira como apresentadora de programas infantis. Assim, considerando o seu posterior perfil profissional, em 1987, Xuxa recorreu em juízo ao direito ao esquecimento (sem invoca-lo expressamente) em relação à sua participação cinematográfica-erótica, alegando o seu direito ao arrependimento. Vencedora da ação, em 1991, foi reconhecido o seu direito de, segundo as palavras do relator do caso, “apagar uma imagem pretérita incompatível com uma imagem atual”. Porém, com o advento da internet e a sua popularização, o filme voltou à tona. Sendo, muitas vezes, associada à pedofilia nas pesquisas do Google devido à isso, Xuxa recorreu novamente à justiça.
2.2.1 O processo Buscando desvincular sua imagem do ato de pedofilia, em 2012, Xuxa recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro através de uma ação ordinária que objetivava compelir a Google a remover do seu site de pesquisas os resultados relativos à busca pela expressão “Xuxa pedófila” ou, ainda, qualquer outra que associasse o seu nome a uma prática criminosa qualquer. O juiz de primeira instância deferiu o pedido da apresentadora. A decisão, porém, foi impugnada pela Google via agravo de instrumento. Entretanto, o TJ/RJ deu parcial provimento ao agravo, restringindo a liminar apenas às imagens expressamente referidas pela parte agravada, ainda assim sem exclusão dos links na apresentação dos resultados de pesquisas. Após tal decisão, tanto a Google como a Xuxa recorreram à decisão via Embargos de Declaração, porém ambas foram negadas. A Google recorreu, então, ao STJ através de um Recurso Especial.
2.2.1.1 O STJ (Resp nº 1.316.921 – RJ) Segundo o seu entendimento, o papel dos provedores de pesquisa, como o Google Search, restringe-se à identificação de páginas da web, cujo acesso é público e irrestrito, onde determinado dado ou informação, ainda que ilícito, estão sendo livremente veiculados. Portanto, Os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os
resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação do URL da página onde este estiver inserido.
Além disso, considerando que a Internet representa, hoje, importante veículo de comunicação social de massa, para o STJ, remover os resultados da pesquisa iria reprimir o direito da coletividade à informação. Assim, devido à tal decisão e tendo todos os seus recursos negados, a apresentadora recorreu ao STF.
2.2.1.2 O STF (AG.REG. na Reclamação 15.955/RJ) Segundo o artigo científico Direito ao Esquecimento: uma análise do caso Xuxa Meneghel vs. Google Search, de Patrícia Mylla do Nascimento Santana e Wladimir Correa e Silva, No Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Celso de Mello, embora sem adentrar ao mérito do debate, negou seguimento à Reclamação 15955 ajuizada por Xuxa Meneghel, com o intuito de restabelecer decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que restringiu a exibição de suas imagens nas pesquisas do Google. O ministro, por sua vez, afastou a alegação dos advogados da apresentadora de que o acórdão do STJ, que cassou a liminar que impunha restrição, teria violado a Súmula Vinculante 10, do STF. Impende registrar que o STF analisou apenas processualmente a questão.
2.3 Caso Chacina da Candelária A Igreja da Candelária é uma conhecida igreja católica no centro do Rio de Janeiro. A própria igreja e os prédios ao redor se tornaram locais propícios para que crianças e adultos em situação de rua se abrigassem durante a noite, devido à localização. A Chacina aconteceu em 23 de julho de 1993 no Rio de Janeiro, em frente à Igreja da Candelária. Na madrugada desta data, policiais desferiram diversos tiros contra 70 crianças e adolescentes que dormiam nas escadarias da igreja. Dentre elas oito vieram a óbito e diversas ficaram feridas. Três policiais foram condenados pelo crime e dois foram absolvidos. No decorrer do processo, foram indiciadas sete policiais militares, são eles: Marcus Vinícius Emmanuel Borges, Cláudio dos Santos e Marcelo Cortes, o serralheiro Jurandir Gomes França, Nelson Oliveira dos Santos, Marco Aurélio Dias de Alcântara e Arlindo Afonso Lisboa Júnior. Cláudio, Marcelo e Jurandir foram inocentados no processo.
2.3.1 O Processo Em 2006, ou seja, treze anos depois, a Rede Globo de Televisão, exibiu um documentário sobre o caso no programa Linha Direta- Justiça. Tal documentário trazia, através de uma simulação os acontecimentos do dia da chacina, os autores do crime, bem como as vítimas. Jurandir Gomes de França, um dos acusados e absolvido posteriormente no tribunal do júri relatou a procura por parte da emissora, que havia o intuito de entrevistá-lo no programa em questão. Entretanto, ainda mencionado a falta de interesse dele em ter sua imagem apresentada em rede nacional o programa vai ao ar em julho de 2006 com seu nome associado aos demais chacinadores. Assim, ele ingressou na Justiça com pedido de indenização, sustentando a tese que sua citação no programa levou a público, situação que já havia superado, revivendo na comunidade onde reside a imagem de assassino e o ódio social, e ferindo seu direito à paz, anonimato e privacidade pessoal. Alegou, ainda, que foi obrigado a abandonar a comunidade para preservar sua segurança e de seus familiares. O juízo da 3ª Vara Civil da Comarca do Rio de Janeiro julgou o pedido de indenização improcedente, mas a sentença foi reformada e mantida em julgamento de embargos infringentes e de embargos de declaração pela seguinte ementa: Apelação. Autor que, acusado de envolvimento na Chacina da Candelária, vem a ser absolvido pelo Tribunal do Júri por unanimidade. Posterior veiculação do episódio, contra sua vontade expressa, no programa Linha Direta, que declinou seu nome verdadeiro e reacendeu na comunidade em que vivia o autor o interesse e a desconfiança de todos. Conflito de valores constitucionais. Direito de Informar e Direito de Ser Esquecido, derivado da dignidade da pessoa humana, prevista no art.1º, III, da Constituição Federal. I - O dever de informar, consagrado no art. 220 da Carta de 1988, faz-se no interesse do cidadão e do país, em particular para a formação da identidade cultural deste último. II - Constituindo os episódios históricos patrimônio de um povo, reconhece-se à imprensa o direito/dever de recontá-los indefinidamente, bem como rediscuti-los, em diálogo com a sociedade civil. III - Do Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, e do direito que tem todo cidadão de alcançar a felicidade, restringe-se a informação, contudo, no que toca àqueles que, antes anônimos, foram absolvidos em processos criminais e retornaram ao esquecimento. IV - Por isto, se o autor, antes réu, viu-se envolvido em caráter meramente lateral e acessório, em processo do qual foi absolvido, e se após este voltou ao anonimato, e
ainda sendo possível contar a estória da Chacina da CandeIária sem a menção de seu nome, constitui abuso do direito de informar e violação da imagem do cidadão a edição de programa jornalístico contra a vontade expressamente manifestada de quem deseja prosseguir no esquecimento. V - Precedentes dos tribunais estrangeiros. Recurso ao qual se dá provimento para condenar a ré ao pagamento de R$ 50.000,00 a título de indenização (fls. 195-196).
2.3.2 STJ: REsp Nº 1.334.097 A TV Globo recorreu ao STJ, alegando que não se efetuou invasão à privacidade de Jurandir, uma vez que os acontecimentos relatados eram de conhecimento geral e abordados na comunidade com frequência, e que a empresa somente relatou a situação, sem qualquer tipo de dano. Segundo a emissora, a circunstância de a pessoa se relacionar com a notícia ou com fato histórico de interesse coletivo já é suficiente para reduzir seu direito à intimidade, tornando lícita a divulgação de seu nome e de sua imagem, independentemente de autorização. “Muito embora tenham as instâncias ordinárias reconhecido que a reportagem se mostrou fidedigna com a realidade, a receptividade do homem médio brasileiro a noticiários desse jaez é apta a reacender a desconfiança geral acerca da índole do autor, que, certamente, não teve reforçada sua imagem de inocentado, mas sim a de indiciado”
Assim, mostrar-se, para A Rede Globo, incabível a aplicação de "um direito ao esquecimento ou o direito de ser deixado em paz", que sobrepujaria o direito de informar da recorrente. Sendo assim, citando precedentes e doutrinas, o ministro ressaltou que o réu condenado ou absolvido pela prática de um crime tem o direito de ser esquecido. Bem por isso esta Quarta Turma, analisando os contornos de eventual ilicitude de matérias jornalísticas, abraçou a tese segundo a qual a liberdade de imprensa, por não ser absoluta, encontra algumas limitações, como: "(I) o compromisso ético com a informação verossímil; (II) a preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e (III) a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi)" (REsp 801.109/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 12/06/2012).
A Turma entendeu que houve violação do direito ao esquecimento e manteve sentença que deliberou a emissora a indenização no valor R$ 50 mil. A quantia da condenação não se
mostra exagerado, levando-se em conta a magnitude dos fatos, afirmou o relator, que também considerou a posição financeira da emissora. Segundo a Monografia de Danieli Pereira, “O Direito ao Esquecimento na Era da Informação”, A indenização foi arbitrada pelo tribunal, pois este entendeu que na colisão entre a liberdade de informação e o direito de personalidade, em que se encontra o direito ao esquecimento através da proteção da memória individual, esse último prevaleceria, pois o dano causado ao particular seria muito maior que o obtido pela não aplicação do direito fundamental à informação, visto que a divulgação da notícia pela mídia impedira o direito de ressocialização do absolvido, dessa forma, o STJ solucionou o caso através da teoria de Alexy sobre a ponderação.
2.4 Fraude em Concurso Uma promotora foi acusada de fraudar um concurso para magistratura, no qual foi reprovada em 2007, e posteriormente inocentada pelo CNJ. Entretanto, passado uma década do ocorrido, a busca por notícias relacionadas ao tema retornava com resultados que citavam a servidora. Tal notícia, veiculada em sites da internet afirma que a promotora teria reproduzido o gabarito da prova de Direito Tributário na fase escrita do certame. Contudo, após o caso ser apurado pelo CNJ entendeu-se que não haveria elementos suficientes para condenação. E também reconheceu que havia problemas na prática adotada pelo TJ-RJ, emitindo recomendações para os concursos seguintes.
2.4.1 O processo Buscando desvincular sua imagem do ato de fraude, em 2017, tal promotora recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro através de uma ação ordinária com o intuito de fazer com que a Google, Yahoo e Microsoft retirassem de seus sites de busca os resultados relativos às buscas relacionadas ao ato ilícito. Ela declarou que a indexação dos resultados relacionados ao conteúdo estaria promovendo impactos à sua dignidade e pediu a filtragem dos resultados de busca por seu nome, retirando-a de quaisquer reportagens relacionadas aos fatos. Após o acontecimento, ela foi aprovada em outro concurso e hoje em dia desempenha o cargo de promotora de Justiça no Rio de Janeiro.
Em primeira instância, a sentença julgou os pedidos improcedentes. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, porém, reformou a decisão para condenar as empresas a instalarem filtros de conteúdo que desvinculassem o nome das buscas.
2.4.2 Recurso Especial 1.660.168/RJ. A questão chega ao STJ em 2013, depois que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou Google, Microsoft e Yahoo a instalarem filtros de conteúdo que desassociassem o nome da autora das notícias sobre a fraude, perante pena de multa diária de R$ 3 mil. Assim, tais empresas demandam a aplicação da jurisprudência fixada no tribunal sobre a impossibilidade de ordem de remoção e de monitoramento prévio direcionada a provedor de buscas, principalmente por ser de relevância pública. "Relatora do processo, a ministra Nancy Andrighi votou pelo indeferimento do pedido. Para ela, a demanda só seria procedente se o Brasil possuísse uma lei geral de proteção de dados similar à da União Europeia. Com base no Marco Civil da Internet nacional, os provedores não teriam a responsabilidade civil de exercer a função de “censor privado”. Villas Bôas Cueva teve entendimento no mesmo sentido.
Todavia, os votos da ministra relatora foram derrotados pela colocação do ministro Marco Aurélio Bellizze, presidente da turma, seguidos pelos votos de Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro: “Essa é a essência do direito ao esquecimento: não se trata de efetivamente apagar o passado, mas de permitir que a pessoa envolvida siga sua vida com razoável anonimato, não sendo o fato desabonador corriqueiramente rememorado e perenizado por sistemas automatizados de busca”
O ministro em questão também compreendeu que as notícias referentes a fraude no concurso continuariam acessíveis, de forma que o conteúdo não seria excluído. A pesquisa, no entanto, deveria conter critérios relativos ao tema. Antes, as notícias apareciam mesmo que somente fosse buscado o nome da servidora.
3 Conclusão O ser humano é um ser inacabado, em constante evolução, e essa finda-se apenas com a sua morte. Nas palavras do escritor uruguaio Eduardo Galeano, “somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos”. Assim, todo ser humano tem o direito de arrepender-se de algo, mantendo constante sua caminhada em direção ao melhor de si.
É aqui, então, que entra o direito ao esquecimento, um direito da personalidade que visa manter a dignidade da pessoa humana e dá-lhe o direito de arrepender-se de atos passados de modo que esses não interfiram na sua vida presente ou futura. Porém, por ser um conceito relativamente novo, principalmente no ordenamento jurídico brasileiro, surgem algumas indagações sobre tal direito, principalmente quando ele entra em conflito com a liberdade de imprensa. Indagações essas que tem como exemplos aquelas citadas por Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias: Qual é o espectro de incidência do direito ao esquecimento? Abrangeria qualquer fato ocorrido no passado e que vem a incomodar o titular? O assunto fica proibido de ser reavivado por qualquer membro da sociedade? Qual o lapso temporal necessário para se pleitear o respeito ao direito de esquecer? (2014, p. 185)
Além disso, cabe ressaltar aqui que, devido à nossa jovem democracia e ao passado histórico do Brasil relacionado à censura, a liberdade de imprensa é visto como algo que deve ser ilimitado. E, na realidade, realmente deve, o direito de informar e de receber informação não deve ser limitado por um Estado ou autoridade, porém, como já afirmado anteriormente neste presente trabalho, possuir liberdade significa ter responsabilidade. Antes de veicular-se em qualquer meio de informação uma informação acerca de um indivíduo deve-se ter em mente a dimensão do impacto que isso causará na vida da pessoa. Assim, ao analisar os julgados, observa-se que, na realidade, não há uma hierarquia entre a liberdade de imprensa e o direito ao esquecimento, o que prevalece nas decisões judiciais é na verdade uma ponderação de interesses. Ou seja, nas palavras de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias, O simples reconhecimento da existência efetiva de um direito ao esquecimento não conduz, por si só, ao imperativo de abster da informação. Até mesmo porque existem fatos que estão enraizados na vida e na história de uma sociedade, prendendo-se, muitas vezes, ao próprio processo de formação da identidade cultural de um povo. Estes não serão apagados e, tampouco, esquecidos. É preciso, pois, ponderar os interesses em conflito para que se possa, caso a caso, deliberar a melhor solução.
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